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Escrito nas estrelas

28 Dec 2018
By Mónica Bozinoski

As superstições são como aquele par de sapatos que andamos a namorar. Sabemos que não precisamos deles, e não conseguimos explicar, de forma lógica ou racional, o porquê de os querermos tanto. Mas o sentimento existe, e está em todo o lado – seja na Casa Branca, nos camarins de Hollywood, na indústria da Moda ou nas missões da NASA.

As superstições são como aquele par de sapatos que andamos a namorar. Sabemos que não precisamos deles, e não conseguimos explicar, de forma lógica ou racional, o porquê de os querermos tanto. Mas o sentimento existe, e está em todo o lado – seja na Casa Branca, nos camarins de Hollywood, na indústria da Moda ou nas missões da NASA.

Fotografia de Pedro Ferreira. Realização de Ana Caracol e Pedro Barbosa
Fotografia de Pedro Ferreira. Realização de Ana Caracol e Pedro Barbosa

Maio, 1988. Donald Regan, um dos antigos braços‑direitos de Ronald Reagan durante os seus dois mandatos como Presidente dos Estados Unidos da América, lança um livro de memórias intitulado For The Record, e revela aquilo que o próprio considerava ser “o segredo doméstico mais bem guardado da Casa Branca de Reagan”. O feliz acaso de ter tropeçado neste pedaço de História, enquanto vagueava pelas superstições de nomes como Victoria Beckham ou Kim Kardashian West – que entra sempre no avião com o pé direito para dar sorte, uma prática partilhada pela atriz Jennifer Aniston –, ao mesmo tempo que tentava perceber o porquê dos gatos pretos e do número 13, particularmente associado a uma sexta-feira, serem símbolos de azar eminente, aguçou-me o apetite. Abri a enciclopédia do século XXI, marquei algumas páginas e comecei a folhear. 

“De uma forma geral, todas as estratégias e decisões importantes tomadas pelos Reagens, durante o meu tempo enquanto Chefe de Gabinete da Casa Branca, eram previamente confirmadas com uma mulher de São Francisco, que traçava os horóscopos para garantir que o alinhamento dos planetas favorecia a organização”, podia ler-se num pedaço de texto retirado de For The Record. Voltei a ler o pequeno parágrafo. Mulher de São Francisco? Horóscopos? Planetas alinhados? As questões que esta declaração levantava não devem ser confundidas com um ato de ceticismo, mas antes interpretadas como reações de surpresa genuína. Trinta anos depois deste livro de memórias ter sido lançado, e tal como na altura da sua publicação, não foi difícil encontrar o nome Joan Quigley – a “astróloga que controla a Casa Branca”, um título que o New York Post atribuiu à “mulher de São Francisco”. 

Numa época em que os conselhos de Susan Miller ainda não tinham chegado a Washington, as aventuras astrológicas de Reagan transformaram-se num alvo de chacota nacional. Absorvida num sentimento de vergonha e humilhação, a primeira-dama Nancy Reagan respondeu ao sucedido com My Turn, o seu livro de memórias publicado em 1989 – e um capítulo inteiramente dedicado à astrologia, no qual explicava as suas motivações. A primeira era o facto de temer pela vida do marido. A segunda era a Maldição de Tecumseh: desde 1840, e a cada 20 anos, todos os presidentes eleitos ou reeleitos em anos que terminassem com um zero morreriam ou seriam assassinados no cargo. Surpresa surpresa, o primeiro mandato de Reagan começou em 1980. 

"Pablo Picasso não deitava fora nada que lhe pertencesse – incluindo roupa antiga, pedaços de cabelo e frações de unhas que cortava."

“Outra razão pela qual acreditava na astrologia derivou do facto de ter passado a maior parte da minha vida na companhia de figuras do show business, onde as superstições e outras crenças não científicas são comuns e aceites”, escreveu a então primeira-dama em My Turn. “Talvez seja porque a indústria do espetáculo é tão imprevisível e impenetrável à lógica. A começar pela minha mãe, que era atriz, praticamente todos os artistas que conheci eram supersticiosos. Por exemplo: nunca assobies no camarim, dá azar. Nunca atires o teu chapéu para a cama. E nunca guardes os sapatos numa prateleira mais alta que a tua cabeça.” Nancy não falava destas superstições por mero acaso – e tinha uma lista considerável de exemplos que comprovavam a sua teoria. 

Audrey Hepburn tinha um fascínio com o número 55, e considerava-o um símbolo de sorte. A atriz ficou conhecida por exigir que o seu camarim fosse sempre o número 55 – uma superstição que ganhou durante as gravações de Breakfast at Tiffany’s e Férias em Roma, a longa-metragem que lhe valeu o seu primeiro e único Óscar como Melhor Atriz, em 1954. Para o realizador Alfred Hitchcock, aquilo que começou como um recurso à falta de extras nos seus filmes acabou por se transformar numa das suas mais conhecidas superstições. O Mestre do Suspense, responsável por títulos como Psico ou Os Pássaros, desenvolveu uma crença de que se não aparecesse nos seus próprios filmes, estes seriam um desastre de bilheteira.  

"Salvador Dalí carregava sempre consigo um pequeno pedaço de madeira."

As crenças supersticiosas não acabam na sétima arte. Pablo Picasso não deitava fora nada que lhe pertencesse – incluindo roupa antiga, pedaços de cabelo e frações de unhas que cortava –, uma superstição que derivava do medo de perder alguma parte da sua “essência”. Salvador Dalí, que se considerava uma pessoa verdadeiramente supersticiosa, carregava sempre consigo um pequeno pedaço de madeira para afastar os espíritos malignos. A autora e poetisa Maya Angelou, por sua vez, seguia um ritual místico rigoroso. Às 6h da manhã, dirigia-se a um pequeno quarto de hotel, onde escrevia até às duas da tarde. Levava sempre consigo um bloco de notas amarelo, um dicionário, um baralho de cartas, uma garrafa de Sherry, o glossário Roget’s Thesaurus e a Bíblia, e pedia ao hotel que removesse tudo o que estivesse pendurado nas paredes do quarto. Charles Dickens, por outro lado, dormia sempre virado para norte – um ritual que, na crença do autor, melhorava a criatividade e a escrita. 

A indústria da Moda também é casa de diversas superstições. Durante a Segunda Guerra Mundial, o pai de Diane von Fürstenberg escondeu uma pequena moeda de ouro nos seus sapatos, um amuleto que a criadora herdou em criança. Antes de qualquer desfile, Fürstenberg colava a moeda nos seus próprios sapatos, para lhe dar sorte. Para Heidi Klum, a sorte existe no formato de uma pequena bolsa, onde guarda os seus próprios dentes de criança. Victoria Beckham nunca sai de casa sem os seus cristais e Tory Burch viaja sempre com um laço vermelho – um símbolo de sorte, passado de geração em geração, desde o tempo da sua bisavó.  

A superstição mais surpreendente de todas, contudo, não está ligada ao mundo do espetáculo ou às Artes, mas sim à ciência – o último lugar onde esperaríamos encontrar este sentimento de misticidade. Em 1964, durante a missão do Ranger 7 da NASA, o engenheiro Dick Wallace levou um jarro de amendoins e passou-os pela sala, para aliviar a tensão dos engenheiros e cientistas antes do lançamento. Depois de seis tentativas falhadas, a missão do Ranger 7 foi um sucesso, e deu origem à superstição da NASA com amendoins, um must-have da estação espacial antes de qualquer lançamento. Depois de uma nave ter ficado perdida no espaço por falta de amendoins, a crença tornou-se ainda mais forte – e chegou a atrasar uma missão durante 40 dias, até que os pequenos amuletos da sorte chegassem. 

Fechei o livro Recipes for Good Luck de Ellen Weinstein e parei por alguns momentos. Não me considero uma pessoa particularmente supersticiosa, mas comecei a pensar nas pequenas coisas em que acreditava – até porque a arte de divagar é a consequeência principal do bloqueio criativo. A primeira foi herdada da minha avó paterna: não se assobia à noite. Se o fizermos, estamos a chamar os maus espíritos. A segunda foi herdada da minha avó materna: um frasco de Chanel Nº 19. Apesar de não acreditar no infortúnio do 13, comecei a acreditar na fortuna do 19. Curiosamente, Gabrielle Chanel nasceu no dia 19 de agosto. Curiosamente, esta fragrância, a última criada e usada pela própria, era uma homenagem ao seu dia de aniversário. Curiosamente, nasci no dia 19 de maio. Curiosamente, o quinto mês do ano era carregado de simbolismo para Coco, e o aroma Chanel Nº 19 acabou por se transformar numa espécie de amuleto da sorte pessoal.  

A terceira e última, apesar de ter sido a primeira de que tenho memória, foi a mais passageira de todas. Na adolescência, comecei a sentir-me fascinada por pedras, como a turquesa ou o quartzo rosa. Tinha algumas sempre comigo. Antes de algum momento importante, ou de alguém da minha família viajar de avião, agarrava-as na mão e mexia nelas, para dar sorte e proteção. Com o passar do tempo, fui perdendo este pequeno ritual. Mas, como o físico dinamarquês e vencedor do Prémio Nobel, Niels Bohr, que mantinha uma ferradura pendurada na porta do seu laboratório – apesar de ter declarado que não acreditava em superstições ou amuletos da sorte –, ainda as tenho guardadas numa gaveta. Só para o caso de. 

Mónica Bozinoski By Mónica Bozinoski

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