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Tendências 27. 1. 2022

Matrix e a alegoria transgénero da saga

by Pedro Vasconcelos

 

The Matrix, 1999 © Via IMDb

Uma teoria que equaciona os filmes de Matrix à experiência de pessoas transgénero parece rebuscada, mas a sua plausibilidade é incontestável. A erupção de teorias veio imediatamente após uma das realizadoras dos filmes Lana Wachowski se assumir como transgénero em 2012, e o seu influxo apenas aumentou quando, em 2016, a sua irmã, a outra realizadora, Lilly Wachowski seguiu nos passos da sua irmã. Imediatamente inúmeros artigos académicos analisaram o filme, assim como todas as suas componentes, através desta lente. Mais recentemente esta teoria teve uma ressurreição através de um artigo da jornalista Emily VanDerWerff, onde explica a importância que os filmes tiveram no seu próprio trajeto de vida enquanto uma mulher transgénero. Posteriormente a confirmação chegou por meio da realizadora da saga, “Essa era a intenção original mas o mundo não estava pronto” reporta a realizadora Lilly Wachowski em conversa com a Netflix. 

Quando iniciamos uma análise crítica do filme baseado na simbologia trans as conexões começam a germinar. Podemos aliás entender todo o enredo do filme exatamente como a exploração das inúmeras possibilidades da nossa mente, somente atingíveis após a transcendência das limitações da forma física. Os corpos físicos no Matrix são meras sugestões face à capacidade do nosso cérebro. Em termos de momentos concretos a quantidade de indícios é arrebatadora. Primeiro existe a questão dos nomes das personagens, semelhantemente a uma pessoa transgénero, estes rejeitam o nome que lhes é atribuído à nascença em prol dos seus nomes escolhidos. Neo, não é Thomas Anderson, é Neo, a pessoa que existe fora do matrix, sendo o anterior uma mera fachada para o que este foi feito acreditar que era. Ninguém é deadnamed pela sua comunidade, só os agentes de autoridade, ou de opressão, o fazem. Também o seu vestuário se apoia na aniquilação do controlo do conceito de género, tornando-se cada vez mais andrógenos, de facto o guarda roupa de Neo e Trinity são intercambiáveis.

 
 
 
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Até mesmo um dos mais icónicos símbolos do filme, a escolha entre o comprimido vermelho e o azul, poderá ser dissecado através de uma ótica trans. Explorado por múltiplos artigos académicos, a escolha, que de certa forma é o catalisador para todo o enredo do filme, é uma alegoria bastante arrojada sobre sair do armário proverbial. Escolher ficar dentro deste, continuando num caminho que é essencialmente auto-destrutivo mas seguro, ou enfrentar a aterradora decisão de enfrentar a tormenta que é assumir-se como transgénero, com a garantia de dor, mas com uma forte perspetiva de felicidade. O filme poderá ainda ser analisado como o que a internet representava no ano de 1999, o ano do lançamento do filme original. Um local no éter onde podemos criar quem queremos ser, independentemente de quem fisicamente temos de ser, um espaço onde pessoas trangénero podem iniciar a exploração do seu género em espaços online, onde o seu corpo físico não existe. 

The Matrix, 1999

As irmãs Wachowski tentaram esclarecer a metáfora trans, mas foram obstruídas pela produtora dos filmes. Através da personagem de Switch as realizadoras não dariam grande espaço de dúvida face a um dos pontos de inspiração do filme, pretendido fazer desta um homem na realidade, mas como mulher quando dentro do matrix. Ainda que este detalhe fosse persistente no guião original, a Warner Bros. impossibilitou a ideia por alegações que a população geral ficaria demasiado confusa pela transgressão das linhas de género. 

Ainda que as provas pareçam mais que muitas, e a intenção das realizadoras tenha sido de retratar uma alegoria para a experiência trans é importante lembrar que a arte, como o género, é um conceito extremamente manipulável e volátil. E quando se trata de arte, a nossa própria interpretação reina sobre qualquer outra apreciação, mesmo a dos criadores de dita arte. Outras leituras já foram popularizadas face ao enredo do filme, até mesmo pela extrema direita nos Estados Unidos, particularmente por homens brancos, enfrentando o comprimido vermelho como a “libertação” dos ideais feministas que lhes atribuem responsabilidade pela opressão de outros. Por isso mesmo se recorda que face à subjetividade da arte, persuasões ideológicas podem revelar caminhos extremamente delineados, está no nosso poder escolher alargar estes, ou até mesmo ignorá-los completamente. 

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