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Desperdício Zero: Ana Milhazes | Ana, Go Slowly

17 Oct 2019
By Ana Milhazes

O blogue Ana, Go Slowly nasceu em 2012 e com ele surgia um dos principais rostos do desperdício zero em Portugal.

O blogue Ana, Go Slowly nasceu em 2012 e com ele surgia um dos principais rostos do desperdício zero em Portugal.

Ana Milhazes
Ana Milhazes

O blogue Ana, Go Slowly nasceu em 2012 e com ele surgia um dos principais rostos do desperdício zero em Portugal. Milhazes, que vive no Porto, é, além da fundadora da plataforma, professora de ioga e meditação e embaixadora do movimento Lixo Zero Portugal. Neste testemunho que assina para a Vogue, partilha não só a adoção do zero waste lifestyle, mas também a necessidade de abrandar. “Acho que excedi o tamanho de texto que me pediram”, confessou-nos. A paixão pelo que faz tem destas coisas, Ana.

"Resolvi adotar um estilo de vida zero waste a partir do momento em que olhei para o meu caixote do lixo com olhos de ver. Estávamos no início de 2016. Sempre fui bastante preocupada com o ambiente, mas focava-me apenas na separação do lixo. De alguma forma, achava que a reciclagem e o facto de ter uma alimentação vegetariana eram suficientes para reduzir a minha pegada ecológica. Depois deste episódio, comecei a pesquisar informação sobre como poderia reduzir o lixo que produzia e encontrei o blogue da Bea Johnson, Zero Waste Home. A Bea tinha um livro com o mesmo nome, que foi traduzido para português mais tarde. Na altura, adquiri o e-book (em inglês) e comecei de imediato a colocar tudo em prática. Percebi que, afinal, tinha já muitas outras atitudes que eram sustentáveis e que esta minha caminhada em direção ao desperdício zero tinha começado há alguns anos.

"Sempre fui bastante preocupada com o ambiente, mas focava-me apenas na separação do lixo. De alguma forma, achava que a reciclagem e o facto de ter uma alimentação vegetariana eram suficientes para reduzir a minha pegada ecológica."

Com 25 anos, supostamente, tinha alcançado tudo o que queria ou aquilo que achava que queria, tendo em conta a educação que tive: um ótimo emprego numa grande empresa em Portugal (onde adorava os meus colegas de trabalho), uma relação estável e um apartamento perto da praia. Foram precisos mais dois anos para perceber que não me sentia feliz, parecia que faltava alguma coisa... Queria descobrir uma vida com mais sentido e isso só seria possível se tivesse mais tempo livre. Na altura, achei que seria falta de organização e comecei a ler sobre o assunto. Até que acabei por encontrar um blogue americano sobre minimalismo, do qual já não me lembro do nome. Encontrei uma frase que fez todo o sentido para mim, naquele momento em que estava prestes a comprar imenso material de organização (caixas, prateleiras...): ‘Não faz sentido comprar coisas para organizar coisas que não usamos, aquilo que faz sentido é livrarmo-nos dessas coisas que não usamos’. Imediatamente rasguei a lista de compras e decidi livrar-me de tudo o que estava a mais. Como tinha já na altura bastantes preocupações ambientais, tentei ver junto de amigos, familiares e instituições que realmente precisassem ou quisessem a roupa e sapatos que eu tinha a mais...

Senti uma leveza enorme e desocupei a parte superior de quatro armários. Esse foi o ponto de partida para ‘destralhar’ o resto da minha casa e também para aprender um pouco mais sobre o que era este estilo de vida chamado minimalismo. Muito resumidamente, o minimalismo consiste em identificarmos aquilo que é essencial e eliminar tudo o resto. O essencial irá variar de pessoa para pessoa. Fui percorrendo toda a minha casa, de divisão em divisão, percebendo o que era essencial, ou seja, aquilo que efetivamente era utilizado. O mais curioso neste processo é que rapidamente passei da tralha física para a tralha mental. Afastei-me de pessoas com quem eu já não me identificava, deixei de ir a compromissos que não faziam sentido na minha vida e passei a recusar tudo aquilo que não era necessário. Comecei a recusar todas as amostras e brindes que me eram oferecidos, avisei que não queria ter mais prendas de aniversário nem no Natal e passei a comprar roupa e sapatos apenas quando precisava. Este último passo fez uma enorme diferença na minha vida, pois era totalmente viciada em compras.

"Acima de tudo, ganhei tempo e qualidade de vida e, mais tarde, percebi ainda que estava a contribuir imenso para um planeta mais sustentável."

Este caminho em direção a uma vida mais simples levou-me a criar o blogue Ana, Go Slowly, pois senti necessidade de partilhar tudo aquilo que estava a viver e que me estava a fazer tão bem. Acima de tudo, ganhei tempo e qualidade de vida e, mais tarde, percebi ainda que estava a contribuir imenso para um planeta mais sustentável, na medida em que consumia muito menos recursos do que antes. À medida que fui lendo o livro da Bea Johnson, fui também pesquisando mais informações sobre o impacto do ser humano no planeta. Percebi que precisava de facto de fazer muito mais. Então, mergulhei de cabeça e mudei radicalmente. Por radicalmente, não se entenda que substituí tudo o que usava por versões mais sustentáveis, quando aquilo que eu tinha ainda estava em perfeitas condições. Fiz uma lista de tudo o que utilizava e de tudo o que precisava de ser substituído. Assim, da próxima vez que algo acabasse, já sabia o que tinha de comprar. Acredito mesmo que é importante planear. Ora, se acabar o meu champô e eu não tiver pesquisado informação sobre que tipo de produto devo comprar e onde o posso encontrar, é quase certo que irei parar no supermercado mais próximo.

Como já tinha e usava pouca coisa, em poucos meses deixei de ter caixote do lixo indiferenciado e cheguei quase ao desperdício zero. Neste percurso, percebi que havia pouca informação sobre este estilo de vida em Portugal, por isso, resolvi começar a escrever sobre o assunto no meu blogue e criar o grupo de Facebook Lixo Zero Portugal. O grande objetivo do grupo era perceber se havia pessoas que tivessem este estilo de vida e ajudar quem queria começar, partilhando experiências entre todos. Na mesma altura, entrei em contacto com várias lojas para perceber que tipo de produtos disponibilizavam a granel. Foi sem dúvida nesta área (produtos alimentares) e na área da higiene pessoal que tive mais dificuldade em encontrar produtos sem embalagem.

"Considero que os maiores desafios [ao desperdício zero] acontecem quando estamos fora de casa, em viagem, em férias, em casa de outras pessoas..."

A informação recolhida das lojas acabou por dar origem ao site www.agranel.pt que foi desenvolvido pela Catherine, que é membro do grupo Lixo Zero Portugal. Este site contém todas as lojas a granel no nosso país e permite ainda a qualquer pessoa adicionar novas lojas. Passei, portanto, a levar os meus sacos de pano e frascos de vidro, sempre que precisava de fazer compras. Acho que a grande diferença em relação às compras convencionais é que temos de planear a ida às compras. Ajuda ter um kit com sacos e frascos à porta de casa ou no carro. Assim não há desculpas. Podemos começar pelas compras, pois é algo que fazemos com bastante frequência. Cada pessoa saberá por onde começar, há pessoas que gostam de começar pelo mais fácil para não desmotivarem e outras preferem exatamente o contrário, começar pelo mais desafiante, precisamente para também não desanimarem. Eu comecei por aquilo que havia em maior quantidade nos meus caixotes do lixo: as embalagens alimentares de plástico e o lixo orgânico. Em relação aos produtos alimentares, passei a comprar a granel e quanto ao lixo orgânico falei com a Húmus, agricultura biológica, a quem há já alguns anos compro um cabaz semanal de frutas e legumes biológicos e perguntei-lhes se eles faziam compostagem e se eu poderia levar os meus resíduos orgânicos. Eles responderam que sim! Apenas com estas duas mudanças diria que consegui reduzir o meu lixo em cerca de 70%. A partir daqui fui tentando reduzir ou eliminar tudo aquilo que se encontrava no meu lixo habitualmente.

Considero que os maiores desafios acontecem quando estamos fora de casa, em viagem, em férias, em casa de outras pessoas... Quando não estamos no nosso ambiente não controlamos o que nos irá aparecer à frente e interagimos com pessoas que não conhecem os nossos hábitos. Diria também aqui que o melhor é planear! Há coisas que vão sempre comigo quando saio de casa, como a garrafa de água reutilizável e o meu kit de talheres. Em saídas maiores, levo snacks e frutos secos em frascos de vidro e sandes embrulhadas em tecido. Levo sempre alguns sacos de tecido e uns de rede (mais leves) para poder ir às compras. Aos poucos, vamo-nos habituando e percebendo o que precisamos. Não nos podemos esquecer que o plástico (sobretudo o descartável) só apareceu na nossa vida há muito pouco tempo.... E antes disso toda a gente vivia bem na mesma. Então não será muito difícil voltar a adotar esses velhos hábitos. Penso que a grande diferença é mesmo começarmos a ter a palavra ‘não’ na ponta da língua, em vez de simplesmente aceitarmos tudo o que nos oferecem. Enquanto consumidores temos um papel muito importante. Podemos e devemos dar a nossa opinião, sugerir ou mostrar que queremos que algo seja diferente. É certo que ninguém consegue ficar indiferente a esta atitude e portanto colegas, amigos e familiares poderão começar a perguntar o motivo desta mudança e destes comportamentos. Normalmente quando recuso algo, explico por que razão o estou a fazer e nunca imponho nada aos outros. Apenas recuso aquilo que me diz respeito. O que acaba por acontecer quase sempre é que os outros se sentem tentados a fazer o mesmo, sem eu dizer absolutamente nenhuma palavra! Ao respeitarmos o comportamento do outro, receberemos o mesmo respeito, ou seja, ninguém tentará mudar o nosso comportamento.

"Enquanto consumidores temos um papel muito importante. Podemos e devemos dar a nossa opinião, sugerir ou mostrar que queremos que algo seja diferente."

Claro que não há vidas perfeitas e por vezes podem surgir situações de alguma tensão, mas posso dizer que essas situações são praticamente raras e conto já com alguns anos a viver de certo modo em contra-corrente. Vivemos numa sociedade de consumo em que tudo parece ser uma necessidade. Deixamos de conseguir distinguir o que é essencial daquilo que é acessório. E o facto de trabalharmos muitas horas e de muitas vezes não termos a vida que desejaríamos leva-nos a preencher esse vazio com compras. Para além disso, há infelizmente muitos maus comportamentos, como atirar lixo para o chão (caso das beatas) e ainda há muita gente que nem sequer faz a separação do lixo. Sabemos que a mudança leva tempo mas acredito seriamente que estamos no bom caminho, não só pela mudança de comportamentos da população em geral como também pelas mudanças de algumas grandes empresas. São também cada vez mais as pessoas que vão aparecendo nos meus workshops e palestras. Considero que as notícias que têm sido publicadas sobre a grande quantidade de plástico nos oceanos e também o facto de o ser humano já estar a ingerir plástico têm contribuído muito para isso. Sei que deveríamos todos mudar já ontem, mas acredito seriamente que a grande mudança está nos pequenos passos de cada um, pois é isso que nos permite ter um comportamento consistente e solidificar a mudança. Então o que vai mudar já hoje?”

*Há mais testemunhos despertdício zero: da Lauren Singer (Trash is for Tossers), da Eunice Maia (Maria Granel) e da Bea Johnson (Zero Waste Home).

Ana Milhazes By Ana Milhazes

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