Opinião   Editorial  

Editorial | "The Innocence Issue", Fevereiro 2023

05 Feb 2023
By Sofia Lucas

Há algo de especial e precioso nele, e está relacionado com a inocência. Um bebé lembra-nos que todos experimentamos esse estado puro no início da nossa vida, e isso é algo que todos os seres humanos têm em comum.

“Whoever blushes is already guilty; true innocence is ashamed of nothing." - Jean-Jacques Rousseau

© Branislav Simoncik

Não sei até quando durou a minha... Na verdade, ninguém sabe… Afinal, a verdadeira inocência é a que nem tem noção dela própria, mas reconheço-a como algo que me desarma, que baixa qualquer defesa, como uma memória doce de algo distante: quando estou junto a um bebé, no olhar puro da minha cadela, ou quando olho para alguém a dormir, abandonado num sono profundo... Porque aí, mesmo o pior vilão é um retrato puro de inocência indefesa. Fernando Pessoa dizia: “Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não se dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.”

A magia inocente, e consensual, que emana de um bebé, gera uma sensação de admiração, talvez pela sua chegada recente de um lugar desconhecido e divino. Há um elemento de mistério em torno do nascimento e da expectativa sobre o futuro. Do nada, um ser minúsculo, novo e único, entra no mundo como uma tela em branco, onde as cores e as texturas da vida ainda não se mostram. Há algo de especial e precioso nele, e está relacionado com a inocência. Um bebé lembra-nos que todos experimentamos esse estado puro no início da nossa vida, e isso é algo que todos os seres humanos têm em comum. Os recém-nascidos não têm agenda, não estão cientes de jogos ou de manipulação, só nos querem fazer saber se estão com fome, cansados ou desconfortáveis. São a personificação da confiança, que nos permite amar sem pretensões, promessas ou defesas. Somos atraídos pelo começo e pela novidade da vida, pelos sonhos e por todas as possibilidades em aberto.

A inocência pueril encontra alegria nas coisas mais simples, descobre a magia nas coisas que a maioria de nós acha óbvias ou até invisíveis. A inocência confia que tudo ficará bem. A inocência mostra-nos que o medo e a preocupação perpétuos não fazem parte do nosso eu original. A inocência pode desaparecer, mas no nosso fundo continua guardada, como se esperasse indefinidamente por um sinal de paz, uma bandeira branca, como uma trégua de esperança que todos buscamos neste mundo conturbado. Na verdade, a tela branca continua a servir de base para as nossas vidas, e a nossa esperança infantil nunca desaparece por completo. Na maioria dos casos está trancada a sete chaves, como forma de sobrevivência, num mundo demasiado hostil, e é algo que podemos escolher a qualquer momento, é algo que a qualquer altura podemos redescobrir e abraçar. Se o preço da sabedoria é a inocência, à medida que nos tornamos mais sábios ficamos, tristemente, menos inocentes. Mas à medida que envelhecemos talvez nos seja possível encontrar a sabedoria que nos leva de volta à inocência, provavelmente como uma evolução e preparação natural, já que nos aproximamos do regresso ao lugar desconhecido e divino de onde viemos. E voltamos a ser tocados por esse encantamento inocente, que nos deixa voltar a ver o fundo bom que existe nos outros, em nós próprios e a magia no mundo.

Originalmente publicado na edição The Innocence Issue da Vogue Portugal, de fevereiro 2023.For the english version, click here.

Sofia Lucas By Sofia Lucas

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