Diana Vreeland (1903-1989), ícone da Moda, na sua sala de estar toda decorada em vermelho, 1979. Fotografia: Horst P. Horst / Getty Images.
Ou um guia prático sobre a importância de construir um espaço à medida de cada identidade e capricho — sem nunca descurar a promessa de sair de casa dos pais ou reaver o depósito que confiámos ao senhorio.
Casa é casa. É paz, refúgio, identidade e cenário dos mais íntimos momentos de introspeção e transformação; infelizmente, nesta economia, tornou-se também o ponto fulcral de um paradoxo de frustrações. De repente, a ambição (des)medida aliada aos inúmeros moodboards que vamos acumulando ao longo dos anos tornaram-se (quase) inconsequentes perante a corrida ao mercado imobiliário atual, e o sonho de comprar casa e alcançar o epítome de um espaço próprio é agora algo mais do que comum a muitos: tornou-se acessível a poucos. Não é por acaso que, segundo o Eurostat (o gabinete estatístico da União Europeia), os jovens portugueses saiam de casa dos pais, em média, aos 28 ou 29 anos, sendo os sétimos no ranking europeu de 2024. Ainda assim, as regras de uma vida bem vivida ditam que o espaço ao qual chamamos casa é essencial ao nosso bem-estar, tanto físico quanto mental. As quatro paredes que rodeiam a nossa intimidade são um casulo de maturidade e um manifesto de desenvolvimento pessoal — uma espécie de porto de abrigo que nos acolhe em momentos de eureka ou pura e dura melancolia. Afinal, é neste cenário que crescemos, cultivamos valores e afinamos gostos. E é precisamente por isso que é importante que o espaço ao qual chamamos nosso — seja por dois meses, 10 anos ou uma vida — espelhe parte da nossa essência e nos permita nutrir a melhor versão de nós mesmos.
“O design [de interiores] tem muito a ver com criar um ambiente que reflita os nossos valores e ritmo de vida”, diz Alyssa Anselmo, arquiteta de interiores e fundadora do estúdio de design Studio Anva. “Sempre fui extremamente consciente do meu ambiente e de como ele me afetava”, conta-nos, “mesmo as pequenas coisas, como a iluminação ou as proporções de uma divisão, podiam mudar completamente o meu humor. Lembro-me de sentir pânico em espaços pequenos e escuros, mas cheia de energia em salas com muita luz natural”. Hoje em dia, a arquiteta acredita que a maneira como criamos e decoramos a nossa casa é uma tradução literal e intencional da nossa génese, o que contribui para a romantização do banal e cria um sentimento inabalável de pertença: “acho que tudo o que fazemos na vida deve ser feito com intenção, desde a forma como falamos e nos relacionamos com as pessoas até à forma como criamos as nossas casas”.

Alyssa Anselmo, arquiteta de interiores e fundadora do estúdio de design Studio Anva.
O estado atual do mercado imobiliário português é um dos mais potentes entraves à compra de casa pelas gerações mais jovens. Aliás, um relatório recente da Comissão Europeia revelou (quiçá, confirmou) que, comparativamente à restante zona euro, os valores imobiliários praticados em Portugal são sobrevalorizados em cerca de 35%. Isto torna o processo de arrendar uma casa ou quarto a solução predileta por quem tenta cravar um espaço ao qual possa chamar seu, mesmo que temporariamente. Neste contexto, decorar e personalizar o cenário que nos rodeia pode parecer uma tarefa fútil, em muito devido à natureza efémera que carateriza grande parte dos arrendamentos. Mas a verdade é que o tempo em que passamos neste tipo de espaços é real, tangível e irrecuperável.
“Durante muito tempo, mudei-me constantemente e evitei comprar coisas porque sentia que não fazia sentido, já que não estava na minha casa permanente,” confessa Anselmo. “Eventualmente, percebi que esta é a minha vida, que está a acontecer agora. Comecei a investir no meu apartamento e isso mudou completamente a minha relação com o meu espaço”. A arquiteta reitera que sentirmo-nos bem nas nossas casas é um ato profundamente emocional, e que não é por algo ser temporário que perde parte da sua importância e significado: “criar um lar, mesmo que temporariamente, é um ato de autoestima”, afirma. “Todos nós merecemos sentir-nos bem nos nossos espaços. [...] A forma como projetamos as nossas casas reflete o quanto nos valorizamos e a vida que vivemos no presente”.

Apartamento e projeto de Alyssa Anselmo
Sob a mentalidade de que o ambiente que nos rodeia afeta o nosso humor, criatividade e até a forma como nos apresentamos ao mundo, assumir as rédeas no que toca a personalizar e decorar a nossa casa pode, por vezes, ser algo intimidante. Cada espaço tem a sua própria energia, história e contexto — e é tão importante honrar as suas raízes quanto moldá-lo a nós. O primeiro passo é definir quais as prioridades e necessidades a ter em conta: “o conceito de liberdade total pode ser avassalador, e impor limites pode ajudar a delinear melhor a nossa visão”, diz Anselmo. “Olho para todos os projetos como um equílibrio entre forma e função. A estética e as emoções de um espaço precisam de coexistir com a estrutura existente, e é no limiar entre os dois que a inovação acontece”. Num mundo repleto de inspirações e referências, decidir quais as estéticas e movimentos artísticos que melhor se adaptam à nossa personalidade e quotidiano nem sempre é uma tarefa fácil. A arquiteta sugere olhar para dentro e tentar impedir ser excessivamente influenciável por tendências ou pela realidade transitória do online. “A minha maior inspiração sempre foi caminhar ao ar livre”, confessa. “A música é outra grande fonte de inspiração para mim. Acho que o design, tal como a música, tem a ver com movimento, com a criação de um fluxo visual que parece vivo”.
É deste vaivém de emoções, memórias e técnicas que nascem os melhores e mais apelativos espaços: repletos de detalhes pensados para trabalharem em conjunto em prol do conforto e praticidade. “As pessoas, às vezes, perguntam porque é que não copio e colo elementos, mas a verdade é que não é assim que o design funciona para mim”, diz Anselmo. “Cada projeto deve refletir novos conhecimentos, novas inspirações ou responder ao seu ambiente específico, seja através dos materiais ou da relação com a luz e o espaço. [...] Para mim, o design é uma forma de arte viva: respira e evolui, e o meu trabalho é dar-lhe vida com integridade”. Ao longo dos anos, a estética que carateriza o trabalho de Anselmo conquistou a liberdade de ganhar novas nuances, mas a sua essência, garante, mantém-se a mesma: a de criar espaços com um design cuidado, curado e emocional, enraizado na forma como as quatro paredes que nos rodeiam nos fazem sentir.

Projeto de Alyssa Anselmo
Se, por um lado, o design de interiores é visto como um ato emocional, é também algo físico e tangível — especialmente no que à escolha de peças e móveis diz respeito. “Acho que tudo o que compramos deve ser intencional”, diz a arquiteta. Ainda assim, há peças que, naturalmente, requerem um maior raciocínio e investimento — especialmente as que afetam diretamente o conforto e a atmosfera (como os sofás, os colchões, mesas de centro ou roupa de cama): “o meu conselho é investir [mais] nas peças grandes e fundamentais que definem a forma como vivemos e nos sentimos, e permitir que os detalhes evoluam lentamente ao longo do tempo”.
É também nesta fase do processo de design que surge o dilema entre envergar por uma estética regida por tendências ou mais intemporal. Anselmo acredita que, tal como a Arte, o design deve perdurar para lá das linhas do tempo e, por isso, tende a não optar pela efemeridade das tendências. O ciclo que se faz sentir à volta de estéticas e das ditas trends das redes sociais surge com a missão de nos vender algo novo, assumindo-se como uma antítese a um dos pilares do design intemporal, que nasce da união entre a conexão emocional e longevidade. Quando se trata de encontrar peças que façam sentido num determinado espaço, é preciso dar tempo ao tempo e não forçar a alquimia entre forma e função. “Sou paciente no que toca a encontrar peças. Por vezes, demora meses, porque quero viver com elas durante décadas, não substituí-las a cada poucos anos”, conta a arquiteta. Na verdade, é tal e qual como na Moda: “penso sempre nas botas Tabi da Maison Margiela. São icónicas, mas nem toda a gente se identifica com elas. Um bom design não tem de agradar a toda a gente. O que importa é que faça sentido para nós”.

Projeto de Alyssa Anselmo
Entre inúmeras moradas, diversas transformações pessoais e inevitáveis mudanças de gostos, o processo de decorar uma casa recusa-se a ser estático. É algo em constante movimento e evolução, que anda a par e passo com a velocidade pela qual a vida contemporânea se rege. Mas é também composto por uma vertente mais cuidada e curada: a procura de peças que espelham a nossa intimidade e que traduzem à letra o ditado “lar doce lar”, dando vida a ambientes e atmosferas tangíveis. “A personalização é tudo”, reflete Anselmo, “a ideia é rodearmo-nos de peças que tenham significado — algo que encontrámos numa viagem, pequenos objetos que nos inspiram ou algo que herdámos da família. Essas peças contam a nossa história”. É neste misto de memórias e estéticas que, parede a parede, cravamos a nossa bolha no mundo. “Acima de tudo, o que importa é a intenção. Os objetos, cores e materiais que escolhemos devem refletir a nossa personalidade”, conclui Anselmo. “É isso que dá alma a um espaço”, seja este temporário ou permanente — de refúgios cravados no tempo à casa dos nossos sonhos.
Originalmente publicado no The Art of Living, a edição de novembro de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.
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