To be Continued | The Body Issue: O fruto proibido

07 Mar 2022
By Joana Rodrigues Stumpo

Escondido por baixo de camadas de roupa, para que não se revele o que todos já sabemos que existe, está o corpo. Porque é que a sua nudez ainda nos incomoda tanto?

Escondido por baixo de camadas de roupa, para que não se revele o que todos já sabemos que existe, está o corpo. Porque é que a sua nudez ainda nos incomoda tanto?

Photography by Bastiaan Woudt
Photography by Bastiaan Woudt

Todos temos mãos, braços, ombros, pernas e tornozelos - e ninguém se choca quando vê um vestígio de pele de uma destas partes do corpo. No entanto, a coisa já muda de figura se introduzirmos zonas íntimas. O constrangimento é tal, aliás, que nem nos atrevemos a chamar as coisas pelo nome. Falamos dos genitais, as regiões absolutamente proibidas, que só os mais privilegiados têm direito a ver (mas não sem a antecipação de um momento de receio e suspense). Observar, ou mostrar, estas partes do corpo - seja no ecrã ou cara a cara - é encarado quase como depravação, é revelar algo que devia ser exclusivo. Mas nem sempre foi assim.

Mesmo após a introdução do vestuário no dia-a-dia de povos pré-históricos, muitas sociedades não abandonaram a nudez enquanto prática regular e perfeitamente normalizada. Tanto que, na Grécia Antiga, o nu era associado à perfeição divina (não é por acaso que muitas das representações de deuses e heróis escusavam o acrescento de roupa). Então, o que mudou? Durante o Império Romano e a consequente ascendência do cristianismo, o vestuário foi sendo adotado como um sinal de status social, daí que a falta dele fosse entendida como sinónimo de vergonha e necessidade - só não se vestia quem não conseguia suportar o gasto. Assim começou um longo período que veio definir a maneira como nos relacionamos com os nossos corpos descobertos.

Poderíamos dissertar infinitamente acerca dos efeitos desta imposição, mas se há alguma coisa que a História e a psicologia nos ensinaram é que a proibição nada impede. Pelo contrário, no que toca a impedimentos comportamo-nos como autênticas crianças: o que não podemos ter é o que queremos. Quanto mais nos negam o corpo, mais o queremos mostrar, ver e tocar. E assim se cria o tabu. Ao longo da Idade Média e da Modernidade, a ideia de nudez como depravação foi sendo consolidada na Europa, mas esta associação não funciona de forma igual para todos. Já dizia Freud que os homens percecionam a mulher numa de duas formas: como um ser sexual degradado ou como uma figura maternal santificada. Perante as duas alternativas, parece que o corpo é a característica que mais define uma mulher. Afinal, é isso que se quer de um ser sexual, não? As teorias de Freud podem já estar muito ultrapassadas, mas ainda hoje assistimos a uma associação quase imediata do corpo feminino à sexualidade. Nem é preciso pensar antes de decidir que os seios são quase sempre pensados como objetos sexuais, e não como o órgão que alimenta recém-nascidos. O corpo masculino, porém, parece não incomodar tanto. São centenas os argumentos que suportam esta ideia e começamos com uma simples prova de como este double standard na nudez está subtilmente a condicionar o nosso dia a dia: no Instagram, mamilos femininos são censurados, ao contrário de mamilos masculinos. Recentemente, a proibição tem vindo a reverter-se, mas as redes sociais continuam a ser o palco da luta pela normalização da nudez. Mesmo noutros meios, como no cinema, temos vindo a assistir a uma mudança gradual na forma como é representado o corpo, seja o masculino ou o feminino. Durante décadas, a nudez gratuita dominou o cinema de Hollywood - qualquer desculpa era boa o suficiente para despir uma atriz em frente à câmara (e não podemos ainda dizer que tenha sido erradicada). E esta representação nunca é inocente, é provocatória. Porquê? Porque, apesar da inquietação que vem com a ideia de nudez, há sempre uma curiosidade que vende - afinal, o fruto proibido é o mais apetecido. 

Estamos em pleno século XXI, o movimento de liberação e aceitação do nu já andou para trás e para a frente. Como podemos chegar onde chegámos com tanto constrangimento face ao corpo? Ao longo dos tempos, temos vindo a ser condicionados a associar o nu ao sexo. A nudez não tem qualquer outro propósito senão provocar um desejo sexual a quem a vê - escusado será dizer que esta ideia não tem um fundo de verdade, porque o corpo não existe só para o sexo (que, já agora, é um tema a evitar, é algo íntimo que deve ser exclusivo entre os corpos de duas pessoas). É a conclusão lógica a que conseguimos chegar, tão simples quanto um silogismo: sexo é um tema tabu. O corpo nu serve apenas para sexo. Logo, o corpo nu é um tema tabu. A nudez não é exclusiva à sexualidade, é natureza e é intrínseca: por baixo de tudo o que possamos vestir, teremos sempre o corpo com que nascemos e que será sempre nosso. 

Translated form the original on The Body Issue, from Vogue Portugal, published March 2022.Full stories and credits on the print issue.

Joana Rodrigues Stumpo By Joana Rodrigues Stumpo

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