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Iryna Tartachna: retratos de mulheres ucranianas em tempo de guerra

24 Aug 2022
By Maria Mokhova

Passaram seis meses desde o rebentar da guerra na Ucrânia. A Vogue Portugal inicia um novo segmento, dedicado a contar as histórias das mulheres que vivem a guerra na primeira pessoa.

Passaram seis meses desde o rebentar da guerra na Ucrânia. A Vogue Portugal inicia um novo segmento, dedicado a contar as histórias das mulheres que vivem a guerra na primeira pessoa.

Fotografia de Lesha Lich
Fotografia de Lesha Lich

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Criar e interessar-se por Beleza no meio da guerra não é uma tarefa fácil, no entanto ao longo dos últimos meses os ucranianos descobriram uma imensa e interminável fonte de inspiração: as pessoas que estão a lutar pelo seu país e pelas suas vidas. A ideia de criar um projeto dedicado às mulheres a servir na guerra surgiu em março - quando a equipa da marca ucraniana NUÉ se encontrava a tentar resgatar a sua produção de Kiev. O resultado de vários dias de sessões fotográficas e entrevistas são seis histórias da constante batalha pela vida, pela pátria e pela Beleza - como uma humilde forma de agradecer a estas e a todas as mulheres ucranianas que lutam, protegem e reconstroem o seu país.

Algumas semanas após a invasão russa em grande escala, a escritora ucraniana Iryna Tartachna lançou o website I feel your pain para ajudar as mulheres que sofreram de violência sexual. Tendo a própria passado por esta terrível experiência há vários anos, Iryna foi capaz de recuperar mentalmente e reconstruir a sua alegria e satisfação na vida e no sexo. É precisamente a sua experiência pessoal de ser vítima de violência e de superar as suas consequências que torna o seu projeto importante e útil para muitas - ainda que de uma forma desoladora.

Sobre a própria

“Nasci em Zhytomyr Oblast, mas o lugar que sempre me atraiu, não importa quantos mísseis lhe tenha acertado, é Kiev. Eu escrevo livros. Publiquei o meu primeiro livro em inglês, intitulado Winged by Happiness. Trata-se de encontrar felicidade e significado na vida, depois de o perder, e como com a ajuda de algumas palavras tudo pode mudar.”

Sobre o seu trabalho durante a guerra

“Há dois anos fui agredida sexualmente. Quando, em abril, comecei a ler sobre violações em massa em Bucha e noutras cidades da região de Kiev, fiquei profundamente abalada. Ninguém sabe o que estas mulheres sentem e como ajudá-las. Compreendi porque estariam em silêncio, porque não iriam a um psicólogo, e compreendi que devia ultrapassar o meu medo e ajudá-las. Literalmente da noite para o dia escrevi tudo o que está agora publicado no site - sobre como se ajudar a si própria, como ajudar estas mulheres e como os homens as devem tratar. Cada frase é o resultado de dois anos de trabalho psicológico, feito após o horror que vivi. Em momentos como estes, olhamos para o fundo da nossa alma. Queria mostrar através do meu exemplo que é possível continuar a amar os homens, fazer sexo e desfrutá-lo, viver feliz, esquecer o que lá lhe aconteceu, não pensar nisso quando já não lhe faz mal. Queria dar esperança de que amanhã haverá felicidade, independentemente do quão má a vida parece no momento. É preciso saber como se ajudar a si própria, porque quando se sabe, é possível aceitar esta dor, e amanhã a porta da felicidade poderá abrir-se. A minha mensagem principal baseou-se nas famosas palavras de Taras Shevchenko: ‘escolhe amor, mesmo com o coração desolado’, porque quero realmente que todas as mulheres que sofreram de violência sexual durante a guerra possam recuperar a alegria da vida e do sexo em toda a sua extensão.”

“Quando lancei o website senti-me muito aliviada com a compreensão de que tinha feito algo que seria útil e que ajudaria muitos. Depois, muitas pessoas começaram a escrever-me e a agradecer-me. Não temos realmente ideia de quantas mulheres sofrem de violência sexual, especialmente em tempos de guerra – porque se fala tão pouco sobre este assunto. Por isso, é importante para mim que o maior número possível de pessoas veja este projeto e descubra como comunicar com aqueles que já passaram por isso. A mensagem principal que queria transmitir às mulheres é o entendimento de que a culpa não é vossa, toda a responsabilidade recai sobre a pessoa que o fez.”

Fotografia de Lesha Lich
Fotografia de Lesha Lich

Sobre a Beleza

“Para mim, Beleza é uma perceção introspetiva de mim mesma, assim como uma perceção interna de tudo à minha volta. Este sentimento permanece comigo, mesmo através da guerra. A certa altura, devido à violência que vivi, também me senti culpada por ser atraente, porque parecia ter sido essa a fonte daquele sofrimento - mas não era verdade. Para um violador, não importa como se é ou o que se está a vestir. Não é que atraia alguém com a sua aparência e o provoque à violência. Se alguém já é capaz de violência, então tem desvios psicológicos, e o ato de violência é da sua culpa e responsabilidade, nunca da vítima.”

Sobre os rituais de Beleza

“Uma das poucas coisas que me ajudou nas primeiras semanas foi praticar uma rotina completa de self-care todas as manhãs. Até reparei que usei muitos cremes de corpo durante os primeiros 3 meses. Obviamente, salvou-me da ansiedade, acalmou-me de uma certa forma. Foi por isso que decidi viver, e não me privar daquilo que me dá força em primeiro lugar, o que me dá energia. Afinal de contas, para ajudar os outros, é preciso ter os seus próprios recursos internos.”

Sobre 24 de fevereiro

“Não queria tanto aceitar quando ouvi as primeiras explosões em Kiev de manhã, nem sequer me quis levantar - tão forte era a negação interna do que estava a acontecer. Fui para o chuveiro, liguei a água fria - ainda não podia acreditar no que estava a acontecer, porque compreendi que a guerra traria muita violência contra as mulheres, muitos assassinatos e horrores de que pensava que as pessoas não eram capazes. O único desejo que tinha na altura era abraçar todos os meus entes queridos. Ambições, publicar livros - tudo isto caiu imediatamente para segundo plano e pensei que, perante o pior, eu queria estar com a minha família. Quando comecei a fazer a mala, pus os documentos primeiro - e depois olhei para os documentos e percebi que não precisava de mais nada, tudo o resto tinha perdido o seu significado. Mentalmente, estava preparada para o pior, nos primeiros dias havia a sensação de que se podia perder todos os que se amava, assim como a nossa própria vida. Mesmo agora ainda me preparo mentalmente para o facto de que, a qualquer momento, posso perder entes queridos. É este o pior sentimento.”

Fotografia de Lesha Lich
Fotografia de Lesha Lich

Sobre o dia mais negro

“Deve ter sido o dia em que tomei conhecimento de Bucha e do que estava a acontecer lá. Ou quando vi o vídeo da destruição da Mariupol filmado a partir de um drone. Depois compreendi que só temos uma opção para acabar com esta guerra: a vitória.”

Sobre a procura por luz

“Tento não mergulhar em sentimentos de ódio contra os russos, escolho concentrar-me em ajudar a Ucrânia. Quando vejo quantas pessoas realmente boas existem, pessoas que ajudam, não se queixam, são voluntárias, fazem verdadeiros milagres, inclusive no campo da arte - essa é a luz. É por isso que estou muito orgulhosa da Ucrânia.”

 

Ficha técnica:

Fotografia: Lesha LichDireção de arte: Olesia Romanova Vestuário: NUÉMaquilhagem: Yulia SchelkonogovaCabelo: Nodira TuradzhanovaProdução: Diana Melnikova

Projeto apoiado por NUÉ e Viktoriia Udina.

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