Um icónico duo: Dita Von Teese e champanhe. A sua Champagne Glass Performance, para o lançamento do Harvey Nichols, no Dundrum Town Centre, em Dublin, Irlanda, em 2005. Fotografia: Showbizireland / Getty Images.
Isto é uma defesa pública do supérfluo. Uma declaração a favor do que brilha sem razão, do que não serve para nada — e por isso mesmo serve para tudo. Celebramos aqui os gestos que não pedem licença, os caprichos que não precisam de contexto, as decisões estéticas tomadas em nome de absolutamente nada. Porque nem tudo tem de ser útil, justificável ou produtivo. Às vezes, basta ser bonito. Ou excêntrico. Ou absurdamente prazeroso.
Declaremos, sem vergonha, o direito ao excesso. O direito à vela acesa sem motivo. Ao roupão de seda em dias úteis. Ao champanhe às três da tarde — só porque sim. Este é um manifesto a favor dos gestos excêntricos, dos caprichos deliberados, da arte de transformar o trivial em espetáculo. Que se saiba: não há nada de fútil num banho com pétalas numa terça-feira. Não há nada de errado num brinde a sós. Há, sim, uma certa lucidez em recusar a monotonia programada e insistir na beleza — mesmo (ou sobretudo) quando ninguém está a ver. Inspirados por Dom Pérignon, que disse um dia “Come quickly, I am tasting the stars!” (“Vem depressa, estou a provar as estrelas!”), propomos uma vida menos literal e mais luminosa. Um certo hedonismo com disciplina. Um luxo sensorial que não serve ao status, mas ao espírito. Sim, é o cúmulo dos cúmulos. Mas e depois? Chamam-lhe futilidade. Luxo desnecessário. O tal problema de quem não tem problemas. Mas talvez estejamos apenas a falar de uma forma sofisticada de resistência. Porque há quem medite, e há quem reorganize os copos de cristal por cor de reflexo — e ambas as práticas requerem intenção.
Sabotar a rotina com requinte é um gesto de quem escolhe viver poeticamente dentro do prosaico. Entre o roupão de linho e o de seda, qual o mais apropriado para um brunch em casa com ninguém? A resposta nunca importa. O que conta é a coreografia. Pequenos dramas domésticos com estética de ópera. Um exagero calculado que transforma o quotidiano em cenário e a vida num ato estético — ainda que ninguém a esteja a filmar. “A moderação é uma coisa fatal. Nada tem mais sucesso do que o excesso”, escreveu Oscar Wilde. E não se pode dizer que lhe tenha faltado estilo. Há algo de glorioso nos gestos desproporcionados. “Sempre nasce algo do excesso”, disse Anaïs Nin, “a grande arte nasce do grande terror, da grande solidão, das grandes inibições, das instabilidades, e sempre os equilibra.” O excesso pode ser uma forma de equilíbrio. Um antídoto contra a neutralidade da rotina. Um espelho do que se sente, mesmo que não se diga. “Resisto a tudo, exceto às tentações”, diria Wilde. E nós com ele.
Há quem defenda a simplicidade. E depois há Moira Rose, que usaria um casaco de plumas para regar as plantas. Personagens como ela — ou como a Marie Antoinette reinventada por Sofia Coppola — vivem como se cada gesto pedisse um guarda-roupa à altura. Não por vaidade, mas por filosofia. Dita Von Teese afirma que o glamour é uma forma de respeito próprio — mesmo (ou acima de tudo) quando não há plateia. E Diana Vreeland, num dos seus momentos mais lúcidos, disse que “só há uma vida realmente boa: aquela que sabes que queres e que constróis por ti própria.” Uma frase que é quase uma bênção para todos os que têm coragem de levar a beleza a sério.
Estes são os chamados champagne problems. Dilemas aparentemente ridículos, sim — mas deliciosamente escolhidos. A vela boa? Acende-se. A taça cara? Usa-se. O perfume raro? Todos os dias. Porque se a rotina é inevitável, ao menos que venha com lantejoulas, incenso e talvez uma flûte na mão. No fim, tudo regressa ao champanhe. Pela leveza, pelo brilho, pela frivolidade sublime que oferece. Há bebidas que saciam. E há bebidas que encenam. Esta última é a que interessa aqui. Beber estrelas pode não resolver nada. Mas transforma o momento. E, às vezes, isso basta. Sim, é o cúmulo dos cúmulos. Mas e depois? Manifestamos também o direito a pôr a mesa com esmero, mesmo a sós. A servir sopa em porcelana, a beber sumo em copos de cristal. O direito ao batom encarnado às nove da manhã, ao perfume antes de abrir o computador, ao banho demorado com música barroca em volume indecente. Há quem chame a isto mise-en-scène. Nós chamamos-lhe estar vivo com intenção. Sabemos que é absurdo. Mas há absurdos que salvam. A vida já vem cheia de bom senso — não é por isso que a levamos mais leve. Talvez os chamados champagne problems sejam, no fundo, microrrevoluções discretas. Contra a pressa. Contra o prático. Contra o feio. Um protesto silencioso mas perfumado, com direito a velas, bordado e um certo requinte emocional. No fim, não se trata de luxo, mas de escolha. De usar o que temos de bonito agora, em vez de o guardar para um depois que nunca chega. De viver com excesso não para impressionar, mas para sentir. Como quem decide — sem justificação possível — beber estrelas numa tarde qualquer. É excesso, sim. É o cúmulo dos cúmulos. E ainda bem. Chamem-lhe capricho. Nós chamamos-lhe viver com gosto — e com gosto, sim, de champanhe.
Originalmente publicado no Summertime Daydreams: The Escape Issue, a edição de julho/agosto de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.
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