Para Simone Biles, a saúde mental vale mais que uma medalha de ouro

“É uma porcaria quando estás a lutar contra a tua própria cabeça.” Simone Biles diz um adeus provisório a Tóquio para priorizar a sua saúde mental. 

“Há mais na vida para além da ginástica.” Com estas palavras, Simone Biles, quatro vezes campeã olímpica e célebre ginasta norte-americana, despediu-se temporariamente dos Jogos Olímpicos de Tóquio, após ter desistido da prova de equipas que se realizou no dia de ontem.

A participação de Biles era uma das mais aguardadas de toda a competição desportiva, dado o seu sucesso no evento Olímpico de 2016. Todavia, assim que a ginasta teve a sua primeira aparência nas provas de Tóquio, o estado de nervosismo e ansiedade que a assolava era inegável. “Não sei se é da idade, mas estou um pouco mais nervosa quando faço ginástica. Também sinto que não me estou a divertir. Queria que a minha participação nos Jogos Olímpicos fosse algo que fizesse por mim, mas senti que ainda o estava a fazer por outras pessoas.”, avançou a atleta norte-americana após ter abandonado a competição.

A decisão por detrás da saída de Simone Biles foi explicada como sendo uma forma da ginasta se conseguir “focar na sua saúde mental”. O mesmo foi confirmado pela declaração emitida pela USA Gymnastics que, através do Twitter, mostrou apoiar a escolha da atleta.

Sair de uma competição desportiva por motivos médicos é comum, nomeadamente quando falamos de questões de saúde física. Mas invocar o bem-estar mental, como fez Biles, é uma atitude quase sem precedentes, embora largamente aplaudida pela comunidade de psicologia internacional. Nas palavras de Jill Emanuele, psicóloga no Child Mind Institute, “é uma decisão corajosa escolhermos tomar conta de nós mesmos e ir contra toda a pressão que nos é colocada em cima”, referindo-se ainda à ginasta norte-americana como “um exemplo para os mais jovens”. 

Desde cedo que Simone Biles se revelou uma personalidade aberta à partilha dos problemas mentais que enfrentava. Filha de uma mãe toxicodependente, a ginasta foi adotada pelos seus avós quando tinha seis anos e, em entrevista ao The New York Times, afirmou ter crescido num ambiente de grandes dificuldades económicas. Mas foi em 2018, no seio do escândalo que assolou a equipa de ginástica norte-americana, que Biles partilhou publicamente as lutas que travava dentro de si. 

Larry Nassar, médico da equipa de ginástica norte-americana, foi sentenciado a 175 anos de prisão após ter sido acusado de abusar sexualmente centenas de atletas que tinham integrado (ou ainda integravam) a equipa. Uma dessas atletas foi Simone Biles. “Eu também sou uma das muitas sobreviventes que foram sexualmente abusadas por Larry Nassar. (…) Há muitas razões pelas quais tenho estado relutante em partilhar a minha história, mas agora sei que a culpa não é minha.” O comunicado que a atleta norte-americana publicou no Twitter mostrava que, embora fosse conhecida pela sua personalidade “feliz” e “energética”, também ela estava a aprender a lidar com a sua própria dor.

Apesar de, no início, Biles ter visto a sua presença em Tóquio como uma forma de dar voz às sobreviventes de abuso sexual, as lutas interiores da ginasta norte-americana não estavam esquecidas. Como escreveu a jornalista Fiza Pirani na sua conta do Twitter, “o que Simone Biles fez em retirar-se de uma final pelo seu próprio bem-estar mental necessita de um tipo de força completamente diferente (…) que deveria ser igualmente louvado, se não ainda mais”. 

A atleta já confirmou que não irá estar presente na prova final do all-around que se realiza amanhã, dia 29 de julho. Contudo, Biles ainda está qualificada para as quatro competições de aparelhos que se realizarão entre os dias 1 e 3 de agosto. A sua participação será determinada pela avaliação diária a que Simone Biles estará sujeita até ao final da competição.