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Tendências 29. 6. 2021

Best of: as 24 melhores capas de album

by Ana Murcho. Artwork de Mariana Matos

 

O que é que faz com que uma capa de um álbum seja lendária? Não há respostas certas. Sabemos que o design tem de ser irrepreensível, que a fotografia, caso exista, tem de ser única e, simultaneamente, intemporal, e que o lettering tem de ser catchy (catchy mas polido, sublinhe-se, porque há todo um compêndio de tipografias, e de slogans, que são proibidos aos olhos dos mais puristas) o suficiente para agradar a gregos e a troianos. Em suma, tem de definir, e refletir, não só um estilo de música, como uma era. Um bom exemplo? O álbum 1989, de Taylor Swift, lançado em 2014, e que surge de forma recorrente, em todas as listas de “best album covers of all time.” A capa do dito álbum é, nada mais nada menos, que uma Polaroid da cantora — cortada de forma certeira na zona do nariz, algo comum na arte antiga, e que Swift justificou com sendo algo “acidental” que decorreu durante o processo de produção do disco, em que todas as fotos “para a posteridade” foram tiradas em formato Polaroid. A artista afirmou à cadeia americana ABC: “Então pensei, porque não fazer dessa foto a capa do álbum?”. Verdade ou consequência, o certo é que o mito ficou criado e, atualmente, 1989 é tido como uma pequena obra de arte. Talvez não se compare com as que se seguem, mas a beleza das coisas está nos olhos de quem as contempla.

Impossível fazer um best off musical sem incluir os The Beatles, seja qual for o ângulo. Neste caso, foi a irreverência e a visão das capas de quatro dos seus álbuns que os colocou no pódio. De cima para baixo, da esquerda para a direita: Lançado como banda sonora de um filme de animação que tinha estreado pouco tempo antes, Yellow Submarine (1969) não tinha a pretensão de ser um “grande lançamento”, como se lê no site oficial do grupo, mas foi um sucesso. Para isso também contribuiu, com certeza, a magia de Heinz Edelmann, o multifacetado designer gráfico que criou a capa do álbum. Não deverão existir muitas pessoas no planeta que não reconheçam a fotografia usada no vinil de Abbey Road (1969), tirada a poucos metros do estúdio com o mesmo nome, onde o disco foi gravado. Plot twist: naqueles loucos anos 60, muitos fanáticos dos The Beatles juraram a pés juntos que Paul McCartney estava, na verdade, morto, e tinha sido substituído por um dopplegänger. E aquele momento, copiado até à exaustão, que elevou o ato de atravessar uma passadeira a algo fantástico, foi visto por milhões de pessoas como… um cortejo fúnebre. Menos mórbido, mas igualmente interessante, é a história por detrás da capa de Revolver (1966), desenhada pelo artista Klaus Voorman, amigo de longa data da banda. Consta que terá ouvido Tomorrow Never Knows antes de rabiscar os primeiros esboços do que viria a ser uma imagem icónica e totalmente avant-garde. Por último, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967. É o resumo mais-que-perfeito do psicadelismo dos anos 60. A capa foi desenhada pelos artistas Peter Blake e Jann Haworth, e contém uma multidão de pessoas (além dos fab four), entre as quais Marilyn Monroe, Karl Marx, Bob Dylan ou Sigmund Freud. Possivelmente a capa mais famosa de todos os tempos? Possivelmente.

Da esquerda, em cima: Their Satanic Majesties Request (1967) foi a resposta dos The Rolling Stones a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. As semelhanças são óbvias, mas aqui a capa, cujo design pertence a Michael Cooper, tem um plus: é em 3D. Mas deixemos o “quem fez melhor” de lado. Tanto uma como outra são brutais. Em baixo: Há quem diga que Elvis Presley não inventou nada, que só se apropriou do rock and roll, mas basta olhar para a capa deste disco homónimo, lançado em 1956, que mostra o cantor durante uma performance na Flórida, Estados Unidos, em 1951, para perceber que O Rei tinha algo especial. Já para não falar da (agora) famosa combinação no lettering, invulgar para a época — rosa e verde — que os The Clash acabariam por reproduzir no seu álbum London Calling (1979).

Se todas as bandas tivessem um début como os The Velvet Underground & Nico, a eternidade estar-lhes-ia garantida. No entanto, isso raramente acontece. O seu álbum de estreia saiu em 1967 e chamava-se, precisamente, The Velvet Underground & Nico. Foi a parceria com Andy Warhol que lhe deu um cunho extra, aquela banana num fundo branco (nome original Peel Slowly And See) que se tornou símbolo não só daquela, mas de todas as gerações.

Ainda é Ziggy Stardust, mas já não é Ziggy Stardust. A fotografia tirada por Brian Duffy para a capa de Aladdin Sane (1973) mostra um David Bowie mais misterioso, mais introspetivo — a “lágrima” que foi acrescentada na clavícula do cantor em pós-produção ajuda a que tenhamos essa perceção. É um álbum de transição, um grito de alerta do artista mais camaleónico de todos os tempos. Note-se que o título do disco é um trocadilho com “a lad insane” (“um rapaz insano”).

Never Mind the Bollocks, Here's The Sex Pistols. Em 1977 o Reino Unido parou, tudo porque os Sex Pistols lançaram um álbum em que a palavra “bollocks” (testículos) surgia na capa e, logo de seguida, um single, cujo título God Save The Queen, se insurgia contra o conformismo da sociedade britânica e a sua submissão à coroa. O responsável máximo pelo sururu foi Jamie Reid, que fez a artwork do disco, seguindo à letra a ideia de Malcolm McClaren, o agente dos Pistols: “Inventámos a capa mais feia que podíamos imaginar.” Feia? Nós preferimos “fabulosa.”

Ao centro: Tinha tudo para dar certo. E deu. O grupo de design britânico Hipgnosis, liderado por Storm Thorgerson e Aubrey Powel, teve a ideia de criar um prisma que refratasse luz em seis das sete cores do espectro. O conceito foi executado por George Hardie e assim nasceu a icónica capa de The Dark Side Of The Moon, dos Pink Floyd, que saltou de 1973 para o futuro.

Em baixo: Esqueçamos, por momentos, a magnífica poesia de Patti Smith e o seu inconfundível timbre, e foquemo-nos na fotografia que ilustra este Horses (1975). Tirada por Robert Mapplethorpe, com quem a cantora manteve uma relação durante anos, foi considerada pela crítica e ensaísta Camille Paglia como um dos retratos de uma mulher mais belos de todos os tempos.

em cima: Agora pode parecer a imagem mais banal de sempre mas, na altura, foi um pequeno escândalo. Annie Leibovitz fotografou Bruce Springsteen de costas, com uns jeans, uma t-shirt branca e “aquele boné vermelho” no bolso traseiro das calças tendo como background o que parecia ser uma bandeira americana. Fazia sentido, já que o álbum, lançado em 1984, se chamava Born In The USA. Infelizmente, houve quem sugerisse coisas tão macabras como… bom, é melhor googlar para crer.

Em baixo: Terceiro álbum de estúdio dos U2, War (1983) é considerado o primeiro trabalho “abertamente político” da banda irlandesa. Além do título (“war” significa “guerra”), a capa do álbum é, por si só, uma declaração de intenções. No auge do conflito na Irlanda do Norte, a fotografia de um rapaz enraivecido, de olhos esbugalhados, lábio cortado, tornou-se viral. Peter Rowen, o jovem em questão, já tinha protagonizado as capas dos singles I Will Follow ou Three. Em War, encostado a uma parede de tijolos, parece ter perdido a inocência.

Sendo praticamente impossível contabilizar o número de fotos icónicas protagonizadas por Grace Jones — cantora, modelo, atriz, compositora — uma coisa é certa: entre elas terá de estar a capa de Island Life (1985), fotografada pelo seu então companheiro, o irreverente e genial Jean-Paul Goude, que imortalizou a artista como uma escultura de onde não conseguimos desviar o olhar.

Muitos acharam que os Nirvana estavam à procura de fama e dinheiro, à custa daquele dólar que surge na capa de Nevermind (1991), o que não sabiam era que a foto existe, em vez disso, por causa do fascínio de Kurt Cobain sobre nascimento subaquático — se não acredita é saltar para In Utero (1993) e ver que o tema se repete. O bebé? Chama-se Spencer Elden e completou, em fevereiro, 30 anos. É possível que os responsáveis pela Expo’98 se tenham inspirado na estética deste
disco para fazer o vídeo de promoção da exposição, mas isso não é para aqui chamado.

Em cima: Mellon Collie And The Infinite Sadness (1995) seria sempre uma obra-prima, com ou sem uma grande album cover. Mas teve-a. A imagem, de estilo vitoriano, foi feita por John Craig, ex-designer da Mercury Records, que juntou o corpo de uma pintura de Santa Catarina de Alexandria, do mestre italiano Rafael, com o rosto presente numa pintura de Jean-Baptiste Greuze intitulada The Souvenir (Fidelity), para criar a mulher de olhar perdido num céu celestial, que se mantém tão impactante como há 26 anos.

Em baixo: Honey, Find my Baby, Why does my heart feel so bad?, Porcelain. A lista podia continuar, tantas são as canções geniais retiradas de Play (1999). Se o mundo terminasse no início do novo milénio, pelo menos terminava com uma banda sonora à altura: Moby deu-nos um álbum de sonho, que dificilmente se repetirá — a fotografia que dá vida à capa, essa, também dificilmente se repetirá, já que foi o primeiro trabalho, a dois, da grande Corinne Day e do marido, o realizador Mark Szaszy. Day, uma das mais respeitadas fotógrafas de moda, morreu em 2010.

Em cima: Podia estar aqui Funeral (2004). Ou até Everything Now (2017). Mas, sendo forçados a escolher, a opção recai por Neon Bible, esse portento musical que os Arcade Fire nos ofereceram em 2007. A capa do álbum consiste na fotografia de um letreiro em néon de quase dois metros que a banda encomendou para usar durante a tour. Na imagem, a Bíblia é iluminada como se estivesse desdobrada. François Miron e Tracy Maurice, responsáveis pelo artwork, acabariam por ganhar o Juno Award para CD/DVD Artwork Design of the Year.

Ao centro: E agora para algo completamente diferente… Stories from the City, Stories from the Sea, de PJ Harvey (2000). Não tão abruptamente impactante como outros, esteticamente falando, o álbum da cantora inglesa foi recebido com aplausos tanto pela crítica — a Rolling Stone considerou-o o melhor álbum da carreira de Miss Harvey — como pelo público. Além de ser uma “carta de amor a Nova Iorque.” A foto da capa mostra isso mesmo: a artista no meio do rebuliço da noite da big apple, captada por Maria Mochnacz.

Em baixo: Os agora extintos Daft Punk lançaram Discovery em 2001. Dizer que foi um sucesso é redundante, e classificar a sua capa como sento “melhor” ou “pior” do que qualquer outra do seu portefólio, é arriscado. Em todo o caso, fica a homenagem a este disco memorável, e ao trabalho do artista japonês Leiji Matsumoto, que trabalhou com a banda em várias ocasiões.

Kala (2007), foi o segundo álbum de M.I.A. e, tal como o primeiro, a sua capa deu que falar. O artwork, inspirado na arte africana, foi feito por Steve Loveridge, e contém uma série de padrões e slogans repetidos, aos quais se juntam fotografias da cantora. As cores invulgares escolhidas levou a que o The Village Voice escrevesse: “Talvez um dia [ela] faça uma capa que não magoe o olhar.” Concordamos em discordar.

Consta que a Internet “explodiu” quando as primeiras imagens de Dirty Computer (2018) saíram. Aquela era uma Janelle Monáe diferente, mais arriscada, que parecia elevar-se atrás de um véu de cristais, num fundo amplamente colorido. O conceito e o design pertencem a Joe Perez, a fotografia ficou a cargo de JUCO (Julia Galdo e Cody Cloud).

Em cima: Há pouco a acrescentar a tudo o que já foi dito sobre Lemonade, a obra-prima com que Beyoncé surpreendeu o mundo, em 2016. Mais do que um simples disco, é um manifesto, acompanhado de um filme de 65 minutos. Em todo o caso, o que aqui nos interessa é a capa — a cantora surge encostada a um carro, com um casaco de pele, tranças, de rosto escondido. A foto foi tirada durante as filmagens do videoclipe de Don’t Hurt Yourself.

Em baixo: If You’re Reading This It’s Too Late é o quarto álbum (o nome oficial é mixtape, se bem que estas já não se fazem) de Drake, lançado em fevereiro de 2015. Vendeu quase 500 mil cópias na primeira semana, e só isso justifica o seu sucesso mas, além dos critérios musicais, foi a capa minimalista que chamou a atenção — a frase que o cantor escolheu como título rapidamente se tornou viral e passou a ser uma das hashtags mais usadas por uma geração sedenta de mensagens simbólicas.

 

Artigo originalmente publicado na nossa edição de junho, The Music Issue, disponível na nossa loja online.

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