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Tendências 30. 3. 2020

Poderá a crise do coronavírus mudar o cinema para sempre?

by Radhika Seth

 

Com o despertar da pandemia do Covid-19, as salas de cinema fecharam, as estreias foram adiadas, os festivais foram cancelados e as produções pararam. Como é que a indústria vai recuperar desta crise? E quando sair dela, será totalmente diferente? 

©Maria Svarbova, Human Space

No dia 19 de março, o Festival de Cinema de Cannes anunciou que a mostra de cinema anual, que deveria acontecer entre os dias 12 e 23 de maio, não iria acontecer devido à pandemia do novo coronavírus. “Estamos a considerar diversas opções para garantir que o festival acontece”, declararam os organizadores em comunicado. “A principal [opção] será um simples adiamento.” Para a indústria global do cinema – são 40,000 os que comparecem a cada ano para comprar, vender e relatar as estreias –, não havia nada de simples na decisão. 

No decorrer da sua ilustre história, Cannes só caiu devido à revolução ou à guerra. Em 1968, o festival foi encurtado devido às greves nacionais que levaram a economia francesa a parar gradualmente. Antes disso, a primeira edição de Cannes foi interrompida pela da Segunda Guerra Mundial. No dia seguinte à gala de abertura de 1939, na qual foi apresentado The Hunchback of Notre Dame, as tropas alemãs invadiram a Polónia. O festival só viria a ser relançado em 1946. 

Em todas as suas frentes, a rápida propagação do Covid-19 está a ser comparada a uma guerra. Atualmente, existem mais de 723 mil casos em todo o mundo, um número de mortos que supera os 34 mil e um total de 25 milhões de empregos em risco. Para a indústria do cinema, a crise representa uma perda de 7 mil milhões de dólares nos lucros de bilheteira – e é esperado que o número suba para 17 mil milhões até ao final de maio. Nos Estados Unidos da América, a International Alliance of Theatrical Stage Employees (IATSE) reportou que 120 mil empregados foram despedidos em Hollywood devido ao encerramento. O impacto imediato tem sido catastrófico, mas as preocupações estão a crescer no que diz respeito ao futuro do cinema. À medida que o distanciamento social e o isolamento se transformam na nova norma, poderá uma indústria baseada na experiência comunal sobreviver?  

Salas de cinema fechadas 

Em janeiro, poucas semanas depois dos primeiros casos do novo coronavírus serem reportados na cidade de Wuhan, na China, as salas de cinema da região começaram a fechar as suas portas. O timing foi particularmente devastador, sendo que tudo aconteceu na véspera do Ano Novo Chinês, que normalmente representa uma das semanas mais lucrativas para as salas de cinema em todo o mundo. Em 2019, o mesmo período de 20 dias representou uma receita de 1,5 mil milhões de dólares; este ano, o lucro equivaleu a apenas 3,9 milhões de dólares. Pouco tempo depois, as 70 mil salas de cinema na China fecharam, e à medida que o vírus se foi espalhando em todo o mundo, os cinemas italianos, espanhóis e árabes seguiram o mesmo caminho. Em países como França, Reino Unido e Irlanda foram feitos esforços para reforçar o distanciamento social nos cinemas, através da separação de lugares e da redução da capacidade das salas, mas as medidas impostas duraram pouco tempo. Quando os governos locais ordenaram o encerramento das salas de cinema, muitas delas já o tinham feito devido à falta de procura. Sobrecarregadas pelo pagamento das rendas, alguns cinemas independentes podem não conseguir voltar a abrir as suas portas. 

Estreias adiadas 

Em resposta à situação atual, as grandes estreias foram rapidamente adiadas. O vigésimo quinto filme de James Bond, batizado pela MGM com o título um tanto infeliz de No Time to Die, foi retardado de abril para novembro. Outras estreias como A Quiet Place II da Paramout, Mulan da Disney, Black Widow da Marvel e Wonder Woman 1984 da DC também foram adiadas. À medida que lutam por posições nobres no outono, os filmes independentes já começaram a explorar outras opções. Recentemente, a Universal transformou-se no primeiro estúdio de cinema tradicional a quebrar a janela de exclusividade das salas de cinema, disponibilizando três das suas estreias – EmmaThe Invisible Man e The Hunt – para visualização imediata em casa, ao invés dos habituais 90 dias depois. A decisão indignou os donos das salas de cinema, que têm lutado para impedir as plataformas de streaming de fazerem o mesmo, mas outros estúdios seguiram o mesmo caminho, incluindo a Pixar com Onward e a Warner Brothers com Birds of Prey. Assim que esta crise terminar, estrear filmes simultaneamente nas salas de cinema e on demand pode transformar-se numa prática comum. 

Celebridades em isolamento 

Enquanto a indústria analisa as suas feridas, algumas das suas figuras mais proeminentes provam ser igualmente vulneráveis. No dia 12 de março, Tom Hanks e Rita Wilson anunciaram que tinham testado positivo para o Covid-19. Desde então, muitos outros atores e atrizes falaram publicamente sobre o seu diagnóstico, numa lista que inclui nomes como Idris Elba, Olga Kurylenko, Daniel Dae Kim e Kristofer Hivju. O mais surpreendente? A notícia de que Harvey Weinstein, o ex-produtor de cinema e culpado de ato sexual criminoso em primeiro grau e de violação em terceiro grau, testou positivo na prisão. Um plot twist inesperado numa saga prolífica que tem dominado as manchetes de Hollywood nos últimos dois anos. 


Festivais em perigo 

A ansiedade também é comum entre aqueles que lutam para produzir e distribuir os seus projetos. O primeiro grande golpe para os realizadores independentes chegou com o cancelamento do SXSW, que deveria ter acontecido em Austin, Texas, de 13 a 22 de março. Atordoados com o impacto financeiro, os organizadores do festival viram-se obrigados a despedir um terço do seu staff. Estima-se que a economia local tenha perdido 350 milhões de dólares, e que aqueles que trabalham em função do festival – dos serviços de catering à segurança – também foram prejudicados a nível financeiro. O cancelamento criou um efeito dominó: uma semana depois, o Tribeca Film Festival foi adiado e, na semana seguinte, a situação repetiu-se com Cannes. Mesmo que sejam remarcados para o outono, e tendo em conta que terão que lutar por uma posição ao lado de Veneza, Telluride e Toronto, alguns festivais de cinema mais pequenos podem vir a desaparecer do mapa por completo. 

Produções paradas 

É possível que a situação seja ainda pior para aqueles que estavam em plena produção. Até à data, a pandemia obrigou 34 filmes e 144 séries televisivas a suspenderem as suas produções. O primeiro inclui títulos como The Little Mermaid, o novo live-action da Disney, The Matrix 4Jurassic World: Dominion, o The Batman de Robert Pattinson, e o The Prom de Ryan Murphy, com Nicole Kidman e Meryl Streep no elenco. O último inclui um pouco de tudo, desde The Handmaid’s Tale e Euphoria Stranger Things e Russian Doll. Os custos de fazer uma pausa na produção e manter a equipa podem ser astronómicos (mais de 350 mil dólares por dia para a Disney, segundo o The Hollywood Reporter), e o verdadeiro impacto do shutdown pode não ser sentido durante meses. Uma lacuna na programação, tanto no pequeno como no grande ecrã, parece estar no horizonte. 


A realizadora, atriz e poeta Greta Bellamacina considera-se sortuda por ter terminado a produção da comédia britânica Venice at Dawn no início de março, semanas antes de Londres ficam em lockdown. “Tínhamos terminado a fotografia principal, e pensámos que o filme já estava pronto, mas na semana seguinte, parte do nosso financiamento colapsou devido ao pânico financeiro”, diz. “Até conseguirmos financiamento outra vez, estamos a pagar algumas contas da produção com os nossos próprios fundos.” Bellamacina acredita que muitos outros realizadores, em todo o mundo, têm histórias semelhantes a esta. “O meu agente tem projetos que demoraram anos a serem desenvolvidos, para agora estarem interrompidos por termo indeterminado”, acrescenta. “Vai ser um ano de crise para todos e alguns de nós não terão qualquer tipo de rendimento nos próximos seis meses.” 

O cinema pós-crise 

Apesar de tudo, Bellamacina acredita que existem oportunidades neste novo clima, especialmente numa altura em que as pessoas consomem mais conteúdos em casa. “O cenário já era difícil para os filmes indie, e as pessoas que os fazem são adaptáveis”, continua. “Tendo em conta que os investimentos e os riscos são menores, podemos ver mais apoio para filmes mais pequenos. E novas formas de fazer cinema.” A indústria certamente seguiu esta ideia, encontrando formas inovadoras de ultrapassar os constrangimentos atuais. Apesar dos sets estarem fechados, os guionistas continuam a encontrar-se no Zoom; a Casting Society of America e a SAG-AFTRA (Screen Actors Guild – American Federation of Television and Radio Artists) estão a promover castings virtuais e remotos; e os festivais estão empenhados em promover sessões e vendas online

“Devíamos estar focados em encontrar soluções inovadoras para manter o funcionamento da indústria”, concorda Philip Knatchbull, CEO da cadeia de cinema britânica Curzon, que tem redirecionado os consumidores para o site do Curzon Home Cinema enquanto as salas estão fechadas. “Estamos a oferecer a plataforma a outros distribuidores, para que possam estrear os filmes que estavam programados para esta altura”, explica. “Também estamos a trabalhar numa série de eventos online, sendo que o primeiro será um Q&A ao vivo com Nora Fingscheidt, realizadora do System Crasher.”

Agora que o estigma do streaming está a desaparecer e que ficar em casa é o novo sair de casa, será que vamos sentir falta da experiência do grande ecrã quando esta crise chegar ao fim? Parte da resposta está na China, onde o surto parece estar a enfraquecer e os cinemas a reabrir. No dia 20 de março, 486 salas de cinema estavam abertas, mas as receitas nacionais foram menos de 2 mil dólares. Nas regiões costeiras de Fujian e Guangdong, nem um bilhete de cinema foi vendido. Depois de meses em quarentena, o público pode precisar de mais tempo para recuperar a confiança de voltar a uma sala de cinema, mas também é possível que a pandemia empurre a indústria do cinema para um futuro mais digital – acelerando uma transição que tem estado em curso na última década. Claro que o cinema irá sobreviver, mas de que forma? Neste momento, nenhum de nós tem a resposta.   

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