Milan Fashion Week
Na capital da Moda italiana, os sinais da mudança na indústria totalizaram uma semana caracterizada pelas suas estreias.
Continuamos a rota da Moda. E, ainda que este trajeto seja rotineiro, esta estação não o é. Primavera/verão 2026 é a temporada que promete uma mudança radical na indústria. Com mais de uma dezena de novos diretores criativos, a estação garante uma metamorfose inédita em mais de vinte anos. Se Nova Iorque e Londres foram comedidas —um prelúdio para o entusiasmo que se aproximava—, Milão empurra-nos diretamente para o caos, para a confusão, para o entusiasmo.
Por falar em falta de preparação, a Gucci lançou a primeira pedra. Após as notícias de que Denma, o provocador da indústria, se ocuparia da marca italiana, as reações foram mistas. Na última década, o designer radicalizou a Balenciaga, tornando-a palco de todos os seus caprichos conceptuais. O que faria na Gucci? Demna fez o que faz melhor: não seguiu as regras. A sua estreia não foi apresentada como uma coleção no sentido habitual, mas em formato de um lookbook e um filme protagonizado por Demi Moore. A coleção, intitulada La Famiglia, funcionou como um mapa genético da casa. Ao contrário de Alessandro Michele, que construiu um império barroco de referências, e de Tom Ford, que redefiniu o erotismo minimalista, Demna fundiu o legado visual da marca num só gesto. O resultado é uma Gucci que não se envergonha do seu passado, mas também não o idolatra. A caricatura tornou-se ferramenta de análise. Há volume, há humor, há risco. E, talvez pela primeira vez em muito tempo, há leveza. Depois de um período de incerteza criativa, primavera/verão 2026 marca um retorno que estamos entusiasmados de testemunhar. Merecemos uma Gucci bem-sucedida e é exatamente isso que Demna promete.

Gucci SS26
Mas, e aqueles que não têm a sorte de assumir a posição de liderança numa marca com um legado menos museológico? Louise Trotter responde a essa mesma pergunta. Depois dos anos da Bottega Veneta de Matthieu Blazy, a designer britânica não apresentou um ponto de rutura, mas um exercício de continuidade. Onde Matthieu Blazy via brincadeira e fantasia—os seus sofás de peluche continuam a ser um dos marcos do seu tempo no elmo da marca—, Trotter vê maturidade. A linguagem da designer é séria, considerada. Trotter cria para mulheres que sabem quem são. A forma como esta manipula o artesanato pelo qual a marca é conhecida foi genial. Os casacos de couro com técnica Intrecciato coexistem com vestidos técnicos que são simultaneamente rígidos e leves. Mas, para além de recorrer aos códigos visuais de Bottega Veneta, a designer aborda a sua estratégia filosófica. As camisolas e saias de fibra de vidro reciclada foram o ponto alto da coleção. Entre o fazer e o pensar, Trotter desenha o espaço de uma nova sensibilidade. E Milão, que tantas vezes vive de espetáculo, parou para escutar.

Bottega Veneta SS26
Mas o silêncio nunca dura muito em Milão. Horas antes da estreia de Dario Vitale, a Versace lançou no Instagram um triptico assinado por Tyrone Lebon. Três imagens, três intenções. O novo diretor criativo regressou aos anos 80 e 90 — as décadas do nascimento do mito Versace — não para copiar, mas para atualizar o instinto original da casa: excesso como afirmação. A coleção sobressalta ombros estruturados, decotes agressivos, calças de ganga de cintura subida e joias de proporções quase cómicas. Foi pura teatralidade. A marca continua a ser a guardiã do hedonismo italiano. Essa crença, que parece cada vez mais rara na era do conservadorismo, insiste que Moda é um ato de liberdade.

Versace SS26
No extremo estético oposto, Simone Bellotti estreia-se na Jil Sander. Se Versace é maximalismo, Jil Sander é minimalismo. Para a sua estreia, o designer italiano trouxe a precisão de volta ao centro da marca. A sensualidade aparece onde menos se espera: num vinco, numa abertura minúscula nas costas, num tecido que se dobra em vez de cair. O minimalismo, nas mãos de Bellotti, é uma linguagem. Saias e calças com cortes inspirados em Lucio Fontana, com rasgos e vincos cirúrgicos, são inspiradoras. Existe uma pretensão de que o minimalismo é um movimento estético que se foca na austeridade. Bellotti desprova tais limitações. As camisolas revelaram aberturas discretas nas costas, os casacos eram cintados com intencional desordem. Até a paleta de cores utilizada (preto, cinza, azul-marinho, lilás, azul-cobalto, vermelho) foi usada como argumento. Bellotti não grita, mas isso não quer dizer que não fale.

Jil Sander SS26
Quando a Prada fala, a Moda escuta. Primavera/verão 2026 responde diretamente à saturação do presente. Ao contrário da sua coleção masculina apresentada este verão, o duo criativo por detrás da marca já não propõe fuga, mas filtragem. Miuccia Prada e Raf Simons mostram-nos como viver no caos sem sermos consumidos. O desfile abriu com uniformes azul-marinho: macacões que sugerem seriedade. Mas Prada, ainda que filosófica, não é estóica. Quase imediatamente aparecem luvas de cetim até ao ombro, saias descentradas e crinolinas amarrotadas. Golas cristalizadas apelaram ao passado da marca. Os erros tornaram-se método. As saias presas por suspensórios subvertem noções de certeza. Porque é a Moda tem de ser como é? Porque têm tops de se prender o corpo, em vez de o libertar? Prada não quer respostas, quer perguntar.

Prada SS26
E, por fim, o silêncio. Numa estação tão marcada por olás, Giorgio Armani apresentou um adeus emocional. O designer, que faleceu em setembro, apresentou a sua última coleção no ano em que a marca celebra 50 anos. Cinco décadas de revolução silenciosa condensadas num gesto de leveza. De certa forma, primavera/verão 2026 não foi diferente de tantas das coleções que o designer italiano criou. Armani tinha um ritmo. O desfile começou em tons neutros, com blazers leves e calças que se moviam como ar. Aos poucos, a cor escureceu em azuis e roxos com reflexos metálicos até atingir um tom de serenidade absoluta. Armani sempre acreditou que a modernidade está no gesto de simplificar, de facilitar. A sua última coleção mostra a dedicação de um génio que nunca comprometeu a sua visão.

Giorgio Armani SS26
Milão cumpriu a promessa de mudança. Entre a urgência das estreias e o peso das despedidas, é claro que a indústria está num ponto de viragem real. Na capital italiana da Moda, primavera/verão 2026 não foi euforia, foi uma redefinição prioridades.
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