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Notícias 3. 4. 2020

Como o Covid-19 está a transformar as Semanas de Moda em todo o mundo

by Liam Hess

 

De Xangai a Lagos, as mentes inovadoras da Moda estão a procurar novas formas de promover a indústria local – e os “Big Four” deviam ter os olhos postos nisso. 

A final do desfile primavera/verão da Fendi ©Getty Images

Em fevereiro, à medida que Milão se encontrava no epicentro do primeiro surto ocidental do Covid-19, a Semana de Moda feminina que acontece duas vezes por ano na cidade estava a chegar ao fim. Apesar do vírus ainda não ter sido considerado como uma pandemia nessa altura, muitos começaram a reconhecer a ameaça que o mesmo representava para a indústria da Moda italiana, com os buyers e editores, em especial aqueles vindos do mercado lucrativo da Ásia, a afastarem-se. O mais interessante, talvez, foi a resposta rápida para ajustar o formato tradicional dos desfiles. Enquanto alguns optaram por não mostrar as suas coleções, outros, como Giorgio Armani, escolheram fazer um live-stream dos seus desfiles, sem uma audiência física. 

Nas semanas que se seguiram, a situação escalou de uma forma tão dramática que os desfiles planeados para os próximos meses estão agora a ser cancelados ou reagendados. A lista inclui os espetáculos teatrais que são os desfiles cruise anuais, nos quais marcas como Chanel, Gucci e Louis Vuitton voam uma pequena armada de imprensa e buyers para localizações longínquas, onde mostram as suas criações com cenários impressionantes como pano de fundo. 

Mais importante, para a sobrevivência de pequenas marcas na indústria, é a notícia de que tanto a Semana de Moda masculina e a Semana de Moda de Alta-Costura, ambas em Paris e planeadas para junho e julho, respetivamente, vão ser cancelas, enquanto a Semana de Moda masculina de Milão vai ser fundida com os desfiles de womenswear em setembro. A feira Pitti Immagine Uomo também foi reagendada para setembro, e apesar da Semana de Moda masculina de Londres continuar de pé, parece inevitável que o mesmo aconteça.  

O cenário do desfile outono/inverno 2018 da Chanel ©Getty Images

O que é que o futuro nos reserva?

A resposta mais óbvia é criar uma plataforma digital para os designers mostrarem as suas coleções, permitindo assim que a imprensa continue a cobrir as coleções e os revendedores continuem a comprá-las remotamente. O problema é a natureza sem precedentes deste formato, sem garantia de sucesso. Muito se tem discutido sobre a necessidade de rever o modelo tradicional das Semanas de Moda, com os seus programas enfartados e impacto significativo no ambiente, mas há um limite para aquilo que um buyer consegue fazer sem ver e tocar numa peça ao vivo. 

É possível que o melhor sítio para “os quatro grandes” das Semanas de Moda encontrarem uma solução para este novo paradigma seja nos seus equivalentes mais pequenos. Enquanto cidades como Paris, Nova Iorque, Londres e Milão usufruem da presença e atenção individual de buyers e imprensa de topo, outras capitais menos conhecidas como Xangai ou Lagos têm usado os poderes da Internet para espalhar a palavra – e são essas mesmas capitais que estão na linha da frente da mudança que a indústria da Moda deve considerar para sobreviver. 

Para a Semana de Moda de Xangai, que terminou esta semana, a solução foi óbvia. Os seus organizadores recrutaram o gigante de e-commerce chinês Alibaba para fornecer uma plataforma aos designers no seu canal de live-stream Tmall – para que estes pudessem mostrar as suas coleções -, com muitas das peças de roupa a ficarem disponíveis para compra assim que o desfile terminasse. “Teria sido uma pena se o surto do novo coronavírus representasse mais um desafio para estas marcas e talentos emergentes, e que limitasse aquilo que podem alcançar”, disse Lv Xiaolei, vice-secretário geral da Semana de Moda de Xangai. “Como plataforma que há muito se dedica a apoiar os talentos criativos da China, sabíamos que tínhamos que fazer alguma coisa.” 

Apesar de ser um modelo que funciona para um grupo específico de marcas, captar as nuances do artesanato apresentado por algumas das maiores Casas de luxo é uma tarefa mais complexa; uma solução possível é o formato de apresentação em showroom, também disponibilizado por Xangai à sua audiência, no qual os designers eram convidados a falar sobre as suas coleções, peça por peça, e mostrar os detalhes das mesmas num formato mais amigo da web. Contudo, a lição mais importante é esta: se as próximas Semanas de Moda querem transitar de uma forma harmoniosa para a esfera digital, vão precisar de emular a abertura de Xangai para colaborar com o mundo da tecnologia. 

Repensar modelos antigos 

À medida que as Semanas de Moda mais proeminentes do mundo entram neste território desconhecido, onde já não conseguem depender nos modelos convencionais e há décadas em vigor, é essa mesma energia inovadora que lhes vai ser absolutamente essencial. Para alguns, os desafios são mais profundos – particularmente para a Pitti Uomo, cujo modelo único de feira internacional com desfiles em simultâneo requer um equilíbrio mais refinado entre o mundo real e o mundo digital. “No que diz respeito à Moda, a história mostra-nos que o contacto pessoal é necessário”, diz Raffaello Napoleone, CEO da Pitti Uomo. “É certo que o digital nos oferece mais opções, mas não acredito que o desfile de Moda ou a feira vão desaparecer. As mudanças mais sensíveis são aquelas que chegam com uma variedade de possibilidades.”

Para Steven Kolb, presidente e CEO do Council of Fashion Designers of America (CFDA), a situação atual também representa uma oportunidade para acelerar os passos que já tinham começado a ser dados para tornar o modelo da Semana de Moda mais responsável a nível social.  “A utilização das plataformas digitais é algo que temos vindo a considerar, e continuamos a pensar em opções para as estações futuras”, diz Kolb. “Antes do surto do Covid-19, começámos a estudar formas de tornar a Semana de Moda mais sustentável em colaboração com o Boston Consulting Group, e penso que isto será ainda mais importante no futuro.” 

Notavelmente, o Vogue Fashion Fund e o CFDA estabeleceram A Common Thread, uma iniciativa que pretende angariar fundos para apoiar a indústria da Moda americana durante esta altura tumultuosa. Apesar de ainda estar na sua fase inicial, as doações consideráveis que tem recebido poderão vir a ser direcionadas para rever a estação resort, que deveria acontecer já no verão, em Nova Iorque, e movê-la para uma esfera digital. 

Keneth Ize e Naomi Campbell no final do desfile do designer, apresentado na Arise Fashion Week, em abril de 2019 @Getty Images

Uma oportunidade para reavaliar a forma como o modelo da Semana de Moda opera 

Apesar da Arise Fashion Week – uma mostra anual do melhor talento africano que acontece em Lagos, na Nigéria – ter reagendado o seu evento de abril para outubro devido ao surto do Covid-19, há muito para aprender com o evento e com a forma como este está a usar as redes sociais para mostrar os seus talentos emergentes. O acontecimento do ano passado incluiu desfiles de marcas internacionais, como a Pyer Moss e a Mowalola, e ainda o momento em que Naomi Campbell desfilou para o designer Kenneth Ize, que usou a plataforma como uma rampa de lançamento para um desfile aclamado em Paris, que aconteceu no passado mês de fevereiro. 

A filosofia da Arise Fashion Week é esta: não precisamos de correr para encontrar uma solução imediata e garantir que tudo acontece dentro da normalidade, mas podemos ver isto como uma oportunidade de recuar e reavaliar a forma como o modelo da Semana de Moda funciona. “Sinto que devemos perguntar constantemente, ‘Porquê?’”, diz Bolaji Animashaun, produtora da Arise Fashion Week. “Se alguém estiver a vender roupa agora, as pessoas vão perguntar, ‘Porque é que eu vou comprar roupa quando as pessoas estão a tentar sobreviver?’ É uma oportunidade para abrandarmos, reiniciarmos e questionarmos aquilo que é realmente importante e aquilo que é excessivo na nossa indústria.” 

Apesar da Arise acontecer em outubro, Animashaun quer garantir que o evento será apresentado num formato novo e inovador daquele das Semanas de Moda de décadas anteriores. “Não estamos a tentar mostrar nada em abril ou maio porque, para nós, não faz sentido. O que quer que seja que façamos não será tão simples como meter um desfile online, mas sim sobre ter uma conversa e questionar a nossa comunidade sobre aquilo que podemos fazer para além da plataforma física de um desfile.” 

Dada a capacidade destas cidades menos estabelecidas no circuito da Moda de se manterem um passo à frente, as principais capitais da indústria deviam manter um olhar atento e observar os seus próximos passos. 

Como será a Semana de Moda do futuro? 

Para as marcas que têm a confiança suficiente para serem pioneiras neste formato, existem muitas oportunidades para mobilizar alguns dos casamentos mais inovadores entre Moda e tecnologia que têm emergido recentemente. Basta olharmos para o crescimento de influencers que são nada mais nada menos do que avatares digitais, como Lil Miquela ou Noonoouri; o fenómeno de roupa digital que está a nascer com aplicações como Drest e Ada, onde as coleções são transformadas em modelos 3D que podem ser descarregados e colocados em imagens pessoais; ou até mesmo o potencial da realidade aumentada e virtual para recriar a experiência de um desfile de Moda. Este novo reino de possibilidade para mostrar um desfile de Moda remotamente pode vir a ser um statement poderoso para aqueles que tenham a coragem de explorar este território desconhecido. 

Diversas pessoas têm vindo a discutir que o modelo do fashion-month precisa de um reset, e parece que a crise global que agora vivemos veio tomar essa decisão por elas. Mas as medidas introduzidas para garantir que o espetáculo continua não serão apenas remendos rápidos. Com o impacto económico que o Covid-19 terá na indústria da Moda, as decisões que forem tomadas hoje poderão vir a reestruturar o modelo da Semana de Moda nos próximos anos – e aqueles que estão dispostos a tirar tempo para pensar profundamente sobre estas novas oportunidades e aproveitar o seu potencial ao máximo vão sair disto mais fortes do que nunca. 

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