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É hora de deixar de "combater" o envelhecimento na Beleza

14 Jan 2022
By Mariana Silva

Anti-idade. Antirrugas. Antienvelhecimento. Anti. Anti. Anti. Há muito que a indústria cosmética declarou guerra ao envelhecimento. Mas se estamos a combater algo inevitável e comum a todos, não será esta uma luta perdida desde o início?

Anti-idade. Antirrugas. Antienvelhecimento. Anti. Anti. Anti. Há muito que a indústria cosmética declarou guerra ao envelhecimento. Mas se estamos a combater algo inevitável e comum a todos, não será esta uma luta perdida desde o início? For the english version, click here.   Envelhecer ou não envelhecer? Não, não é bem uma questão. Por muito que o queiramos considerar como tal, o envelhecimento não é uma escolha — é um processo natural, comum a todos, e sobre o qual a nossa capacidade de controlo é praticamente inexistente. Mesmo que, aqui, “praticamente” funcione como uma palavra-chave. Embora ainda ninguém tenha descoberto o verdadeiro elixir da juventude, não é preciso muito para enumerar um conjunto significativo de tratamentos e produtos de Beleza cujo principal propósito é minimizar sinais de envelhecimento. E as opções não param de crescer, nomeadamente na área da intervenção estética. “Na minha prática clínica, a aplicação de toxina botulínica continua a ser o tratamento mais procurado”, avança a Dra. Júlia Vide, dermatologista na clínica Prof.a Sofia Magina. Toxina botulínica, also known as botox, funciona como um bloqueio do impulso nervoso que, ao ser injetado em pequenas quantidades nos músculos do rosto, reduz temporariamente a proliferação de rugas na pele. Mas a prática de medicina estética já evoluiu muito para além deste procedimento. Segundo a dermatologista, “outros tratamentos cada vez mais procurados são a radiofrequência com microagulhamento para estimulação da produção de colagénio, os lasers para remoção de pequenas manchas e vasos superficiais, os preenchimentos com ácido hialurónico ou bioestimuladores de colagénio e a mesoterapia com polivitaminas.” As opções são cada vez mais variadas, o que ajuda igualmente a amplificar o tipo de público que as procura. “A mulher de 40-50 anos continua a ser o perfil de paciente mais frequente”, afirma a especialista, ainda que a difusão de informação tenha resultado num aumento da procura em faixas etárias cada vez mais baixas e, também, junto do público masculino. O que, para Júlia Vide, revela as suas nuances positivas, dado que “atuar na prevenção é a forma mais natural e eficaz de minimizar os efeitos da idade.” Mas quanto mais se fala sobre as vantagens e evolução deste tipo de intervenções estéticas anti-aging, mais essencial se torna clarificar de onde surge a necessidade de esconder algo que sabemos ser tão natural e, mais do que isso, inevitável. Ainda que a passagem do tempo esteja longe da nossa área de controlo, se há algo sobre o qual mantemos o nosso poder será a postura que adotamos face ao envelhecimento. Aceitar ou não aceitar? Isso sim, já é uma questão. E é a questão sobre a qual nos devemos debruçar, pelo menos até não se encontrar uma tecnologia capaz de reverter os efeitos do decorrer natural da vida.  (...) embora seja algo inato ao ser humano, o envelhecimento continua a ser encarado como “sinónimo de degeneração física, invalidez, doença e perda.”  “O preconceito associado ao envelhecimento, as descrições pejorativas, os estereótipos criados ou a discriminação de pessoas com base na sua idade (idadismo) são algo que existe há séculos.” Quem o diz é Débora Correia, Psicóloga Clínica na Academia Transformar, sublinhando que, embora seja algo inato ao ser humano, o envelhecimento continua a ser encarado como “sinónimo de degeneração física, invalidez, doença e perda.” E nem para a indústria cosmética isso é exceção. Melhor, a indústria cosmética desempenhou o seu próprio papel ao perpetuar essa associação. Dos filtros que deixam a pele #flawless às fotos que nunca são publicadas sem antes sentirem os resultados da varinha mágica do Photoshop, sabemos que os padrões de Beleza do momento elevam a juventude quase ao estatuto de divindade – se bem que nem a verdadeira juventude é aceite em pleno, pois esta pode não ter linhas de expressão visíveis, mas tem acne e outros variados hormonais não muito desejados. Observamos assim a proliferação de produtos e tratamentos que, por um lado, contribuem para atingir o ideal de pele jovem, mas que, por outro, nos fazem “questionar ainda mais a forma como estamos a envelhecer”, tendo “impacto na nossa autoestima e na forma como nos vemos e percecionamos”, explica Débora Correia. Para a psicóloga, quando tentamos encaixar as consequências do nosso envelhecimento num padrão socialmente aceite, “alimentamos as nossas lentes críticas, a culpa, aumentando níveis de desconforto, frustração, angústia e até ansiedade”, o que, em casos mais extremos, pode levar ao isolamento, numa tentativa de nos escondermos de quem nos observa. Com o intuito de explorar os motivos que estão por detrás da minimização dos efeitos visíveis da idade, regressemos por momentos ao mundo dos tratamentos anti-aging. O que leva uma pessoa a recorrer a este tipo de procedimentos? “As intervenções estéticas acontecem, habitualmente, com o intuito de fazermos melhorias em nós que nos façam sentir mais confortáveis na nossa própria pele”, esclarece Débora Correia. No entanto, podem ainda existir outro tipo de preocupações: “Agradar a terceiros, parecer-se com alguma figura pública ou com alguém que se admira ou até porque não se consegue viver com a ideia de se poder perder a imagem que sempre se teve ou até idealizou.” No seio da sua experiência, também a dermatologista admite que, embora as principais motivações sejam estéticas, estas se traduzem, mais tarde, “num benefício psicológico e social”. Para tal, Júlia Vide apresenta um exemplo recorrente nos dias de hoje, em que os nossos contactos sociais passam muito pelo digital: “Com o crescimento das redes sociais e das videoconferências, a visualização constante da própria imagem realça pormenores, até então despercebidos pelos pacientes, que os incomodam e que podem ser melhorados.” Afinal, olhar para o envelhecimento como algo negativo tem um lado positivo: o lado monetário. Ainda que a pandemia possa ter impactado negativamente o desempenho temporário de clínicas de intervenção estética, já que muitas foram obrigadas a fechar, o mercado global de produtos e tratamentos anti-idade encontra-se em permanente crescimento. Em 2020, este valia perto de 60 mil milhões de dólares a nível mundial, um valor que se prevê que ultrapasse os 80 mil milhões de dólares nos próximos cinco anos — algo que se deve não apenas ao aumento da população pertencente a faixas etárias mais elevadas, mas principalmente à crescente preocupação com a aparência física. Afinal, olhar para o envelhecimento como algo negativo tem um lado positivo: o lado monetário. Ignorando o óbvio sarcasmo que caracteriza a última frase, o envelhecimento será sempre uma moeda de duas faces. E uma questão de cara ou coroa, em que a cara representa as consequências físicas e visíveis desta tendência, como a perda de firmeza na pele ou o aumento da visibilidade das linhas de expressão no rosto, e a coroa remete para o respeito e admiração que advêm de uma tão vasta experiência de vida. Para Débora Correia, o envelhecimento é inegavelmente “um processo marcado por alterações a nível psicológico, biológico e social que impacta o comportamento da pessoa, assim como os seus diferentes contextos, mas que não torna ninguém menos relevante ou válido.” De acordo com a psicóloga, “existe um foco em tudo o que se perde à medida que envelhecemos em detrimento, por exemplo, de uma maturidade e sabedoria que se adquirem com a experiência e a idade.” Se o envelhecimento acabará por impactar a autoestima de quem o vive? A resposta mais natural será positiva, até porque, como já foi referido, encontramo-nos integrados numa sociedade que glamoriza a juventude, a autonomia ou a independência, encarando esta última fase da vida “como um processo que está diretamente relacionado com a perda de status e reconhecimento.” Todavia, também está nas nossas mãos combater isso mesmo, colocando a verdadeira guerra onde esta é mais necessária: no combate à discriminação com base na idade, na promoção do envelhecimento ativo e, até, na procura de tratamentos anti-idade que tragam benefícios não somente visíveis no exterior, mas sentidos no interior. Júlia Vide acredita que os tratamentos estéticos “têm de ser naturais e harmoniosos, com o objetivo de rejuvenescer e não de modificar a aparência natural”. Débora Correia, por seu lado, conclui que “a motivação para a cirurgia ou procedimento estético deverá resultar de um lado de autocuidado e respeito por nós mesmos, pela nossa história, por quem somos e não de um lado que não respeita o envelhecimento, que quer encaixar ou que simplesmente rejeita aquele que é o curso natural da vida.” Há mesmo uma guerra a ser combatida, mas vai muito para além de um mero combate às rugas, é um combate ao preconceito. No fim de contas, esta não é uma questão sobre envelhecer ou não, mas sim sobre como abrimos os braços a uma nova fase da nossa vida. Se tal é feito com recurso a cremes e tratamentos que estimulam a produção de colagénio, isso dependerá de cada um, desde que se mantenha em mente que existem efeitos inevitáveis da passagem do tempo que não se podem reverter. Mas, na verdade, porque é que havemos de os querer reverter? O tempo deu-nos rugas, sim, mas também nos deu memórias e uma vida recheada de histórias para contar. Do outro lado do espelho está a outra verdade, aquela que nos mostra como é bom envelhecer. Publicado originalmente no Time issue da Vogue Portugal, de dezembro/janeiro 2021-22.

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