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Diário de Prata: Peru

19 Nov 2018
By Sara Prata

Continuo esta aventura para um dos países onde mais sonhei um dia ir: Peru.

A surpresa que foi a Colômbia vai custar a deixar para trás. Há países onde chegas desprevenido, apenas disponível para conhecer, e terminas em pleno, com as pessoas e os lugares guardados em ti. Entrei no avião com a sensação de que se fosse já para casa, ia feliz! Mas não vou, continuo esta aventura e para um dos países onde mais sonhei um dia ir: Peru.

Acho que vai sair daqui um verdadeiro caso de amor, daqueles puros, onde sem procurares te encontras, te preenches de memórias que nem a rotina louca da tua cidade irá apagar. E mais uma vez, esta é a minha história.

Chegada a Lima. Uauu, a sério. Só podem estar a brincar comigo. Logo assim? 

A pista é junto, juntinho ao mar, onde o sol cai, deixando um céu imenso preenchido por um laranja ardente, cor de chamas, escondendo-se atrás das colinas que limitam a cidade.

Quando dizia que vinha a Lima, todos os conselhos eram para não ficar muito tempo, que não havia muito para conhecer... mas... mas eu vim para devorar Lima. Começo a entrar no meu paraíso. Aqui concentram-se tantos restaurantes incríveis, com o top das minhas preferências gastronómicas. Pelo meio, dei uns passeios, quer dizer, até podia ter dado mais, não fosse o trânsito caótico. Oh Lima, Lima, assim (até) fico sentada entre os 10 pratos que tenho à minha frente sem remorsos de te perder, a alternativa seria estar dentro de um táxi de bancos duros, horas, numa estrada que parece ser, literalmente, onde todos os caminhos vão dar.

Aqui começa a lista de ‘aii tão bom’. Os ceviches, os Piscos (cuidado com eles, ao fim de 3 já nem sei bem onde estou), as empanadas de Ají de Gallina, a comida Criolla, os Anticuchos com Papas Amarillas do Panchita e a ida ao Maido. Maido é o 8° melhor restaurante do Mundo, onde provei a experiência Maido: 11 pratos de uma viagem orgásmica, de comida Nikkei. Será muito difícil esquecer o Sudado, ou o arroz de erizos ou os nigiris de vieira e angus. Já vos tinha dito como sou tão feliz a comer, certo? Vale mesmo a pena - se puderem, por favor, façam esta experiência. Nem me atrevo a encontrar palavras para este momento. A felicidade tem vários significados e, para mim, este foi mais um a entrar na minha lista.

Dois bairros de que gostei muito: Miraflores, onde fiquei hospedada, e Barranco, onde caminhas e vais parando entre botecos e museus. Aqui fica um dos restaurantes que mais queria conhecer, Central. Tentei fazer reserva com 2 meses de antecedência, mas já não consegui. Um lugar muito especial onde te levam a cada lugar do Peru. Este ficará para uma próxima.

Decidi facilitar a minha viagem e fazer todo o trajecto de autocarro. Escolhi a Peru Hop, que oferece conforto, segurança e um plano de viagem que passa por todos os lugares que quero conhecer. Perfeito no meu entender, aconselho a todos. Ao longo de meses a viajar, às vezes é melhor simplificar.

São 5h30 da manhã, hora de deixar Lima rumo a Huacachina. Pelo caminho fico a conhecer Paracas, uma reserva Natural cheia de leões-marinhos e milhares de pássaros. Vê-los tão perto, no seu habitat, é enternecedor. Sou só eu que me apaixono por estes gordinhos de caras fofas, subindo as rochas para uns banhos de sol? Nunca pensei gostar tanto deste lugar.

Chegada a Huacachina, um oásis, no meio do deserto. Chego, agarro na prancha de sandboard, e vou nuns buggys loucos que me fazem saltar até ao tecto e um medo na barriga das descidas a pique entre dunas. Alguém me explique, por favor, que já não tenho 15 anos! Estas dunas são prédios autênticos, e lá vou eu, de prancha nos pés, really? Tralho na certa, e uma dose de areia na boca, para não falar da costela que me vai doer mais uma semana. Mas vale a pena pela adrenalina. Acabo por descer as outras deitadinha na prancha até o pôr-do-sol chegar. Parece que é de brincar. Parece um cenário desenhado na perfeição. De um lado do topo da duna tenho este sol imenso e do outro Huacachina a acender as primeiras luzes. Mais um momento de ‘obrigada’ por mais um lugar único. Agora subo até ao topo da duna e, a ver as estrelas, adormeci.

São horas de estrada, num deserto que nunca tinha visto. Por vezes, criamos imagens daquilo que não conhecemos. Nunca tinha imaginado um Peru assim. Mesmo com o acesso a toda a informação, estar aqui é totalmente diferente. Não acaba mais este labirinto entre a estrada que nos leva e os montes sem fim de nada, nada.

Nazca foi a próxima paragem. Sempre tive curiosidade pelo inexplicável, pelo mistério. Não tinha como não parar neste lugar. As linhas de Nazca, desenhos que foram feitos há mais de 2,500 anos e até hoje continuam a ser o maior mistério da Humanidade. Entro na avioneta pois quero ver de cima, quero perceber um pouco mais. E como é incrível, único. Muitas teorias passam na cabeça quando vês o inexplicável ali mesmo, com formas e tamanhos. Povos milenares fizeram parte deste país, com eles tantas histórias que ficam ainda hoje por revelar. Terão sido eles? Ou algo que transcende o nosso conhecimento? É por isto e muito mais que o Peru é um tesouro escondido.

Arequipa é, para mim, o primeiro momento de confronto com a altitude, por aqui é necessária essa adaptação aos poucos. São condições a que não estamos habituados. Aproveito para caminhar, visitar os museus, mosteiros, conhecer mais uma cidade especial e ver este quadro real. Numa volta de 360° tenho à minha volta montanhas com neve no topo, vulcões, uma igreja linda e um pôr-do-sol que tenta fazer esquecer o frio gelado que a noite traz. Aqui podem visitar o Canhão de Colca, ver de perto o majestoso Condor. Acabei por não ir pois preciso de equilibrar bem este mês e meio que falta, e tudo o que tenho na minha wishlist.

Estou a caminho de Cusco. Parece que há uma ansiedade, um desejo grande de chegar. Na vida tenho alguns momentos que comparo ao pisar um palco, onde o público nos espera e o nervoso miudinho faz aquele momento ser extasiante. É assim que me sinto. De olhos abertos agarrados à janela vejo cada quilómetro transformar-se numa paisagem diferente. A altitude faz-me sentir um pouco a cabeça a latejar. Lá fora, vejo zonas pobres, um confronto entre o nada e povos que tentam muito, ainda hoje, construir e produzir a vida deles. Vejo mulheres no campo, com as suas vestes coloridas, gastas pelo trabalho, com os seus chapéus no topo da cabeça, emoldurando um rosto índio. Gostava tanto de me sentar com elas, entender, conhecer, perceber como é viver aqui, neste vale, onde a neve espreita e as alpacas saltitam entre os riachos junto à estrada louca que me leva ao destino. Mas às vezes acontece-me estar tão perto de um povo, mas não o saber ler, e é por isso que cresce em mim a vontade de me sentar ali mesmo. Todos iguais e todos diferentes, não é assim?

Relato um dia perfeito, ou pelo menos vou tentar: Machu Picchu. Como é que se conta isto? Há um tempo tive a sorte de me “cruzar” com o Hiram Bingham, um comboio com o nome do descobridor de Machu Picchu, e soube que era assim que queria descobrir o meu “um dia quero estar ali”. Iniciámos a viagem com oferendas a Pachamama enquanto locais dançavam para nós. Foram 4 horas de paisagens indescritíveis, onde os vales se transformavam em cumes infinitos, e num instante me apercebi que estava envolta numa energia tão própria deste lugar. Poucos serão os sítios em que sentirei o mesmo. É de outro mundo, de outra era, de outra ligação, é o chamado lugar mágico, no sentido literal.

A subida até ao santuário pausa o teu relógio, o teu tempo, sinto que a partir daqui vivi tudo em câmara lenta. Chegado o momento em que te vês frente a frente com ele, aquele lugar que fazia parte da tua lista de sonhos, ou mais do que isso, aquele lugar em que nada se explica tudo se aprecia. Eu estou aqui! Tentas absorver tudo, para mim que sou actriz adoro imaginar a vida ali, a civilização Inka, os seus hábitos e os seus lugares sagrados. Páro e à minha volta entre as nuvens que percorrem todo o espaço tornando-o ainda mais místico percebo que estou perante um espectáculo distinto. Grata por voltar a casa. Somos feitos de todas as sociedades que fizeram parte deste mundo. Desço incrédula, eu estive ali.

Esta é a parte da minha história, escrita com o coração, mas há o outro lado... o turismo faz parte dos grandes lugares do Mundo, quem me dera ter viajado há 25 anos. Por isso, registem esta dica. Plano perfeito será fazer o Inka Trail ou ir de comboio (o meu, Belmond Hiram Bingham ou tens outras soluções) e ficar em Aguas Calientes. Têm muita oferta de hospedagem para pernoitar e subir no primeiro transporte, às 05h30. Chegam ao Santuário às 6h, quase sozinhos e com aquele silêncio que tanto desejei.

Regresso ao tempo real nos carris de Belmond Hiram Bingham, fechando o dia perfeito na melhor cama onde já dormi nesta viagem. Não me julguem, a cama perfeita merece destaque ao fim de 1 mês e meio a viajar.

Decidi terminar este diário enquanto estou a deixar o Peru, quis viver estes últimos dias sem escrever, só absorver. Daqui a 1 hora irei passar a fronteira. Assim é como se eu própria matasse saudades do que vivi.

Depois de uns dias passados no Rio Sagrado, onde a energia de Machu Picchu ainda se sente, onde alimentei Alpacas e onde apreciei cada ponto de vista deste lugar, fui até Cusco. Pelo caminho as montanhas surgem densas, povos que me impressionam pela pobreza, pequenas construções de tijolos a perder de vista ao longo destes quilómetros. Cusco, aquela cidade que queria mesmo conhecer. Chego de noite e é como se fosse um campo de luzinhas a iluminarem estas estreitas ruelas. Um encanto. Preciso urgentemente de descansar. Gerir a altitude está a ser um trabalho árduo para mim. A falta de oxigénio deixa-me mesmo cansada. Mais uma noite de mimos, sabia que nesta altura ia ser importante para mim, fiquei no Belmond Nazarenas mesmo junto à Plaza de Armas.

No dia seguinte, decido ter uma aula de culinária, quero muito levar estes sabores até Portugal. Depois fui conhecer Sacsayhuaman, uma fortaleza Inca. Fico de facto impressionada com a capacidade de construção, a perfeição do encaixe das pedras, o transporte até ali de pedras com 140 toneladas, é incrível. Depois chega a altura de te confrontares com a história e Cusco está repleta dela. Com a invasão Espanhola foram destruídos todos os lugares Inka e decepado um povo, construindo posteriormente (e em muitos casos mesmo por cima) os monumentos que hoje se vêem por aqui. Daí Cusco ser um lugar cheio de energia, com tantas histórias por revelar ou por descobrir. Quem me conhece de perto sabe que busco por uma energia superior, procuro um respeito interior baseado em muita coisa que eu vivo e no que posso beber de outras culturas. Cusco seria um lugar muito especial para mim.

Por aqui também fui conhecer Vinicunca, ou mais conhecida por Montanha das Cores. Uma viagem de 2 horas de carro, na estrada mais surreal por onde já passei, até chegar ao início da caminhada. Depois de ter feito tudo, sentada na beira de um desfiladeiro, respiro fundo o ar da vitória. Caminhei 12 quilómetros a 5.000 metros de altitude. Foram possivelmente os 12 quilómetros mais ricos da minha vida. Natureza arrebatadora, cavalos, alpacas, população com vestes que nunca irei esquecer, tudo junto dá magia à vida que aqui parou em forma de cenário perfeito. Esta foi a prova de que a mente supera a incapacidade do corpo que me dizia já não conseguir mais. Não era possível respirar, a cabeça doía, as paragens de 3 em 3 minutos como se já fosse velhinha. Mas tudo à volta compensa, é arrebatador. Não podem mesmo perder e, no fim, sentados talvez até no mesmo sítio que eu, vão perceber como tudo é único e não podes perder nada deste mundo impressionante. É isto que ganhamos quando viajamos.

Uma dica de restaurante em Cusco: Cicciolina. Dezenas de tapas onde consegues provar a diversidade da gastronomia peruana.

De volta ao caminho que me leva ao fim do Peru, pois os dias por aqui estão a acabar.

Puno não me acrescentou nada, aconselho a saltares esta parte e descobrires outro lugar onde eu não fui.

Vinha com uma ideia do Peru pré-construída na minha cabeça, até pode ter sido erro meu, mas não foi bem o que encontrei. Eu apaixono-me pelos países através das pessoas que fazem parte deles, e aqui senti que me foi difícil chegar ao verdadeiro Peru. Parece que por diversas razões, ou por falta de condições de vida ou por excessiva procura turística, as pessoas vestem uma pele diferente para te agradar. Acredito que até gostavam de partilhar o seu lado verdadeiro mas são “envergonhadas”, nem sei bem se esta será a definição correcta, porque não quero nem consigo julgar um povo, seja ele qual for. Parece que lhes disseram que têm de organizar tudo para nos prestar auxílio total, pois diversas vezes senti que só conseguia conhecer alguns lugares em tours, com dezenas de pessoas. E eu que só queria observar e absorver. Talvez precisasse de mais tempo aqui, para ir para lá do que os olhos vêem. Terá o Peru perdido a personalidade que teria antes de ser inundado pelo turismo em massa? Mas o essencial está lá.

Monumentos e beleza natural sem paralelo, história milenar, e uma energia que não se explica. Vou mais rica, vou. Muito. Para mim foi um prazer enorme “go back to the basics”, voltar ao essencial da vida e apaixonar-me por um país com anos e anos de conhecimento que até hoje guarda como o seu tesouro mais precioso. Vou embora com tantas imagens na minha memória e momentos no meu coração. E falta partilhar um segredo: sei que um dia vou voltar.

KISSES FROM HAPPYPRATA

[Acompanhe as viagens de Sara Prata aqui no Vogue.pt]

*O texto reflete ipsis verbis as entradas de Sara Prata no diário ao longo da viagem e a atriz escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

Sara Prata By Sara Prata

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