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Project: Vogue Union | Lidija Kolovrat, ou o talento raro de saber vestir de dentro para fora

04 Sep 2020
By Ana Murcho

Há mais de 20 anos que Lidija Kolovrat interpreta o ambiente à sua volta e o traduz em peças de roupa. Que podiam, até, ser apenas peças de roupa - mas, quis o destino e o talento, são pequenas obras de arte.

Há mais de 20 anos que Lidija Kolovrat interpreta o ambiente à sua volta e o traduz em peças de roupa. Que podiam, até, ser apenas peças de roupa - mas, quis o destino e o talento, são pequenas obras de arte.

Lidija Kolovrat © via Lidijakolovrat.com
Lidija Kolovrat © via Lidijakolovrat.com

Spoiler alert: se a marca Kolovrat, fundada em 1990, tivesse um slogan, seria undressing from the inside (numa tradução livre, despir a partir de dentro). É isso que a sua fundadora, Lidija, nos diz, e é isso mesmo que se pode ler na sua biografia, publicada no seu site oficial: I can dress you on the outsider but you need to undress in the inside (eu posso vestir-te por fora, mas tu precisas de te despir por dentro). Este jogo de palavras é crucial para perceber o conceito por detrás de Kolovrat, um universo onde a roupa é apenas a terminação de uma necessidade de compreender, e traduzir, o ambiente, a cultura, e o presente. Não é por acaso que o background de Lidija mistura Moda e Cinema, sendo o resultado final uma desconstrução que é muito mais do que apenas roupa. É arte. Nascida na Bósnia, a designer acabou por se mudar para Zagreb, onde abriu a sua primeira loja durante o último ano do curso. Há mais de duas décadas em Portugal, é reconhecida como uma artista de destaque entre nós, exibindo regularmente videoarte e instalações em galerias e museus. Como diretora criativa da Kolovrat, materializa a sua visão pessoal e dinâmica em coleções de moda exclusivas, que apresenta sazonalmente na ModaLisboa. A sua verdadeira paixão é criar peças de moda únicas e especiais para todos aqueles que procuram um estilo diferenciado, em sintonia com o seu verdadeiro eu.

“Eu não procuro a repetição, mas posso sempre buscar inspiração em algo já criado, dando-lhe uma segunda vida."

Com uma loja online onde é possível comprar as coleções de homem e mulher, e um atelier que encara como “um organismo vivo” que funciona como o coração de todo o seu negócio - que procura, tanto quanto possível, a sustentabilidade, e as peças feitas à mão - Lidija assume que, mesmo sendo uma das mais conceituadas designers a apresentar no nosso país, já por várias vezes pensou em mandar tudo ao ar. “Sim, faz parte. We all have other dreams, like becoming a teacher, healer and artist. [Todos temos outros sonhos, como ser professora, healer ou artista]. Gostaria também de aprender a fazer perfumes e trabalhar com essências florais.” Contudo, sabe que tomou a decisão certa ao seguir esta carreira, este rumo. “Agora penso que sou feliz, que tenho toda esta complexidade para fazer e desenvolver novos desafios e um forte instinto guerreiro e de sobrevivência. Desafios podem ser muito revigorantes.” Talvez seja isso que a faça não olhar para trás. Se pudesse refazer alguma coleção, gostaria de ter essa hipótese? Lidija não tem dúvidas: “Eu não procuro a repetição, mas posso sempre buscar inspiração em algo já criado, dando-lhe uma segunda vida. Reinterpretação.” É isso que está patente, por exemplo, nos chinelos Fish Slippers, ou no colar Variables, que escolhe como peças mais representativas do ADN da sua marca.

Fish slippers, primavera/verão 2020
Fish slippers, primavera/verão 2020

Recentemente, Kolovrat lançou uma espécie de cápsula, apelidada de Small is beautiful | O manifesto da saudade Abstrata, fotografada no jardim do Príncipe Real, no meio do rebuliço do dia a dia, e onde apela a um regresso às origens, a uma Moda mais orgânica, mais sincera - com mais alma. Antes disso, no entanto, tinha apresentado “oficialmente” a primavera/verão 2020 na ModaLisboa. “Nessa coleção tentei questionar um pouco o que é a sustentabilidade e inverter da perceção do que é lixo.É óbvio que estamos a criar muito lixo, e pensei, ‘Deixa-me inverter isto para algo belo’, fazendo-nos ver de uma forma diferente e dando-lhe outro valor, trazendo à tona todas estas coisas que poderão criar algo bonito e que simplesmente deitamos fora. Procuro sempre criar algo de qualidade, algo que as pessoas possam usar durante uma vida e não algo que se torne descartável. E, de momento, estou a mudar um pouco o approach da marca, produzimos todas as nossas peças com tecidos de stock premium, mais edições únicas e/ou por encomenda.” A estação fria, que ainda há-de vir, mostrada dias antes da declaração do estado de emergência, foi pensada de forma diferente. Foi como uma premonição. Em relação à última coleção apresentada na ModaLisboa, Immigrants Of The Future, foi um prenunciar de uma mudança, de um modo de pensar diferente – foi um shift. O que é exatamente o que estamos a enfrentar neste momento.” 

Seria Lidija, espírito livre, capaz de fazer uma colaboração com um colega designer português? E com quem? “Podia trabalhar com todos, é interessante cruzar diferenças!It would be fun! (risos)” E, já agora, o que é que gostaria que lhe perguntassem numa entrevista, mas nunca o fazem? “Para ser sincera, sinto falta da curiosidade pelo trabalho criativo, sobre as ideias/conceitos que estão por detrás das ‘coisas’ que crio, pelo que está por detrás da imaginação. Tudo tem um significado. Sinto-me mais vista pelo que sou do que pelo aquilo que faço. Só para exemplificar: fiz uma coleção, há muitos anos atrás, com o nome Fish In The Water onde as modelos tinham um peixe colado na boca, o que eu aqui queria representar era a poesia visual do movimento do peixe na água – a sua leveza, sendo também que o signo astrológico de Portugal é peixes – 24 abril.” É justo. Insistimos: há alguma pergunta que nunca se deve fazer a Lidija Kolovrat? “Ahahah! Depois de um desfile perguntarem-me algo como: ‘Quais as cores da coleção e qual a tendência que segui.’” É duplamente justo. Para fechar, e porque falamos com alguém com muitos anos de Moda, será que a união nesta indústria é possível ou não passa de uma utopia? “Tive um pensamento interessante, realmente os designers não se unem muito, o que de certa forma é normal, pois todos sentimos que temos de proteger as nossas ideias. Mas penso que cada vez mais vemos que existe força na união, e para dar um exemplo recente uma iniciativa por parte da Katty Xiomara em criar um comité de Moda em Portugal. E se é possível? Acho que colaborações de todo o género poderão sem dúvida dar certo, podia trazer uma evolução ao mercado, nos conceitos e sem dúvida uma frescura.” Esta entrevista, e este projeto, são disso prova. E se Lidija diz, é porque é.

Ana Murcho By Ana Murcho

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