Fotografia de Luca Meneghel. Imagem do editorial de Moda The end of the f*cking world, publicado originalmente na Vogue Portugal de setembro de 2019.
Chegou o verão, com os seus cortes ousados e mergulhos prometidos. Mas, por detrás do desejo de leveza, esconde-se uma maré invisível de microplásticos. Neste mergulho entre Moda e oceano, exploramos a beleza que não compromete o planeta.
O verão aproxima-se — e com ele, a leveza do guarda-roupa. Chegou a temporada dos fatos de banho, biquínis e triquínis, silhuetas que voltam a respirar. As novas coleções de swimwear trazem cortes suspeitos, tecidos tecnológicos e o apelo a começar de novo. Mas, por detrás do brilho acetinado e das imagens de águas cristalinas, emerge outra história — e está tudo menos limpa. A maioria da Moda de banho é feita em fibras sintéticas como poliéster, nylon ou elastano — materiais derivados do petróleo que, a cada lavagem, libertam microplásticos invisíveis. Estes fragmentos escapam aos filtros das máquinas e estações de tratamento, infiltrando-se nos rios e oceanos, onde permanecem durante séculos.
Uma peça de swimwear pode parecer inofensiva, mas o impacto coletivo é devastador — para a vida marinha, para os ecossistemas e, inevitavelmente, para nós. E é esta presença quase invisível do plástico no nosso dia a dia que começa a ser quantificada de forma assustadora. Em 2023, a produção global de plástico ultrapassou os 400 milhões de toneladas, evidenciando a sua presença no quotidiano. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), a produção pode chegar a mais de mil milhões de toneladas por ano até 2050, com estimativas de cerca de 1.124 milhões. Entre 1950 e 2017, foram produzidas 9,2 mil milhões de toneladas de plástico, das quais 5,3 mil milhões foram descartadas, 2,9 mil milhões permanecem em uso e um mil milhão foi incinerado. Apenas cerca de 700 milhões foram recicladas. Estes números, destacados pela revista E do Expresso, mostram a dimensão da crise ambiental. A “Grande Ilha de Lixo do Pacífico” — com uma área três vezes maior que a França — é um símbolo visível deste problema.
Os microplásticos — partículas entre um nanómetro e cinco milímetros, menores que um fio de cabelo — vêm de fontes diversas, como cosméticos, detergentes, têxteis sintéticos, pastilhas elásticas, relvados artificiais e desgaste de pneus, e estão presentes no ar, água, solo e organismos. Os seus efeitos ultrapassam o ambiente. Investigadores já identificaram diferentes tipos de plásticos no corpo humano — incluindo no cérebro, pulmões, intestinos, órgãos reprodutores, placenta e até nas fezes de recém-nascidos. Uma realidade inquietante que reforça a necessidade urgente de repensar todo o ciclo de vida do plástico, da produção ao descarte.
Embora o impacto da Moda na poluição dos oceanos seja inegável, importa contextualizar a verdadeira origem da maior parte do plástico marinho. O enigma do “plástico desaparecido” revela que a quantidade de resíduos à deriva em alto mar é muito menor do que se imagina, sugerindo que o plástico não se perde, mas se desloca ou fragmenta em partículas quase invisíveis, acumulando-se em outras zonas ou nas costas. Segundo o relatório Global Plastic Outlook da OCDE, 83% do plástico que chega aos oceanos vem dos rios, canais naturais que carregam resíduos urbanos, industriais e agrícolas. E, apesar da atenção dada a ícones de poluição como as palhinhas, estas representam apenas uma fração mínima do total. Estudos recentes, como o liderado por Carmen Morales-Caselles, evidenciam que os maiores vilões são sacos plásticos, garrafas, embalagens descartáveis, invólucros e cordas sintéticas — materiais que refletem o consumo massificado e desregulado em várias indústrias.No contexto da Moda, os tecidos sintéticos usados em swimwear são fontes importantes de microplásticos, liberados a cada lavagem e contribuindo para a poluição marinha.
Contudo, a Moda é apenas uma peça deste vasto quebra-cabeças e, embora tenha uma responsabilidade crescente e deva avançar para soluções mais sustentáveis, os grandes volumes de plástico no oceano são fruto de um problema sistémico que ultrapassa setores e geografias. É nesta teia complexa que a indústria da Moda se insere — não como única culpada, mas como força crucial para a mudança, capaz de liderar a transformação rumo a um futuro onde luxo e sustentabilidade coexistam.
Marcas pioneiras adotam tecidos inovadores, como o Econyl® — uma fibra regenerada a partir de resíduos plásticos recolhidos em redes de pesca abandonadas e garrafas PET — celebrada em coleções de designers como Stella McCartney, sinónimo de Moda responsável. A colaboração entre a Adidas e a Parley for the Oceans destaca-se ao transformar resíduos oceânicos em peças desportivas de alta performance, provando que luxo e consciência ambiental podem coexistir. No prêt-à-porter contemporâneo, Mara Hoffman lidera pelo exemplo ao conjugar materiais reciclados e biodegradáveis com transparência total na cadeia produtiva, convidando o consumidor a refletir sobre o verdadeiro custo da moda. Também a francesa Veja reinventa o conceito de calçado sustentável recorrendo a plásticos reciclados, algodão orgânico e borracha natural, conquistando um público cada vez mais atento. A Gucci lançou a linha Off The Grid, feita a partir de materiais reciclados e sustentáveis, enquanto a Burberry se comprometeu a reduzir o uso de plástico e a melhorar a sustentabilidade das suas coleções. Também a Chanel investe em economia circular e inovação têxtil, explorando fibras naturais e recicladas. E a Prada desenvolveu a linha Re-Nylon, que utiliza nylon regenerado e apoia programas de recolha de plástico nos oceanos. São provas de que o futuro da Moda passa por uma simbiose entre luxo e responsabilidade ambiental, onde design sofisticado convive com respeito pelo planeta. Em todo o caso, no fim, a escolha de um fato de banho revela-se menos inocente do que parece.
Talvez seja hora de repensar o que significa glamour, porque não pode haver “chique" num mundo saturado de resíduos. A beleza — a autêntica — começa antes da fotografia perfeita na praia, muito antes do bronze e do chapéu de aba larga. Começa na consciência, na escolha informada, no compromisso silencioso com um futuro mais limpo. E se o verdadeiro luxo for, afinal, poder mergulhar num mar onde o plástico não chega? Se o statement do verão for a leveza — não só do tecido, mas da consciência tranquila? Num tempo em que tudo se revela, talvez o maior gesto de estilo seja proteger o que ainda permanece invisível.
Originalmente publicado no Oceans of Life Issue, a edição de junho de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.
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