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Tendências 29. 12. 2020

Maternidade, o portefólio de Sophie Harris-Taylor

by Ana Saldanha

 

A necessidade de mostrar realidades que não parecessem saídas de um catálogo fez nascer MILK, o mais recente projeto da fotógrafa britânica Sophie Harris-Taylor, que usou a sua própria experiência de mãe como ponto de partida. Os resultados são imagens cruas de momentos íntimos entre mães e filhos, num retrato de um dos processos mais naturais da humanidade.

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“Não esperava que fosse problema amamentar em público. Há pessoas que não gostam do facto de eu estar ali a alimentar o meu filho e acham que eu devia esconder-me ou ficar em casa, o que é ridículo. Sinto que devia ser universalmente aceite fazê-lo, para que deixe de ser um problema.” - Elizabeth.

Este projeto sobre maternidade e amamentação é o seu trabalho mais recente e começou mesmo depois de a Sophie ter sido mãe, certo?

Sim, foi logo depois. Para ser sincera, achei os primeiros meses de maternidade muito aborrecidos. Não há muitas mulheres a falar sobre isto, mas podemos sentir-nos um bocadinho perdidas... De repente, ganhamos esta nova identidade enquanto mães e, mesmo valorizando esse lado das coisas, senti-me sem rumo. Estava ansiosa por começar um novo projeto e queria que, de alguma forma, ele refletisse as minhas próprias experiências. Nessa altura, fui confrontada com o “campo minado” que era a amamentação e experienciar estas dificuldades fez-me querer começar uma conversa sobre amamentação e mostrar algo mais realista do que o que estamos habituados a ver. Ter um recém-nascido consome imenso tempo, então pareceu-me um tópico bom para explorar e que permitia incluir o pequenino.

O que nos pode contar sobre MILK e sobre como foi fotografar estas mulheres?

MILK mostra um conjunto de mulheres fotografadas nas suas casas a amamentar os seus bebés. As imagens são acompanhadas de citações das mães, que contam as suas experiências com a amamentação, tornando este projeto uma peça inspiradora e terapêutica. Senti que foi mesmo uma colaboração entre nós. Partilhámos as histórias dos nossos partos, da amamentação, criei laços com todas as mães que conheci... Este projeto preencheu o tal vazio dos primeiros tempos enquanto mãe.

Como é que chegou à decisão de retratar a amamentação como tópico central deste projeto?

Fui completamente apanhada de surpresa quanto ao que era a amamentação. Para mim, foi todo um universo sobre o qual não sabia nada e, por isso, quis mostrá-lo de uma forma que ainda ninguém tivesse visto. Nos primeiros dias, alimentamos os nossos bebés a toda a hora (literalmente, de duas a três horas), consome muito tempo... E foi isso que me fez perceber que precisava de me focar nesse assunto, para começarmos a falar mais dele. A maternidade ensinou-lhe novas formas de amor? Eu acho que este é um amor como não há outro, um amor que nunca experienciei antes. Um amor incondicional que parece que esteve sempre aqui. Não tenho a certeza se me ensinou a amar-me por completo, mas ensinou-me um pouco sobre respeito por mim mesma.

“Acho que o que foi mais inesperado na amamentação foi lidar com a personalidade da Raya. As imagens de amamentação que sempre vi mostram o bebé pacificamente deitado nos braços da mãe, uma serena refeição. Outras mães no meu grupo pré-natal disseram que os seus bebés ficam a mamar entre 45 minutos a uma hora. A Raya não. Ela gosta de estar de pé, ativa e, normalmente, prefere mamar aos poucos, aqui e ali, enquanto trepa por cima de mim e à minha volta, com o leite a pingar por tudo o que nos rodeia quando ela se afasta no preciso momento em que ele começar a escorrer.” - Aisha.

E a sua relação consigo própria mudou?

Debati-me com o meu corpo durante esta fase. Ter um distúrbio alimentar durante a vida adulta, engravidar e ver o meu corpo a passar por todas estas mudanças, que são naturais, foi muito complicado. Mas acho que aprendi, com o tempo, a ser mais benevolente comigo mesma.

Qual foi o principal objetivo do projeto?

Obviamente, isto não é um guia de amamentação, de forma alguma. Mas eu espero que mulheres que já amamentaram, e especialmente as que estão a fazê-lo neste momento, percebam que não estão sozinhas nesse campo de batalha que nos desperta imensas emoções, tanto boas como más. Para todas as pessoas que virem este projeto, espero que fiquem a perceber melhor os altos e baixos de todo o processo. Para algumas pessoas, até pode invocar nojo – acho que os seios femininos tornaram-se tão sexualizados que nos vamos esquecendo do seu propósito natural... Por isso, talvez este projeto sirva para mostrar uma coisa que é tão natural um pouco mais detalhadamente. Eu dei o meu melhor para capturar verdade em todas as imagens, não quis que as mulheres fossem vistas como fracas. A maternidade é uma montanha-russa emocional e eu quis revelar algo que explorasse esse espectro de sentimentos das mães e dos bebés.

E como foi a sua relação com a amamentação?

Foi uma relação de amor-ódio. Mas assim que parei, tive saudades.

Rodear-se de mulheres na mesma situação foi como ter uma rede de segurança?

Definitivamente. Foi muito tranquilizador saber que não era a única a lidar com mastite [inflamação da mama, comum durante a amamentação] e horas seguidas a amamentar. Mas também foi importante perceber outras dificuldades por que passam as mães. Acho que acabámos todas por formar esta ligação.

Acha que é importante quebrar algumas conceções erradas à volta deste tema?

Na verdade, isto pode ser muito difícil e não resulta para muitas mulheres por uma data de razões. Há uma grande pressão para as mulheres amamentarem, fazendo com que as que não conseguem ou simplesmente não querem se sintam culpadas por isso. Quando estava nas minhas aulas pré-natal houve uma mulher que perguntou se dar de mamar doía e a resposta foi “só se o estiveres a fazer mal”, o que, na minha opinião, é absurdo. Acho que o mais importante é que os bebés estejam a ser alimentados e que as mães estejam a cuidar de si mesmas também. Em todos os meus trabalhos, tento encontrar este equilíbrio entre força e vulnerabilidade e a beleza no meio disso. Permitir-nos estar vulneráveis é uma coisa muito poderosa.

Como encontrou as mulheres que fizeram parte do projeto?

Muitas encontrei através das redes sociais e de pessoas conhecidas. Fiz alguns castings e, quando comecei a partilhar a ideia e as primeiras fotografias tiradas, apareceram muitas mais mães que queriam fazer parte do projeto.

E qual foi o feedback?

Tem sido fantástico. Tive uma reação incrível de mães de todo o mundo – e pais também – e até de parteiras, doulas e pessoas da área das ciências. Acho que as pessoas acharam as imagens, especialmente as que mostram o leite, extremamente verdadeiras e refrescantes. E eu acho que as histórias acabam por dar contexto e realidade às imagens. Muitas mães que estão nesta situação conseguiram rever-se e isso deixa-me muito grata.

“Para mim, o mais complicado foram as mamas pesadas, feias, disformes. Odeio sentir-me suuuuuper cheia. Nunca tive o peito grande e, por isso, acho-o desconfortável.” - Emma.

“Todos os dias, desde que a Sunny nasceu, temos este diálogo silencioso sobre comer. Enquanto ele vai crescendo, eu tento perceber o que é que ele quer cada vez que vem mamar. Fico fascinada porque é muito sobre ouvirmo-nos um ao outro, muito mais do que eu poderia imaginar.” - Rosie.

“A oportunidade de estudar, de perto, o rosto dela, de reparar nas coisas mais pequeninas como o formato das sobrancelhas ou para que lado vão as pestanas. Adoro a determinação que já consigo sentir no seu corpo pequenino, quanto ela se agarra a mim. É tão primitivo e cheio de vida. A sua fome é tão imediata que o seu único foco é superá-la, sobreviver, crescer. Sinto que é um privilégio, mas também uma grande responsabilidade, que o meu corpo esteja a criar tudo o que ela precisa para sobreviver no mundo cá fora.” - Katie.

“Ter mamas de estrela porno e um decote pela primeira vez na vida é um bónus!” - Ludavine.

“Eu gosto da intimidade que tenho com a minha filha durante a amamentação. Gosto de a ter perto do meu corpo, ajeitá-la para que ela se sinta confortável, fazer-lhe festinhas no cabelo, cruzar olhares quando ela olha para mim e eu estou distraída com outros barulhos e lhe digo ‘está tudo bem, podes continuar’ e ela continua. Faz-me sentir muito ligada a ela.” - Elodie

“Nunca imaginei quão duro iria ser. Durante a gravidez tive visões de quão fácil seria, do quanto eu iria gostar de tirar o peito para fora em público sem nenhuma preocupação. Nunca me passou pela cabeça que não fosse gostar. Sempre que pensava no assunto, estava decidida a amamentar durante um ano, tinha uma mentalidade de ‘nada é melhor que o leite materno’. Mas, na realidade, estou a contar os dias até poder começar o desmame e nem sei se vou aguentar os seis meses. Percebi que ‘o melhor’ é o que me fizer feliz e me relaxar, porque só assim conseguirei ser a melhor mãe possível para a Nova.” - Thea.

 “Quanto ele tinha três dias foi diagnosticado com icterícia e a minha parteira sugeriu deixar de lhe dar leite e passar ao leite de fórmula, apesar de ser muito cedo. Aperceber-me que poderia não continuar a amamentar deixou-me, inesperadamente, muito triste.” - Emily.

“Sou o seu maior conforto. Pode estar tudo mal no mundo, mas ela pode sempre enroscar-se no meu colo para encontrar um pouco de calma.” - Alice.

 

Este artigo foi originalmente publicado na nossa edição de dezembro de 2020, ainda nas bancas e sempre disponível na nossa loja online.