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E não foram felizes para sempre

06 Jan 2021
By Ana Murcho

Para onde vai o amor quando chega ao fim? Ninguém sabe. Nem a ciência, que tudo explica, nem nenhum de nós. Mas há um museu que alberga restos, ou memórias, do que em tempos foram relações que tinham (quase) tudo para ser eternas. Chama-se Museum of Broken Relationships e, aqui, todos os corações partidos têm direito a contar a sua história.

O relato que abre este portefólio pertence à descrição da “peça” que alguém – um rapaz, presume-se - de Denver, nos Estados Unidos, decidiu enviar para o Museum of Broken Relationships (à letra, museu dos corações partidos). A “peça” em questão é uma cassete VHS, ou o que resta dela, símbolo da história de desamor do seu pai, que durou entre meados dos anos 90 e a sua morte, em 2009. Este item é parte do espólio, em constante atualização, de um espaço que tem tanto de intimista como de revolucionário. Mas de onde vem a ideia, algo mirabolante, de transformar uma separação amorosa num ato de catarse universal? O momento Eureka surgiu quando Olinka Vistica, produtora de eventos, e Drazen Grubisic, artista plástico, decidiram acabar amigavelmente a relação que mantinham há quatro anos. Sem saber muito bem que rumo dar a alguns objetos de valor emocional que partilhavam, como um coelho que planeavam fotografar em todas as suas viagens – e que acabou por ser a primeira peça do museu, que tem sede em Zagreb, na Croácia, e abriu as portas em 2010 – decidiram montar, em 2006, uma pequena exposição com souvenirs de quando a vida, para eles, era um mar de rosas. Foi um sucesso. O que era para ser apenas um projeto criativo tornou-se “numa jornada empática à volta do mundo.” E o resto é history in the making, porque o Museum of Broken Relationships cresceu de tal forma que já tem um segundo pólo, em Los Angeles e, a menos que o rumo da humanidade no que ao amor diz respeito dê uma reviravolta, não vai ficar por aqui. Porque não há ninguém – sublinhe-se, ninguém – que nunca tenha passado por um desgosto de amor, e é disto que o museu se alimenta, de memórias, de coisas que representam um tempo que já não existe. Ninguém sabe o que fazer ao amor que se desfaz, que se esgota, que se corrói com o tempo. Ninguém sabe como lidar com um “Já não te amo.” Ninguém sabe onde colocar esses sentimentos todos. Só o tempo poderá tratar deles, amenizá-los, dar-lhes sentido. Ou, então, há que exorcizá-los. Uma mulher turca doou uma garrafa de champanhe que, pensou, seria aberta no primeiro aniversário da sua relação, quando contava que o namorado a pedisse em casamento. Em vez disso, ele foi-se embora. A garrafa permanece intacta. O Museum of Broken Relationships vive disto: de casamentos que nunca subiram ao altar, de amores para sempre que afinal não eram para sempre, de paixões assolapadas que perderam o fôlego ao primeiro desencontro, de esperanças que se construíram a dois para se destruírem sozinhas... As “doações” são anónimas, e o seu caráter natural, e intenso, faz com que entrem diretamente no património emocional da humanidade. Para serem consideradas válidas apenas necessitam conter informações básicas como proveniência (localização geográfica), data/duração do relacionamento, e uma pequena descrição que justifique o envio da peça em questão. Face ao abismo da discórdia, aos caprichos do desejo e aos rios de lágrimas provocados por separações, há de tudo um pouco aqui. Ursinhos de peluche, algemas, máquinas de café, molduras, restos de cabelo, discos voadores... Discos voadores? Ok, não são bem discos voadores. Este “stupid frisbee”, por exemplo, cujo ex-casal viveu entre Belgrado, na Sérvia, e Zagreb, na Croácia, durante dois anos e dois meses, tem uma história peculiar. “Descrição: um frisbee idiota, comprado numa loja barata, foi uma ideia brilhante do meu ex-namorado - como presente do nosso segundo aniversário. A moral era obviamente que ele deveria levar com ele na cara da próxima vez que tivesse uma ideia tão fantástica. Como a relação agora é precedida pela palavra ‘ex’, o frisbee permanece no Museu como uma bela memória e [símbolo da] energia negativa que foi expelida. Sinta-se à vontade para levar emprestado, se desejar. PS: Querido, se alguma vez tiveres a ideia ridícula de entrar numa instituição cultural como um museu pela primeira vez na vida lembrar-te-ás de mim. Pelo menos dá uma boa gargalhada (a única coisa que conseguias fazer sozinho).” E, definitivamente, não foram felizes para sempre.  Cassete VHS destruída do casamento do meu pai . Meados dos anos 90 até 2009 . Denver, Estados Unidos da América. "Os meus pais divorciaram-se após 26 anos de casamento e, logo a seguir, o meu pai começou a sair com uma mulher do seu escritório. Ela viu ali um escape, perseguiu-o, casou-se com ele e rapidamente largou o seu emprego, para nunca mais trabalhar. Ele continuou a trabalhar a tempo inteiro, aposentou-se, e depois voltou a trabalhar para pagar os gastos intermináveis dela. Ela começou com um padrão em que dormia o dia todo e passava as noites a comprar coisas sem sentido no Home Shopping Network. Arruinou-o tanto financeira como emocionalmente. Quando ele foi diagnosticado com cancro terminal e lhe deram um mês de vida, os hábitos de açambarcamento dela impediram-no de ter qualquer serviço de hospitalização na sua própria casa. O seu seguro não cobria um internamento, apenas os cuidados médicos associados. Foi então que ela tentou colocá-lo num lar, recusando que ele usasse as suas próprias economias da reforma para pagar os seus próprios cuidados paliativos, pois isso iria ‘cortar o dinheiro que vou receber quando ele morrer.’ A minha mãe, a ex-esposa rejeitada, e a mãe dele de 91 anos, assumiram a responsabilidade de pagar o seu tratamento, no valor de 1.200 dólares por semana. O relacionamento, já tenso, só piorou com o passar do tempo. Fomos todos aconselhados pela equipa do lar a evitar qualquer contacto com a mulher dele. Quando o meu pai faleceu, não fui só eu que me recusei a ir ao funeral para evitar [encontrar-me] com essa mulher horrível, mas também a minha única irmã, os dois irmãos do meu pai, a sua ex-mulher e a sua própria mãe. Fiquei chocado (e horrorizado) alguns anos depois, quando encontrei esta cassete do casamento dele. Liguei para a minha irmã e concordámos – a cassete deve morrer. O que se vê aqui foi atropelado pelo meu carro, apunhalado com uma chave de fendas, baleado várias vezes com uma espingarda, serrado ao meio, cortado com um machado, e a própria fita foi queimada. Foi altamente terapêutico.” 2 anéis Claddagh . 1 de março de 2003 - 14 de agosto de 2017 . Cidade de Luxemburgo, Luxemburgo. "14,5 anos, quatro países e três anéis. Perdi o primeiro anel no ralo e ele substituiu-o. Parti o segundo ao tentar dobrá-lo de volta à sua forma [original] e ele substituiu-o. Cuidei do terceiro excecionalmente bem, percebendo o quão importante isso devia ser para ele. Ele deixou-me."  Telemóvel . 12 de julho de 2003 - 14 de abril de 2004 . Zagreb, Croácia. "Foram 300 dias a mais. Ele deu-me o seu telemóvel para que eu não lhe pudesse ligar mais." Anão louco do dia do divórcio . 20 anos . Liubliana, Eslovénia. "Anão do jardim. No dia do nosso divórcio, ele chegou num carro novo. Arrogante e insensível. O anão estava a fechar o portão que ele tinha destruído uns tempos antes. Naquele momento, ele [o anão] voou para o pára-brisas do carro novo, saltou e caiu no asfalto. A sua longa trajetória desenhou um arco do tempo - e este curto e longo arco definiu o fim do amor." Saco vazio de biscoitos da sorte preso a um copo Starbucks . 27 de outubro de 2013 - 10 de janeiro de 2016 . Vicenza, Itália. "Foste o meu primeiro amor. E eu queria que fosses o último. Quando recebemos aqueles biscoitos da sorte e eu abri os meus, eles diziam ‘Tens de aprender a ler nas entrelinhas’. Eu devia ter seguido esse conselho porque, nas entrelinhas, andavas constantemente a trair-me. Não é irónico?" O Machado da Ex . Berlim. “Ela foi a primeira mulher que quis ter a morar comigo. Todos os meus amigos achavam que eu precisava de aprender a abrir-me um pouco mais às pessoas. Poucos meses depois de ela se mudar, recebi uma oferta para viajar para os Estados Unidos. Ela não podia vir. No aeroporto, despedimo-nos em lágrimas, e ela garantiu-me que não sobreviveria três semanas sem mim. Voltei três semanas depois e ela disse: ‘Apaixonei-me por outra pessoa. Conheço-a há apenas quatro dias, mas sei que ela me pode dar tudo o que tu não podes.’ Fui banal e perguntei sobre os seus planos em relação à nossa vida juntos. No dia seguinte ela ainda não tinha resposta, por isso mandei-a embora. Ela foi imediatamente de férias com a sua nova namorada, enquanto a sua mobília ficou comigo. Sem saber o que fazer com a minha raiva, finalmente comprei este machado em Karstadt para aliviar parte do sentimento de perda – que ela obviamente não teve depois da nossa ruptura. Nos 14 dias das suas férias, todos os dias eu destrui uma peça dos seus móveis. Mantive os destroços lá, como uma expressão da minha condição interior. Quanto mais o seu quarto se enchia de móveis cortados adquirindo a aparência da minha alma, melhor eu me sentia. Duas semanas depois de partir, ela voltou para levar a mobília. Estava bem organizada em pequenos montes e fragmentos de madeira. Ela pegou no lixo e deixou o meu apartamento para sempre. O machado foi promovido a instrumento de terapia.” Uma bicicleta ergométrica . 14 anos . Nurmijärvi, Finlândia. "Esta bicicleta ergométrica foi originalmente um presente de Natal para minha esposa. Possui programas predefinidos como Cardio fit e Heart recovery (não funciona). Quando descobri que a minha querida esposa gosta de treinar em muito mais do que na bicicleta ergométrica, divorciei-me dela. Ela não queria levar a bicicleta com ela; presumo que o seu coração esteja em boas condições. A bicicleta está do lado de fora da porta há 18 meses, aguardando a sua localização final. E o que poderia ser melhor que este museu! O comportamento frio e calculista da parte de alguém que é a pessoa mais importante do mundo para si pode roubar a sua dignidade como cônjuge, pai e pessoa, mas apenas por um momento, pois a vida acaba por vencer no final. Rumo a um amanhã melhor." Ténis de basquetebol . 1 ano (setembro de 2009 - setembro de 2010) . Seattle, Estados Unidos. "Jogávamos basquetebol juntos. Ele era hetero; eu não. Ele costumava contar-me sobre as raparigas com que andava a sair, e isso matou-me por dentro."  Bolacha de gengibre . 1 dia . Chicago, Estados Unidos da América. “Conhecemo-nos em pleno Oktoberfest. Sou uma diplomata americana, ele é um gajo de Liverpool que trabalha em finanças, em Londres. Conectámos facilmente e trocámos os nossos amigos por um tempo a sós. Assim que saímos da barraca de biergarten começámos a rir como crianças, fomos passear, dançar, cantar, e realmente conectámos. Eu não queria um relacionamento à distância. Mas depois de muito insistir eu cedi e trocámos informações. Poucos dias depois, recebi esta mensagem: Stephanie, é difícil para mim dizer-te isto porque és uma rapariga incrível, mas podíamos deixar a cena de ser 'amigos', por favor. É verdade, estou comprometido com dois filhos e estou a passar por um momento difícil, mas sei no meu coração que a amo e quero tentar que as coisas resultem. Ter uma 'amiga' solteira e bonita só vai tornar as coisas muito mais difíceis de resolver na minha cabeça, eu acho. Muito obrigado pelos bons momentos de que sempre me lembrarei, por favor, não telefones ou envies mensagens de texto, pois temo que isso só causará problemas. Tem uma boa vida. P. ('Liverpool').” Garrafa de água benta com o formato da Virgem Maria . 1988, 2 meses . Amesterdão, Holanda. "No verão de 1988, conheci o meu amante passageiro em Amsterdão. Ele estava de passagem durante as suas viagens. Ele era do Peru e andava à descoberta da Europa de comboio. Conhecemo-nos no Buddha Disco. Pouco depois disso, encontrámo-nos na rua, ele foi para casa comigo e ficou cerca de dois meses. De repente, do nada, foi-se embora. Encontrei um bilhete de despedida e esta pequena estátua, que ele tinha trazido especificamente do Peru na esperança de encontrar um novo amor. O que ele não sabia é que, uma vez, eu abri a sua mochila e encontrei um montão de garrafas iguais. Nunca mais o vi."    

Ana Murcho By Ana Murcho

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