Dior SS26
Com promessas de revolução, o final da estação revelou algo mais subtil: um realinhamento onde os nomes familiares trocaram de maison, mas não de linguagem.
Escrevo do outro lado da tempestade. Há meses que vivemos em antecipação do que prometia ser a maior revolução criativa na indústria da Moda desde o princípio do século. A última vez que um fenómeno semelhante ocorreu foi no final da década de 90 com a estreia de ícones como Lee McQueen e John Galliano. Se no passado foi a novidade que incitou uma mudança, aqui temos uma revolução q.b. Por mais que a ideia de uma reviravolta completa seja interessante, não é factual. O jogo das cadeiras trouxe poucos nomes novos à baila. Em vez, trocaram-se posições, trocaram-se cargos, trocaram-se maisons, mas os diretores criativos mantiveram-se. Matthieu Blazy, Jonathan Anderson, Demna, Louise Trotter: todos nomes que já se encontravam na vanguarda da indústria, apenas sobre diferentes títulos. Mas não desconsideramos o impacto da estação. O realinhamento da indústria não pode ser sobrestimado. E como sempre, Paris foi o palco para toda esta encenação.
Comecemos então pela mudança mais radical da estação – ou mesmo da década. Após três diretores criativos na sua história de 115 anos, a Chanel tem um novo nome na sua liderança. Matthieu Blazy estreou-se na maison no penúltimo dia da semana de Moda de Paris. Não é uma tarefa fácil. Os seus códigos, a sua estética, estão gravados não só na história da Moda, mas no imaginário de todos os amantes da indústria. Mesmo para um designer com o percurso de Blazy – desde os rumores de ter sido designer da linha Artisanal da Maison Margiela até à sua brilhante passagem pela Bottega Veneta – trata-se de um desafio exigente. Mas, mesmo com uma tarefa tão assustadora à frente, Blazy não desiludiu. O designer fez o seu trabalho de casa. Os códigos da maison não são apenas referenciados, são explorados, distorcidos e reinventados. Os clássicos casacos de tweed têm os seus padrões tradicionais ampliados. A fundadora da maison foi considerada de mais do que uma forma. Primeiro, pela silhueta mais reconhecível de Gabrielle Chanel. Num vestido de algodão, uma saia de tweed é aplicada diretamente na anca, acompanhada por um casaco a condizer. A vida pessoal da designer, e a forma como se entrelaça com a maison, serviu de fio condutor temático. A clássica alça da Chanel foi cosida no interior da bainha de uma camisa oversized (feita com a técnica da Charvet, a mesma pela qual a couturier era conhecida por usar).

Chanel SS26
Launchmetrics Spotlight
Claro que a Chanel não pertence apenas a Gabrielle. Os códigos mais reconhecíveis da maison fazem parte do vocabulário teatral de Lagerfeld. Se este piscava o olho ao público, o Blazy é mais sincero. Brincos de cristal abrigam pintainhos de esmalte no interior, uma das carteiras é literalmente um globo, remetendo para o cenário planetário do desfile. Ainda assim, apesar de todo o respeito pelo legado, Blazy não teve receio de o desafiar. É preciso coragem para reinventar a carteira mais idiossincrática da Chanel, a 2.55. O ícone é torcido, virado do avesso, com um aspeto de ter sido usado até à exaustão. O estilo do designer francês esteve presente. As penas foram um dos destaques da coleção. Aparecendo em conjunto com as camisas às riscas ou em saias de cintura descaída, o seu movimento representou algo emocionante: um novo começo numa das maisons mais queridas da indústria.

Chanel SS26
Launchmetrics Spotlight
Jonathan Anderson por sua vez apresenta a sua primeira coleção feminina após a sua estreia na Christian Dior, em julho. E, ainda que seja de certa forma uma nova estreia, o desfile masculino deu-nos todas as certezas que precisamos: o designer irlandês sabe o que faz. Nos últimos meses, Anderson foi deixando pistas cuidadosamente calibradas sobre a sua primeira coleção de Moda feminina para a maison. Primeiro com aparições estratégicas no Festival de Cinema de Veneza, depois com uma campanha encantadora da Lady Dior em tons pastel. A coleção abriu com um prelúdio audiovisual: uma curta-metragem que contou a linhagem criativa da Dior, ao som de Born to Die. Eventualmente, ao som da voz hipnotizante de Lana del Rey, as modelos começaram a aparecer. Anderson procura encontrar o seu léxico na maison. Ecos da sua coleção de estreia na Dior masculina ressurgiram: capas de malha reinventadas em jersey, laços altos ao pescoço, minissaias torcidas em formas de cargo dignas de Alta-Costura. As silhuetas evocavam um estilo preppy francês: camisas Oxford enfiadas em minissaias de ganga, polos justos, jeans à boca-de-sino a roçar saltos slingback. O equilíbrio para estas peças mais familiares foi encontrado em vestidos estruturais. Vestidos caicai ondulavam com armações escondidas que imitavam um pannier. Mas o momento mais bem-sucedido da coleção foi a sua reinvenção do bar jacket. A silhueta icónica de Christian Dior foi encurtada ao combinar um casaco cropped com uma saia plissada.

Dior SS26
Launchmetrics Spotlight
O desfile da Louis Vuitton primavera/verão 2026 começou da melhor forma possível: com a voz de Cate Blanchett a recitar "Home is where I want to be". Quase doze anos após ter assumido a direção criativa da marca, Ghesquière parece estar, de facto, em casa. Nos apartamentos de verão de Ana de Áustria, no Louvre, o designer convidou-nos a entrar dentro do seu lar. O primeiro look, um conjunto de chiffon cinzento, foi uma ode ao loungewear. A partir daí, as silhuetas suavizaram-se em casacos de jersey descontraídos, coletes em tecido felpudo de tom rosado pálido e brilhos de constelações de cristais espalhados pelo corpo. Mesmo no âmbito familiar, claro que a idiossincrasia tão futurista como histórica de Ghesquière esteve presente. Uma minissaia rosa, com acabamento em pele de carneiro, evocou a Marie Antoinette de Sofia Coppola. Golas exageradas coroaram blazers descontraídos. Botas e chinelos forrados a couro acolchoaram o passo, especialmente quando combinadas com meias de renda largas.

Louis Vuitton SS26
Vogue Runwayt
Depois de uma década à frente da Hermès, Nadège Vanhee-Cybulski demonstra, mais do que nunca, compreender o universo da maison e, mais importante ainda, a mulher que o habita. O cenário, coberto de areia, remetia às pistas de equitação que sustentam a associação mais forte da maison. Mas, mesmo sobre um solo instável, as modelos caminhavam firmes, com botas de montar que reforçaram o espírito equestre inscrito no ADN da marca. O primeiro look, um corpete em couro castanho por baixo de um casaco longo em lã e couro, com calções a condizer, definiu o tom. Em vez de dramatismo, houve contenção. A estética foi funcional, mas elevada. Os lenços de seda, referência inevitável aos icónicos carrés de 1937, surgiam amarrados de formas inesperadas. A paleta foi dominada por tons neutros – bege, castanho, azul-marinho, preto – com toques inesperados de tangerina, ameixa e vermelho. Mais do que revisitar códigos, Vanhee-Cybulski continua a demonstrar como se honra um legado sem o cristalizar.

Hermès SS26
Launchmetrics Spotlight
Para o seu 30.º desfile na Saint Laurent, Anthony Vaccarello apresentou uma coleção que une força, sensualidade e memória. Com silhuetas imponentes e tons saturados, a mulher YSL surge como um manifesto contra o retrocesso – não apenas visual, mas ideológico. Casacos de cabedal com ombros esculpidos desfilaram por entre hortênsias brancas, acompanhados de blusas de laço em seda, cujas golas ultrapassavam a linha dos ombros. A sensualidade visual, evocando a lente de Robert Mapplethorpe, não foi provocação vazia, mas um gesto consciente: frente à ascensão de discursos conservadores, Vaccarello recorre ao espírito indomável da mulher YSL como símbolo de liberdade. Os trench coats em tons de joia e vestidos translúcidos de acidez cromática remetem, com elegância, à revolução do ready-to-wear que a linha Rive Gauche protagonizou. O desfile terminou com vestidos volumosos em nylon leve que flutuaram dramaticamente pela passerelle à luz da torre Eiffel. Vaccarello não aprisiona a mulher YSL, dá-lhe espaço, presença, e sobretudo, voz. Primavera/verão 2026 não olha para o legado da maison com nostalgia, mas com propósito.

Saint Laurent by Anthony Vaccarello SS26
Launchmetrics Spotlight
Não podíamos deixar de mencionar o que foi, para nós, a melhor coleção da estação – um elogio particularmente impressionante numa estação como esta. Haider Ackermann apresentou a sua segunda coleção para a Tom Ford. O desfile abriu com três modelos, cada uma vestida com diferentes versões de conjuntos em cabedal envernizado. A decisão de iniciar o desfile com este trio foi quase nostálgico: apelou a um glamour que é raramente visto nos dias de hoje. As alusões continuaram na forma como as modelos se moviam lentamente, trocando olhares entre si e com o público, como se nos estivessem a seduzir. Considerem-nos seduzidos. Não vale a pena falar do magnetismo de Ackermann – precisaríamos de todo este artigo para explicar essa crush criativa –, voltemos à roupa. Os três looks que abriram o desfile eram feitos de cabedal brilhante, cortado a laser, que se abria com precisão milimétrica, revelando a pele por baixo ao ser esticado.

Tom Ford SS26
Launchmetrics Spotlight
Por mais delicadamente que Ackermann nos tenha seduzido ao longo da coleção, houve momentos em que perdeu a paciência. Calças transparentes revelaram o contorno das mãos nos bolsos, assim como tangas de cabedal. Se na estação passada a paleta cromática de Ackermann se impôs de forma abrupta aos clássicos fatos, aqui a fusão foi perfeita. Conjuntos em cetim azul profundo desfilaram em par pela passerelle, enquanto um par de calças verdes caminharam sozinhas. A coleção foi, se nada mais, um apelo fantástico à paciência.

Tom Ford SS26
Launchmetrics Spotlight
Numa estação de tantas estreias, Ackermann relembrou-nos que é preciso tempo para encontrar o sweet spot entre a linguagem de um designer e o léxico da maison.
Most popular


Relacionados

LFW primavera/verão 2026: um início tentativo de uma nova era da capital britânica
01 Oct 2025


