Editorial Where the wild things are, da edição de Natal da Vogue Portugal, publicada em dezembro 2018.
O animal print não pede licença — invade, desafia e marca presença. Leopardos, zebras e cobras continuam a gritar força, sensualidade e rebeldia. Mas atenção: não é para qualquer armário, nem para qualquer idade. É um padrão que oscila entre o chiquérrimo e o “brega” sem pedir desculpa — e só se transforma em icónico quando usado com mestria.
Vemo-lo em todo o lado. Das salas imaculadas das maisons de luxo às montras improváveis das boutiques de bairro, quase não existe espaço comercial que resista à tentação do animal print. Uma peça, pelo menos, há sempre — intemporal, indiferente às estações e às modas passageiras, seja em versão leopardo, zebra ou cobra. É um padrão que se reinventa sem desaparecer, ocupando um lugar raro e persistente no guarda-roupa coletivo. E isto não é apenas uma impressão: um estudo da Universidade de Oxford contabilizou mais de 80 mil artigos em inglês que, ao longo de 15 anos, mencionaram o leopard print, número que sobe para quase 88 mil nos registos da LexisNexis entre 2004 e 2018. Fora do papel, o frenesim mantém-se — só no Instagram, a hashtag #leopardprint ultrapassa os 2,9 milhões de publicações. Uma prova inequívoca de que não estamos perante uma Moda efémera, mas diante de um clássico contemporâneo, capaz de atravessar épocas e reencarnar em diferentes códigos de estilo.
A sua história reforça esta longevidade. Como explica Jo Weldon no livro Fierce: The History of Leopard Print, no Antigo Egito peles de leopardo simbolizavam autoridade e divindade, usadas por faraós como emblema de poder. Séculos depois, no século XVIII, jovens dandies europeus adotaram o padrão como sinal de sofisticação e irreverência. No século XX, ícones como Jackie Kennedy, Christian Dior e RuPaul transformaram o animal print numa afirmação cultural, tornando-o símbolo de estilo e atitude. Mais tarde, nos anos 70, a disco e o punk deram-lhe nova vida, convertendo-o num padrão de liberdade e rebeldia, atravessando subculturas e estilos distintos. Nem sempre é leopardo. Ocelotes, jaguares, chitas e até tigres são muitas vezes confundidos com ele. As verdadeiras manchas do leopardo, conhecidas como “rosetas”, são círculos pretos quebrados em torno de um centro dourado; os ocelotes exibem rosetas alongadas, os jaguares têm manchas dentro das rosetas, as chitas apresentam apenas manchas simples e os tigres distinguem-se pelas riscas. Selvagem por natureza, o padrão que nos fascina foi originalmente uma adaptação evolutiva, permitindo que os leopardos se camuflassem enquanto caçavam, tornando-os invisíveis na savana.
Divino, o leopardo atravessa mitologias antigas: na Antiguidade, deuses e deusas como a egípcia Seshat, deusa da escrita e da sabedoria, ou Dionísio, deus do vinho e da folia, eram frequentemente representados com ou sobre leopardos. Régio, o padrão simbolizou poder e prestígio: chefes zulus usavam capas e coroas de leopardo, Henrique VIII proibiu os plebeus de o vestirem, Luís XIV decorou Versalhes com peles exóticas e Maria Antonieta chegou a ser retratada como “um leopardo que não muda as suas manchas” durante a Revolução. Até Napoleão e os seus oficiais incorporaram peles de leopardo em capacetes e selas.
Ousado e moderno, o padrão manteve-se nas décadas de 1910 e 1920, com casacos pesados de veludo e pele usados por universitárias e flappers, enquanto nos anos 30 estrelas de cinema popularizaram tanto o leopardo em tecido como em peles falsas, impulsionadas pelo surgimento das fibras sintéticas durante a Depressão. Sofisticado, tornou-se um ícone da alta-costura quando Christian Dior, na sua coleção de estreia em 1947, apresentou o vestido Jungle em leopardo — justo, audacioso e inspirado na sua musa Mitzah Bricard, que costumava usar um lenço do mesmo padrão. Criado em colaboração com o fabricante de seda Bianchini-Férier, o tecido tornou-se icónico, consolidando o leopardo como símbolo de sofisticação e ousadia na moda feminina. Juntamente com outras peças, como o vestido Africaine em chiffon e o conjunto Jungle, este padrão afirmava-se como assinatura da casa Dior, reinterpretado por diversos estilistas ao longo dos anos. Como dizia o próprio Dior, “Se és delicada e doce, não o uses”. Tornou-se também uma segunda pele: nos anos 50, a lingerie estampada em leopardo dominou as campanhas da Vanity Fair e, pouco depois, fatos de banho ousados seguiram o mesmo caminho, acompanhando a invenção do biquíni. Compassivo, o leopardo modernizou-se com consciência ambiental: após a proibição do comércio de peles de felinos exóticos nos anos 70, muitos adeptos da religião Shembe, em África, passaram a usar versões artificiais nas cerimónias, ajudando a preservar os animais selvagens. Irresistível ao olhar, o padrão tem um efeito primal: embora nasça da camuflagem na natureza, nos humanos provoca exatamente o oposto, destacando quem o veste. Cientistas sugerem que o achamos sexy devido à “atribuição errónea da excitação”, uma resposta fisiológica desencadeada pelo perigo que o animal representa — até o parque de vida selvagem Zufari, em Londres, chegou a proibir visitantes de usar estampado de leopardo para não agitar os animais. E, acima de tudo, é clássico. Nunca sai de Moda e continua a conquistar espaço em todas as gerações.
Em 2018, a maioria das grandes coleções de designers incluiu o padrão em todas as estações, mostrando que o leopardo — feroz, refinado e atemporal — se adapta a idades, estilos e estilos de vida, mantendo sempre a sua força e sensualidade. Mas, apesar de ser um clássico incontornável, o animal print exige cuidado e discernimento. Não é só uma questão de escolher a peça certa, mas também de prestar atenção aos materiais: não é a mesma coisa vestir um vestido leopardo de Roberto Cavalli — o mestre absoluto do animal print — ou uma peça comprada na loja dos chineses. O padrão pede toque, textura, qualidade — é isso que lhe confere poder e sofisticação.
O animal print continua a reinventar-se: mesmo os mais discretos podem incorporá-lo subtilmente, através de detalhes ou acessórios, sem perder sofisticação. Tons neutros, terrosos ou pastéis equilibram o padrão, e peças tão versáteis como saias, vestidos, casacos, jeans ou acessórios mostram que, mesmo num clássico consolidado, há sempre espaço para reinvenção e interpretação pessoal. Em 2025, como não poderia deixar de ser, a tradição mantém-se e o animal print — tal como é conhecido no universo da Moda e no vocabulário das tendências — volta a dar cartas. As melhores publicações de Moda enchem páginas sobre o tema, como é o caso deste artigo publicado na Vogue americana, que destaca a presença do leopardo nas coleções de luxo e no street style. Segundo a publicação, a procura por peças estampadas com leopardo aumentou significativamente: a John Lewis registou um crescimento de 170% nas pesquisas por "leopard print", enquanto a plataforma eBay observou um aumento de 380% na procura por "leopard print coat" entre julho e outubro de 2024. A Vogue sugere que, para incorporar o animal print no guarda-roupa contemporâneo, comece com acessórios como bolsas, sapatos ou lenços, e combine com peças minimalistas, como calças pretas ou uma t-shirt branca, para um conjunto refinado e contemporâneo. Também recomenda looks como casacos de leopardo com calças pretas e ténis, ou um casaco em pêlo sintético de leopardo com jeans de perna reta e gola alta, para um resultado clássico e moderno. No final, o animal print cumpre aquilo que promete: Sassy, Sexy, Occasionally Trashy. Poderoso, ousado, irresistível — tal como sugeria Dior, “só para os fortes”. Um padrão que exige atitude, bom senso e, acima de tudo, confiança: quem o domina transforma risco em elegância, audácia em estilo e um simples vestido em manifesto. No mundo da Moda, onde tudo é efémero, o leopardo mantém-se feroz, provocador e ligeiramente travesso — exatamente como deve ser.
Originalmente publicado no Animal Instinct Issue, a edição de outubro de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.
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