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No Comments Issue | Lado B: Quem certifica as certificações?

12 Nov 2021
By Mariana Silva

Foi com o intuito de trazer legitimidade às declarações de sustentabilidade das marcas que nasceu um mercado inteiramente dedicado à certificação independente. A origem dessa legitimidade, porém, é que continua por descobrir.

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Foi com o intuito de trazer legitimidade às declarações de sustentabilidade das marcas que nasceu um mercado inteiramente dedicado à certificação independente. A origem dessa legitimidade, porém, é que continua por descobrir.

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Sustentável. Orgânico. Vegan. Verde. Fair trade. Responsável. A lista poderia continuar por muitas mais linhas, pois também parecem não existir limites para o vocabulário que pode ser utilizado para caracterizar um produto (pedimos desculpa pela repetição) sustentável. Quer dizer, limites até há: os da criatividade humana – acabámos de o comprovar. Já limites legais... Digamos que devem estar em processo de desenvolvimento. Devido à falta de legislação que controle as palavras escritas nos rótulos, nas etiquetas, nos websites, nas redes sociais, etc., para classificar produtos alegadamente ecoconscious, cada marca detém a possibilidade de moldar o significado dos variados conceitos da maneira que lhe for mais favorável. Expliquemos com recurso a um simples exemplo: o que é preciso para classificar uma fórmula como orgânica num produto de Beleza? É necessário que este apresente uma composição com 60, 70, 80% dos ingredientes de origem orgânica? Não se sabe, pois não existem regras uniformes e transversais que definam os critérios que justifiquem cada classificação. Para vários produtos, várias composições. Mas sempre a mesma etiqueta.

Porém, isto poderá não ser novidade para a maioria. O ceticismo ecológico é um fenómeno crescente, precisamente porque os consumidores estão cientes da desvantagem que mantêm face às marcas neste jogo de informação. Acreditar ou não acreditar? Numa sociedade utópica provavelmente não existiria esta questão, porém, no mundo real, sabemos que o mercado estava pronto para criar um novo tipo de negócio. Não o da sustentabilidade, mas o da confiança. Precisávamos de uma confirmação, de uma rede de segurança, de algo que nos sussurrasse ao ouvido “está tudo bem.” Porque, no fundo, com a desconfiança perdemos todos: perde a marca que não vende o seu produto, perde o consumidor que se sente culpado, perde o ambiente. Perde sempre o ambiente. Mas no meio de tantas perdas, teria de haver alguém que conseguisse encontrar ganhos. E assim começa a história de como a confiança se tornou numa moeda de troca, dando origem ao que hoje conhecemos como certificações de sustentabilidade.

E o que é uma certificação de sustentabilidade? Nada mais do que a resposta a todos os problemas que levantámos nas últimas linhas. Alegadamente, pelo menos. Falamos de comprovativos, criados por entidades independentes, que se dedicam a verificar as informações de sustentabilidade que são passadas aos consumidores pelas marcas. De certa forma, estas funcionam como uma terceira parte dedicada a fazer aquilo que, num mundo ideal, estaria coberto pela legislação: ao estabelecer os seus próprios critérios de avaliação, permitem que o significado das palavras se uniformize. Assim, e regressando ao nosso exemplo, havendo uma empresa dedicada a certificar a composição orgânica dos produtos de Beleza, que defina, por exemplo, que para um produto ser assim classificado precisa de ter, pelo menos, 70% de ingredientes de origem orgânica, automaticamente o consumidor saberá que qualquer produto com aquela certificação seguirá essas mesmas regras. Simples, não é? Tão simples que, mais uma vez, poderá parecer utópico para alguns. Não há como negar que as certificações de sustentabilidade vieram preencher um vazio na indústria verde, nomeadamente ao trazerem resposta a muitos dos problemas que durante décadas haviam sido levantados. No entanto, assumimos desde o início uma postura realista e será essa que manteremos até ao fim e, de facto, qualquer bom realista teria de se questionar sobre se algo poderá alguma vez representar somente soluções, sem nunca trazer consigo os seus próprios problemas. Foi assim que procurámos levantar o véu àquilo que poderia ser um outro lado das certificações de sustentabilidade, um lado que, na verdade, mostrou ser verdadeiramente um lado B.

Um dos fatores que estimulam a desconfiança dos consumidores face à veracidade das afirmações de sustentabilidade das marcas prende-se com a ideia de que estas estão a gerir um negócio e, por consequência, terão o lucro como uma das suas maiores prioridades. Pegando nessa lógica, não podemos ignorar como as próprias certificações de sustentabilidade acabam por se inserir na mesma categoria. Mesmo existindo casos de entidades independentes que se identificam como organizações sem fins lucrativos, a maioria das empresas por detrás destas certificações tem também questões monetárias para gerir. No nosso exemplo, tal verificar-se-ia no facto de a empresa detentora do produto de Beleza necessitar de pagar uma quota à empresa certificadora para poder promover a sua etiqueta. Com esta ideia, não se pretende afirmar que uma certificação é somente legítima quando não está associada a motivações económicas – tal como dissemos, aqui priorizam-se os factos e isso seria uma utopia. Porém, é importante ter em conta que, como em qualquer negócio, haverá sempre o risco de que o lucro se torne maior do que os próprios valores. E quando se fala de empresas que baseiam a rentabilidade dos seus serviços nas bandeiras que defendem, este problema passa a ganhar diferentes proporções.

Caso este ponto ainda não tenha sido suficientemente defendido, voltamos a reforçar: a sustentabilidade é muito mais do que apenas a proteção da Natureza. Este conceito atua em todas as áreas que podem comprometer o bem-estar de uma geração, desde a preservação de recursos até à prosperidade social, incluindo até o próprio progresso económico. Assim, não é possível classificar um produto como sustentável sem que este cumpra todos os requisitos que compõem o conceito de sustentabilidade. É um desafio, claro, mas não é possível afirmarmos que um produto de maquilhagem é sustentável devido à sua composição mineral, se depois esses mesmos minérios foram extraídos com recurso a trabalho infantil em países pobres. O mesmo se passará com outras indústrias: na indústria da Moda, o algodão orgânico está muitas vezes associado a trabalho forçado; na indústria da alimentação, vemos produtos naturais a estarem ligados à agricultura intensiva, que prejudica fortemente comunidades que muitas vezes já não prósperas. Certificar a composição orgânica de um produto não significará que este seja benéfico em todas as frentes. E no que concerne à temática da sustentabilidade, nenhuma frente se pode revelar mais importante do que outra.

Numa edição em que domina a abstenção de comentários, há que olhar para tudo o que aqui foi dito não como frases caracterizadas pelos seus pontos finais, mas, antes, como ideias soltas que merecem ser transformadas em perguntas. Porque, por vezes, o ato mais sustentável que podemos ter passa por questionar. Questionar as marcas, as etiquetas, as certificações, ou até mesmo as pessoas que nos rodeiam. E no seio dessa vontade, nasceu este texto como o nosso passo em frente. Por isso, questionámos: quem certifica as certificações?

Retirado da edição No Comments da Vogue Portugal, de novembro 2021. 

Mariana Silva By Mariana Silva

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