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Notícias 27. 5. 2020

Time for change: o futuro do calendário da Moda

by Rui Matos

 

Será a retirada da Gucci das Semanas de Moda aquilo que a indústria precisava para uma mudança radical?

Gucci, outono/inverno 2021 © Getty Images

Não vale a pena negar, nem muito menos passar paninhos quentes sobre este assunto: o calendário de apresentações das coleções está gasto, diríamos mesmo obsoleto - atéantes da pandemia do novo coronavírus ter tomado conta do nosso quotidiano. Primavera/verão, outono/inverno, pre-fall, resort. Nova Iorque, Londres, Milão e Paris. Todos os anos, entre fevereiro e março e setembro e outubro, a história repete-se com uma extensa entourage (que alegadamente pertence à indústria) a viajar de cidade em cidade.

Os desfiles e as apresentações são momentos importantes para as marcas, sejam elas já nomes estabelecidos no mercado ou nomes em ascensão. “Podem ser apenas 600 pessoas numa sala, mas são outras 600 a trabalhar no backstage. Acho que é um momento muito lindo e todos nos devemos orgulhar”, começou por dizer Natacha Ramsay-Levi, diretora criativa da Chloé, numa das Vogue Global Conversations, em abril passado. “Acredito que os desfiles são eventos especiais e estão aqui para inspirar e dialogar - têm um significado e devem ser autênticos”, concluiu a designer. 

De facto, não podemos discordar, os desfiles são momentos importantes, mas precisamos de tantas apresentações? Num mundo que grita por sustentabilidade, apresentar cinco coleções por ano é assim tão crucial? As coleções são vistas, partilhadas nas redes sociais e esquecidas, isto porque no mês a seguir há um novo lançamento, um novodesfile. O desejo acaba por se perder. Com tanta movimentação, torna-se impossível criar uma ligação com o objeto apresentado.

Para a Gucci de Alessandro Michele, a Semana de Moda vai deixar de ser uma preocupação, ou melhor dizendo, o calendário já não é uma prioridade. Numa das várias entradas do diário de Michele, que a marca italiana tem vindo a partilhar no Instagram, pode ler-se: “Vou abandonar o ritual desgastado das sazonalidades e dos espetáculos para recuperar uma nova cadência, mais próxima da minha forma de expressão. Vamos encontrar-nos apenas duas vezes por ano para partilhar os capítulos de uma nova história. Irregular, alegre e absolutamente livre.” Isto é, ao invés dos cinco desfiles que a marca organiza, vão acontecer apenas dois sem distinção de género e de espaço temporal, deixando assim para trás os conceitos de primavera/verão, outono/inverno, cruise e pre-fall, que segundo Alessandro são “palavra ultrapassadas.”

 
 
 
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A Gucci não é a primeira grande marca de luxo a tomar uma posição destas, mas é uma das mais influentes, conseguindo sempre um lugar cimeiro na lista das maisons que melhor feedback recebe a cada fashion week. A francesa Saint Laurent, que pertence ao mesmo conglomerado da Gucci, a Kering, anunciou a 27 de abril a sua retirada da Semana de Moda de Paris. “Mais do que nunca, a Saint Laurent vai liderar o seu próprio ritmo”, lê-se na publicação que anuncia esta decisão. “Sabemos há muito tempo que alguma coisa tinha que mudar. E agora é o momento. Não há nenhuma boa razão para seguir um calendário concebido há tanto tempo quando tudo era completamente diferente. Não quero apressar uma coleção por causa de um deadline. Quero apresentar uma coleção quando estiver pronto para o fazer”, confessou o Anthony Vaccarello, diretor criativo na Saint Laurent, numa entrevista ao WWD. 

Giorgio Armani, por sua vez, anunciou que vai mostrar a coleção masculina juntamente com a feminina, em setembro, e que o desfile de Alta-Costura de janeiro de 2021, que acontece em Paris, vai transitar também para Milão. Dries Van Noten afirmou que não vai apresentar nenhumacoleção até 2021. Mas as iniciativas do designer belga não ficam por aqui. Van Noten, com o apoio de Gabriela Hearst, Erdem Moralioglu, Craig Green, Joseph Altuzarra, Tory Burch, Jack McCollough e Lazaro Hernandez, entre muitos outros, redigiu um carta aberta à indústria a pedir uma transformação: “Concordamos que a situação atual, apesar de ser desafiadora, apresenta uma oportunidade para uma mudança fundamental e bem-vinda que vai simplificar os nossos negócios, tornando-os mais sustentáveis a nível social e ambiental e, finalmente, alinhando-os o mais perto possível das necessidades dos nossos clientes”, é possível ler na carta que o grupo publicou. 

O British Fashion Council (BFC) e o Council of Fashion Designers of America (CFDA) uniram forças para um reset. “Durante muito tempo, houve muitas entregas e muita mercadoria. Com o stock existente acumulado, designers e vendedores devem olhar para o ciclo das coleções e serem bastante criativos sobre os seus produtos e de que maneira os tencionam vender.” Isto significa “estar focados em não mais do que duas coleções principais por ano e fazer a distribuição mais perto da estação que estão inseridas.” 

Todas estas iniciativas mostram que a indústria está pronta para uma mudança, mais próxima da realidade atual. Talvez, esta seja a oportunidade de ouro de que todos estávamos à espera. Menos apresentações significa mais tempo para criar e produzir um trabalho com mais significado. Sem esquecer, claro, a questão da sustentabilidade - com esta redução vamos diminuir as emissões de carbono envolvidas nestes certames e, consequentemente, os recursos humanos e o preço que as Semanas de Mota têm no ambiente.

 
 
 
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No entanto, não nos podemos esquecer que as Semanas de Moda não têm impacto somente na indústria da Moda. Em 2019, Carolyn Maloney, representante dos EUA no 12º distrito de Nova Iorque, apresentou um relatório que afirma que a Semana de Moda de Nova Iorque era responsável por gerar perto de 600 milhões de dólares por ano, em parte devido à indústrias associadas ao eventos como é o caso da restauração e da hotelaria. Sendo que este cenário, ajustado a cada realidade, se repete nas cidades em que este tipo de eventos acontece. 

Nestas últimas semanas, temos assistido a uma vontade de mudança muito grande, quer por parte dos grandes players da indústria, quer por nomes em ascensão. E mais do que abandonar calendários, ou cancelar desfiles, trata-se de questionar aquilo que a indústria pode, e deve ser, na atualidade.

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