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I woke up like this

19 Jun 2020
By Ana Murcho

Há uma linha muito ténue que separa aquela t-shirt velha, amarelada, ultra- confortável, que usamos em casa no dia a dia – até há semanas desconhecida de todos os que connosco convivem – e o fato de duas peças que agora, por razões óbvias, está pendurado no armário até ordem em contrário. Essa linha chama-se pijama.

Há uma linha muito ténue que separa aquela t-shirt velha, amarelada, ultra-confortável, que usamos em casa no dia a dia – até há semanas desconhecida de todos os que connosco convivem – e o fato de duas peças que agora, por razões óbvias, está pendurado no armário até ordem em contrário. Essa linha chama-se pijama.

© Condé Nast Archive
© Condé Nast Archive

O que é que Rihanna, Cara Delevingne, Selena Gomez, Chiara Ferragni, Salma Hayek, Sofia Coppola e Gigi Hadid têm em comum? Ok, esta é fácil: dinheiro, muito dinheiro. E qual é a semelhança que as une, a elas, e a esta que vos escreve? Já todas fomos de pijama para a rua. Aliás, já todas fomos de pijama para a rua várias vezes – tanto quanto me é permitido saber pelo arquivo da world wide web, que documenta as suas vidas, já que as minhas incursões em trajes menores, ou menos aplaudidos pela eterna Joan Rivers, do programa Fashion Police, se ficam pelo disco rígido da minha memória. Antes que a leitora, ou o leitor, comece a franzir o sobrolho, explicamos.

Nenhuma de nós era, no momento em que se decidiu por esse outfit of the day, uma “mulher à beira de um ataque de nervos.” Bem pelo contrário. A julgar pelas escolhas das minhas contemporâneas, seja o Louis Vuitton estampado de Coppola ou o duas peças de seda by Morgan Lane de Hadid, todas sabíamos estar a dar um passo em frente na nossa libertação pessoal: “Hoje acordei assim e (dois ou três pozinhos de perlimpimpim depois) é exatamente assim que vou sair à rua.” Rewind para junho de 2013, a primeira vez que me aventurei nestas andanças. Saí de casa para enfrentar 12 estações de metro, um calor de ananases e os olhares menos habituados ao meu inusitado look total – composto por um pijama em seda tigresse, acabadinho de trazer do outro lado do Atlântico, da então mui popular Victoria’s Secret, uns ténis All Star pretos e um tank top minúsculo por baixo. O dia passou-se bem. Não fui abordada por nenhum estranho. A partir daí foi sempre a subir, leia-se, foi pijamas por tudo e por nada.

Não é fácil precisar exatamente quando é que começou o affair entre a Moda e esta tendência – cuja nomenclatura oscila entre pajama dressing, pajama look ou, simplesmente, pajama – mas a coleção primavera/verão 2002 da Prada parece ter sido uma das primeiras a usar como inspiração roupa de dormir. Também a Dolce & Gabbana mostra, desde há muito, versões femininas de pijamas masculinos. Na estação quente de 2009 essas foram, precisamente, algumas das propostas mais bem recebidas pelos editores e buyers presentes no desfile, que em menos de nada transportaram esses coordenados para os seus looks de street style. Resultado? Dois anos depois, os pijamas invadiam as passerelles, da Céline (o acento, à época, ainda existia) a Stella McCartney. Por essa altura, as hipóteses dessa “tendência” (e carregue-se nas aspas, porque ninguém acreditava que se fosse transformar numa tendência) vingar eram tão grandes como a possibilidade de, em pleno século XXI, passarmos boa parte dos nossos dias com medo de sair de casa – e aqui estamos. Em menos de nada, tanto raparigas de 20 anos como mulheres de 60 resolveram aderir à novidade, que então aparecia sob a forma de minirrevolução de estilo.

A italiana Marni foi das primeiras a aderir, tal como a Etro. O mesmo fizeram designers como Marc Jacobs e Armani. As cadeias de fast fashion como a H&M e a Topshop não demoraram a lançar as suas versões. Porque é que o pajama dressing, que tinha tudo para ser uma loucura momentânea, foi um sucesso? Porque é universalmente flattering, ou seja, fica bem a todos os corpos (gravidez incluída) e a todas as idades. Porque é simples, despretensioso, e se o corte e o material escolhidos forem os corretos, consegue ser simultaneamente elegante e sexy. E porque um pijama, sendo um conjunto, pode ser usado de várias maneiras: com uns saltos altos, uns brincos vertiginosos e uma postura a condizer; ou de forma mais descontraída, com uns ténis, um top de alças e o cabelo apanhado. Como plus, o pajama look oferece a possibilidade de vestir as suas peças isoladamente – as calças com uma sweat cinzenta clássica, por exemplo, ou a camisola com uns jeans.

Disclaimer: esta tendência não deve ser confundida com os hábitos de vestuário de Hugh Hefner (nada contra, só queremos lembrar que não tem nada a ver) mas, curiosamente, poderá estar ligada às manias de Julian Schnabel. Diz-se que quando Olatz Schnabel, musa e mulher do controverso artista durante 17 anos, fundou a sua marca, Olatz, em 2003, o fez tendo como inspiração o então companheiro. Schnabel, que se passeia de pijama esteja num museu em Tóquio ou num rooftop em Nova Iorque, serviu igualmente de influência para a criação da Sleepy Jones, que nasceu em 2013 pela mão de Andy Spade, marido da designer americana Kate Spade.

O mercado tem, atualmente, dezenas de nomes que se dedicam exclusivamente a este nicho, de onde se destacam a F.R.S. (iniciais de For Restless Sleepers) ou Olivia von Halle, e nas passerelles internacionais foram vários os criadores que decidiram apostar, uma vez mais, no pajama look, de Chanel a Kenzo, passando por Emporio Armani ou Marques’ Almeida. Estamos perante uma gigantesca festa do pijama, patrocinada por uma indústria que sempre nos incentivou a investir no glamour? Asya Varetsa e Kate Zubarieva, fundadoras da Sleeper – a marca começou em 2014 e ganhou um enorme impulso graças ao apoio de Franca Sozzani, que a considerou “brand of the month” – explicavam ao site The Zoe Report, em 2018, as razões da longevidade do pajama dressing: “O chamado código de vestuário tornou-se um atavismo. Atualmente, a perceção de estilo das pessoas baseia-se unicamente nas suas próprias ideias sobre beleza e conveniência. O papel da roupa na vida das pessoas também mudou. Os relacionamentos tornaram-se menos formais, as pessoas usam jeans no teatro e casam de pijama. A vida tornou-se muito mais confortável.”

E se isto fazia todo o sentido há dois anos, ou até mesmo há dois meses, faz ainda mais sentido agora, quando metade do planeta se movimenta dentro de quatro paredes, com poucas perspetivas de sair à rua para poucas tarefas que não sejam comprar pão, legumes ou reforçar a garrafeira. Se não sabemos quando, nem em que termos, poderemos voltar à nossa vida normal, o melhor que temos a fazer é pegar nos melhores pijamas que temos no armário, ou naqueles que guardamos para “ocasiões especiais”, e imitar as divas dos anos dourados de Hollywood - Lucille Ball, Elizabeth Taylor, Joan Crawford, Ginger Rogers, todas elas tinham um manancial de sleepwear que faria inveja a qualquer marca do género - e transportar essas peças para o nosso dia a dia. De certa forma, o sleepwear pode ser o novo daywear.

Não sabemos o que é que as nossas avós iam achar disto, elas que nunca saíam de casa sem retocar o batom, reforçar a laca ou escovar o casaco demoradamente. Mas como a Moda não dá ponto sem nó, há sempre um não sei quê de glamour que nunca desvanece, nem numa tendência prática como esta. O pajama look está a anos-luz de tudo o que se assemelhe, ou esteja indiretamente ligado, a materiais que devem ficar debaixo dos lençóis. Sim, isto é contigo, algodão cardado.

Texto original na edição Happy Together da Vogue Portugal, publicada em maio 2020.

Ana Murcho By Ana Murcho

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