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Tendências 11. 6. 2020

Hello from the other side

by Mónica Bozinoski

 

Nos dias que correm, a arte de socializar não podia ser mais diferente do brunch semanal de Sex and the City, dos encontros diários (regados a café, discussão e gargalhadas) de Friends ou dos jantares caóticos de Girls. Em pleno distanciamento social, como é que mantemos vivo o sentimento de união?

©Getty Images

Os restaurantes estão fechados, os bares estão trancados e as esplanadas estão encerradas. O cinema não tem espectadores, o teatro não tem plateia e a noite de jazz não tem palmas calorosas. As mensagens deixaram de ser encontros no sítio do costume, os telefonemas deixaram de ser convites para um jantar lá em casa e as notificações deixaram de nos avisar que o Uber está à nossa espera. A Netflix parece não ter fim à vista, o Instagram assemelha-se a um poço sem fundo e o Tinder só nos leva até certo ponto – e esse ponto não é assim tão longe. Na verdade, não é longe de todo. Podíamos go on and on sobre todas as formas como as normas de distanciamento social – o ato físico de mantermos uma distância de pelo menos dois metros relativamente a outras pessoas, de não nos reunirmos em grupos e de evitarmos as praticamente extintas multidões – vieram mudar por completo o modo como nos relacionamos com familiares, amigos, colegas e desconhecidos, mas imaginamos que este episódio de Black Mirror (perdão, esta nossa nova realidade) não precisa de grandes introduções.

Afinal de contas, muitos de nós estão a viver há mais de um mês neste guião escrito por Quentin Tarantino (quando o realizador disse que o seu décimo filme poderia ser de terror, não era bem isto que tínhamos em mente), e há quem acredite que a história está longe de acabar – de acordo com um estudo conduzido por um grupo de investigadores da Harvard T.H. Chan School of Public Health, publicado na revista científica Science a 14 de abril, um único esforço de distanciamento social não será suficiente para controlar a pandemia e os picos secundários do vírus podem ser mais acentuados se não forem impostas restrições contínuas. “O distanciamento intermitente pode ser necessário até 2022, a menos que a capacidade dos cuidados intensivos seja substancialmente aumentada ou um tratamento ou vacina esteja disponível”, defendem os autores. Esta ideia de um distanciamento prolongado, ainda que com uma espécie de switch para ligar e desligar as restrições, cria um cenário um tanto assustador nas nossas cabeças e levanta uma série de questões a nível social, económico e educacional. Isso e a avalanche de perguntas: O que é que tudo isto significa para a arte de socializar, para o contacto cara a cara, para o encontro frente a frente? Mais do que isso, como é que mantemos a união quando estamos fisicamente separados? Como é que mantemos o sentido de comunidade quando não podemos estar fisicamente juntos?

2020: Odisseia na Internet 

As obras distópicas podem ter pintado a tecnologia como o pior inimigo da humanidade, mas a realidade sem precedentes que atualmente vivemos parece contar uma história bastante diferente. À parte das centenas de vídeos que diariamente se espalham pelas redes sociais como uma gigante vaga de calor humano – os amigos que construíram uma mesa para unir as suas varandas e poderem partilhar refeições, beber vinho e jogar às cartas, os vizinhos que fazem flash mobs à janela para cantarem e tocarem instrumentos musicais em uníssono, e as pessoas que aproveitam os seus pátios para jogar ténis entre prédios –, a resposta pode estar numa solução mais digital. E os números parecem confirmar uma tendência crescente.

De acordo com a Cloudflare, uma empresa americana que fornece serviços web, o tráfego de Internet em Itália, particularmente no norte do país, aumentou mais de 30% desde o confinamento obrigatório. Do outro lado do oceano, e partindo dos dados de duas empresas de data, o The New York Times publicou uma análise extensiva sobre o modo como “os norte-americanos têm passado mais tempo online” devido ao surto do novo coronavírus. “Apesar das plataformas tradicionais de social media estarem a crescer, parece que todos nós queremos mais do que um contacto por mensagem ou texto – queremos ver-nos uns aos outros”, podia ler-se no artigo publicado no dia 7 de abril.


“Isto deu um grande boost a aplicações que costumavam estar na escuridão, como a app de video chatting da Google, a Duo, e a Houseparty, que possibilita que grupos de amigos se juntem num único chat de vídeo e joguem jogos juntos. O que também cresceu foi o nosso interesse no meio que nos rodeia, e na forma como está a mudar e a responder ao vírus e à quarentena. Isto traduziu-se num renovado interesse no Nextdoor, o site de social media focado em conectar vizinhos locais.” Acrescente-se o facto do TikTok, do WhatsApp e do Zoom terem sido as aplicações non-game com o maior número de downloads em março deste ano, e não parecem restar grande dúvidas (se é que existiam, sequer) de que o meio digital é a praça onde grande parte da nossa socialização acontece nos dias de hoje.

Mas mais importante do que o sítio onde socializamos é aquilo que fazemos dele. Como escreveu Kevin Roose no artigo The Coronavirus Crisis Is Showing Us How To Live Online (tradução: a crise do coronavírus está a ensinar-nos a viver online), publicado no site do The New York Times em março, “se existe um lado bom nesta crise, é possível que seja o facto deste vírus nos estar a obrigar a utilizar a Internet da forma como ela devia ter sido utilizada desde sempre – para nos conectarmos uns com os outros, para partilharmos informações e recursos, e para encontrarmos, coletivamente, soluções para problemas urgentes. É a versão saudável e humana da cultura digital que estamos habituados a ver em publicidades sentimentais na televisão, onde toda a gente usa o seu smartphone para visitar avós que estão longe ou ler contos de adormecer aos miúdos.” Aquilo que hoje experienciamos não é só “a versão saudável e humana da cultura digital” – é, também, a versão mais original e criativa da mesma.

Happy (virtual) hour 

“Também estão na festa de aniversário da VB? Very posh.” Esta mensagem podia ter saído de uma qualquer realidade alternativa, mas existem provas que atestam que foi enviada às 21h26 de uma sexta-feira à noite, enquanto miss Victoria Beckham celebrava o seu special day em direto no Instagram, numa gigante festa virtual com um DJ e inúmeros seguidores à mistura. Citando aquele meme espirituoso que vai surgindo no nosso feed para nos relembrar que o amor não está suspenso, a nossa necessidade humana de interagir, de relacionar, de conversar e de socializar também não está em stand by – mesmo que a pista de dança, onde tantas vezes o fizemos, esteja.

Como descreveu Roose no mesmo artigo do The New York Times, “basta olharmos para aquilo que está a acontecer em Itália, onde os adultos fechados em casa estão a publicar pequenos manifestos no Facebook, enquanto as crianças inquietas se juntam em bando para jogar jogos multiplayer online, como o Fortnite. Ou vermos aquilo que está a acontecer na China, onde aqueles que em tempos estariam numa qualquer festa inventaram o cloud clubbing, um novo tipo de festa virtual onde DJ’s fazem live sets em aplicações como o TikTok e o Douyin, enquanto os membros da audiência reagem em tempo real através dos seus telemóveis. Ou observarmos a forma como estamos a tentar lidar com a situação nos Estados Unidos, onde diversos grupos estão a experimentar novas formas de se reunirem em distanciamento social: aulas de yoga virtuais, missas virtuais, jantares virtuais. Estes são os tipos de experiências digitais criativas que precisamos, e estão a surgir numa altura em que precisamos delas mais do que nunca”.

 
 
 
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Quarantine Vibes ??

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Na verdade, reconfigurar a forma como nos relacionamos uns com os outros enquanto estamos confinados às nossas casas é isso mesmo – um exercício de originalidade, de “pensar fora da caixa”, de explorar as inúmeras possibilidades que uma só aplicação nos pode oferecer, de combatermos a solidão e o aborrecimento com a nossa massa criativa. E, à semelhança daquilo que acontecia quando o mundo exterior era a nossa ostra, a socialização pode ser aquilo que quisermos que ela seja: no Zoom, no Google Hangouts, no Houseparty, no WhatsApp ou numa das muitas aplicações que estão a tornar a nossa vida um pouco mais simples nesta quarentena, o ato de socializar pode materializar-se numa pausa para café entre reuniões remotas ou numa happy hour depois das oito horas de teletrabalho (não é por acaso que o on-nomi, o termo japonês para “beber um copo online”, está trending neste momento); num jantar com familiares ou amigos em que todos cozinham e “partilham” a mesma refeição; num workout ou numa sessão de meditação entre amigas para matar as saudades das aulas de grupo que em tempos enchiam estúdios, ginásios e parques; numa game night organizada pelo amigo cuja sala de estar era o ponto de encontro pré-quarentena; numa dance party ao som daquela playlist colaborativa do Spotify ou daquele live no Instagram; numa noite de cinema na Discord, na Netflix Party ou na Twoseven, três apps que permitem juntar os amigos e readaptar a experiência conjunta de ir ao cinema; num encontro numa das muitas aplicações e iniciativas digitais que continuam a unir pessoas em todo o mundo; ou até mesmo num protesto virtual pelo clima.

Com novas alternativas às atividades a que estávamos habituados a surgirem minuto sim, minuto não, as opções de socializar neste cenário tão atípico – e de, consequentemente, manter a união, o sentido de comunidade, a força de grupo – são praticamente infinitas.

The first rule of Fight club is... 

You do talk about Fight Club. Numa altura em que o acesso à cultura está também em lockdown, é possível que muitos de nós sintam necessidade de procurar opções mais quarantine friendly para manter a ligação com a comunidade e o contacto humano – mesmo que esse contacto seja através de uma videochamada, de um telefonema, de uma mensagem ou de uma troca de impressões numa qualquer rede social.

Da pintura à literatura, o mundo virtual é casa para uma série de clubes que prometem ser um fix cultural e uma forma de manter a comunidade e a criatividade vivas. Exemplos disso mesmo são o Isolation Art Club, um coletivo criado pela fotógrafa e realizadora Chloe Sheppard que diariamente sugere um tema diferente (pense em ideias como espelho, amor ou aquilo que a faz feliz) e partilha o trabalho de diversos artistas no Instagram; o #QuarantineArtClub da ilustradora Carson Ellis, que publica tarefas artísticas que podem ir desde autorretratos abstratos a desenhos de sonhos memoráveis e incentiva a comunidade digital a partilhar as suas criações nas redes sociais; e os recém-criados book clubs de Marie von Behrens (com o handle @themodernbookclub no Instagram) e Kaia Gerber.


“Sei que todos nós nos estamos a sentir isolados neste momento, e por isso comecei a pensar numa forma simples de nos mantermos ligados (para além de simplesmente estarmos a fazer scrolling) e decidi começar um book club. Leio muito sozinha, mas adorava conversar com vocês sobre isso... Todas as semanas vou publicar um livro nos meus stories, e na semana seguinte salto para um live (às vezes com amigos, autores, convidados, etc.) para podermos todos conversar sobre o livro dessa semana! Quero começar com um novo favorito que estou a ler neste momento: Normal People, de Sally Rooney. Façam download dele, peçam-no emprestado a alguém ou comprem-no, se conseguirem! Encontramo-nos aqui para falar na próxima semana”, escreveu a modelo sobre o seu novo projeto.

Os clubes que prometem manter a comunidade unida e facilitar a socialização não ficam por aqui. Os cinéfilos podem contar com coletivos no Instagram como o Zodiac Film Club (@zodiacfilmclub), o Le Cinéma Club (@lecinemaclub) e o Pandemic Film Club (@pandemicfilmclub), bem como o #FridayFilmClub da realizadora britânica Carol Morley, que todas as semanas escolhe um filme e proporciona uma discussão no Twitter, com o objetivo de reavivar a experiência comum de ir ao cinema. Já na cozinha, o chef Massimo Bottura criou o Kitchen Quarantine, um cooking show que pode ser seguido todos os dias no Instagram, enquanto Antoni Porowski, o adorado food expert da série Queer Eye, apresentou recentemente o Quar Eye: Cooking Lessons in Quarantine, uma minissérie de IGTV que ensina as pessoas a cozinharem com ingredientes e recursos limitados.

E se estiver all dressed up para os encontros diários ou semanais com as mais diversas comunidades online, permita-nos apresentar a Working From Home Fits, ou @wfhfits – uma conta de Instagram criada por um grupo de editores de Moda situados em Londres e Nova Iorque, que compila aquilo que pessoas em todo o mundo estão a vestir durante a quarentena. O resultado é o mix perfeito entre pijamas com plumas, fatos de treino coloridos e uma inesperada reencarnação do vestido cisne de Björk – e uma prova de que, mesmo separados por mais de dois metros de distância, podemos continuar a socializar, a viver em comunidade, a partilhar. E a espalhar esse tão desejado sentimento de união.

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