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Unidos jamais seremos vencidos

27 May 2020
By Mathilde Misciagna

“A resistência de uma corda só é possível graças à união de todos os seus fios.” Este ensinamento tem-nos sido transmitido pela cultura popular ao longo dos séculos, através de fábulas e parábolas, e a sua eficácia vê-se ainda mais comprovada no contexto de distanciamento social.

“A resistência de uma corda só é possível graças à união de todos os seus fios.” Este ensinamento tem-nos sido transmitido pela cultura popular ao longo dos séculos, através de fábulas e parábolas, e a sua eficácia vê-se ainda mais comprovada no contexto de distanciamento social.

Fotografia de Ruo Bing Li. Realização de Xuyuner (Abby) Qi.
Fotografia de Ruo Bing Li. Realização de Xuyuner (Abby) Qi.

Nas últimas celebrações Pascais não houve missa com fiéis presentes, nem procissões, nem a tradicional vigília. Foram impedidas deslocações entre concelhos. A vida reduziu-se ao essencial. Sobrou o apelo do Papa Francisco: “É tempo de servirmos os outros, é tempo de sermos comunidade. Porque temos um direito fundamental que não nos será tirado, o direito à esperança. Não é mero otimismo, não é uma palmada nas costas nem um encorajamento de circunstância. (...) À medida que o tempo passa, os medos crescem e até a esperança mais audaz pode desvanecer, mas agarramo-nos à beleza da nossa humanidade. A escuridão e a morte não têm a última palavra.”

A imagem do Papa e a singularidade das suas palavras, dirigidas ao mundo inteiro, mas perante uma praça de São Pedro vazia, captaram o olhar e a reflexão da psicóloga e especialista em psicologia social Sofia Ramalho - que partilhou as suas observações na TSF. “Esta imagem do Papa Francisco na basílica de São Pedro, a presidir sozinho a missa do Domingo de Ramos é impactante aos olhos de qualquer pessoa, crente ou não. Mas será que aquele espaço estava realmente vazio ou será que estava preenchido por um novo valor de vida humana?” 

A crise provocada pela COVID-19 traz-nos uma certa ironia na vivência de contrastes. O afastamento físico mostra-nos o valor da saudade e das relações humanas, mas talvez nunca tenhamos estado tão próximos. Ainda que esta proximidade não seja física, temos agora uma consciência muito maior de compromisso e de responsabilidade mútua, de que estamos aqui uns pelos outros. E é verdade que este valor de vida humana se gera em comunidade, se gera em coesão social, numa força e esforço comum para recuperar face à adversidade. Há quase dois séculos atrás, Charles Darwin já tinha discutido que as comunidades coesas são resilientes e mais sustentáveis. O valor da união e do bem comum é válido quer agora quer depois, numa fase posterior. A orientação da população em torno de uma missão comum, a de resistir a esta pandemia com a atitude de ‘um por todos e todos por um’ é humanizante e dá significado à vida das pessoas.

Esopo, sábio grego e o mais conhecido entre os fabulistas da antiguidade, retrata, nas suas parábolas ricas em ensinamentos, o drama existencial do homem, substituindo os personagens humanos por animais ou objetos inanimados. Numa das suas fábulas, intitulada O Leão e os Três Bois, esclarece o significado de união através de uma metáfora - contando que por um longo tempo três bois pastaram sempre juntos. Um leão espreitava-os na esperança de fazer deles o seu jantar, mas tinha receio de os atacar em grupo. Motivo pelo qual decidiu arquitetar um plano. Assim, passado algum tempo, através de calúnias que espalhou entre os bois, acabou por criar no grupo um desfavorável clima de discórdia, até finalmente conseguir separá-los. Deste modo, desfeito o grupo por conta de conflitos insignificantes, os bois pastavam sozinhos e o leão devorou-os um após outro, sem medo.

Todas as comunidades e pequenas comunidades dentro delas, através das suas janelas (eletrónicas ou não), passaram as últimas semanas a tentar demonstrar a sua união para vencer este ‘leão’ invisível. Curioso o facto de as circunstâncias associadas à nossa existência em massa nos unirem. Tomamos consciência de que sim, podemos tomar conta de nós mesmos, mas mais do que isso é reconfortante, e uma enorme responsabilidade, saber que podemos fazer o mesmo pelos outros. E que o nosso esforço não será em vão. Pensar num país como um todo e não como partes. Num mundo como um todo.

©Getty Images
©Getty Images

No início deste texto referiu-se que a vida se reduz agora ao essencial. Porém, como definir o que é essencial? Segundo o dicionário, passa por algo indispensável, importante, preciso. Como a união: basilar à vida em sociedade, à existência humana. União versus enfraquecimento e derrota. Até animais irracionais se regem pelas virtudes associadas a este princípio. Eis a lei da selva, tão antiga como verdadeira: “A força de um lobo é a alcateia e a força da alcateia é o lobo”, como se de um círculo se tratasse. E se dúvidas houvesse, a Parábola dos Sete Vimes, da autoria de Trindade Coelho – um dos mestres do conto português – esclarece-as.  

“Era uma vez um pai que tinha sete filhos. Quando estava para morrer, chamou-os todos sete e disse-lhes assim:– Filhos, já sei que não posso durar muito; mas antes de morrer, quero que cada um de vós me vá buscar um vime seco, e mo traga aqui.– Eu também? – perguntou o mais pequeno, que tinha só 4 anos. O mais velho tinha 25, e era o mais valente da freguesia.– Tu também – respondeu o pai ao mais pequeno.Saíram os sete filhos; e daí a pouco tornaram a voltar, trazendo cada um seu vime seco. O pai pegou no vime que trouxe o filho mais velho e entregou-o ao mais novinho, dizendo:– Parte esse vime.O pequeno partiu o vime, e não lhe custou nada a partir. Depois o pai entregou ao mesmo filho mais novo, e disse-lhe:– Agora parte também esse.O pequeno partiu-o; e partiu, um a um, todos os outros, que o pai lhe foi entregando, e não lhe custou nada parti-los todos. Partido o último, o pai disse outra vez aos filhos:– Agora ide por outro vime e trazei-mo.Os filhos tornaram a sair, e daí a pouco estavam outra vez ao pé do pai, cada um com seu vime.– Agora dai-mos cá – disse o pai.E dos vimes todos fez um feixe, atando-os com um vincelho. E voltando-se para o filho mais velho, disse-lhe assim:– Toma este feixe! Parte-o!O filho empregou quanta força tinha, mas não foi capaz de partir o feixe.– Não podes? – perguntou ele ao filho.– Não, meu pai, não posso.– E algum de vós é capaz de o partir? Experimentai.Não foi nenhum capaz de o partir, nem dois juntos, nem três nem todos juntos. O pai disse-lhes então:– Meus filhos, o mais pequenino de vós partiu sem lhe custar nada os vimes, enquanto os partiu um por um; e o mais velho de vós não pôde parti-los todos juntos: nem vós, todos juntos, fostes capazes de partir o feixe. Pois bem, lembrai-vos disto e do que vos vou dizer: enquanto vós todos estiverdes unidos, como irmãos que sois, ninguém zombará de vós, nem vos fará mal, ou vencerá. Mas logo que vos separeis, ou reine entre vós a desunião, facilmente sereis vencidos.Acabou de dizer isto e morreu – e os filhos foram muito felizes, porque viveram sempre em boa irmandade ajudando-se uns aos outros; e como não houve forças que os desunissem, também nunca houve forças que os vencessem.”

“E como não houve forças que os desunissem, também nunca houve forças que os vencessem.” Ao longo da história foram vários os momentos em que se corroborou esta premissa. Momentos onde a escolha foi entre sermos controlados pelo medo, e deixar que este dominasse os nossos pensamentos e ações ou, pelo contrário, agir com força e unidade e usar esse conhecimento, recursos e apoio de cada um para promover produtividade e segurança para todos. Exemplo disso mesmo é o dia do Trabalhador, festejado a 1 de Maio. 134 anos depois das grandiosas manifestações dos operários de Chicago pela luta das oito horas de trabalho e da brutal repressão patronal e policial que se abateu sobre os manifestantes, este dia mantém todo o seu significado e atualidade.

Os tempos que vivemos são decerto escuros, mas muito esclarecedores. O impacto do nosso egoísmo é agora perfeitamente palpável. A perda, o medo, e a insegurança mostram-nos algo novo: o poder da união. E não temos outra hipótese senão abraçar uma nova perspetiva sobre a vida e compreender a força deste renovado valor humano. Mesmo antes desse outro lado existir na prática. E ao abrigo deste novo valor, tem-se notado uma certa mudança de sentimentos. A incredulidade, a rejeição e o pânico deram lugar à tolerância e à paciência graças à nossa predisposição inata para nos adaptarmos.

E com isto descobrimos que os nossos sentimentos não são nada mais do que banais, tal e qual como os dos que nos rodeiam. E enquanto vemos os nossos movimentos limitados é-nos apresentado um novo desafio: distanciar-nos do nosso próprio umbigo e contemplarmos a força da unidade. Fomos reduzidos às nossas necessidades mais básicas: alimentarmo-nos, cuidarmos de nós e unirmo-nos, figurativamente, ao outro. Nestas atividades mundanas, descobrimos agora uma ação significativa. Pode não parecer grande coisa, mas quando o futuro é incerto este revela-se um mecanismo essencial de sobrevivência. 

Mathilde Misciagna By Mathilde Misciagna

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