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New burgeois: a grande tendência deste outono/inverno

30 Dec 2019
By Ana Murcho

As meninas boas vão para o céu, as más vão para todo o lado. Mas, agora, vão para todo o lado vestidas com elegantes camisas de laçada, blazers de quadrados e calças de cintura subida com pinças ultramarcadas. É um adeus às armas, ou melhor, ao streetwear, que se vai despedindo sorrateiro dos nossos armários em prol de um novo chique.

As meninas boas vão para o céu, as más vão para todo o lado. Mas, agora, vão para todo o lado vestidas com elegantes camisas de laçada, blazers de quadrados e calças de cintura subida com pinças ultramarcadas. É um adeus às armas, ou melhor, ao streetwear, que se vai despedindo sorrateiro dos nossos armários em prol de um novo chique. 

Celine, outono/inverno 2019 © ImaxTree
Celine, outono/inverno 2019 © ImaxTree

Quarta-feira à tarde de outubro e uma das mais conhecidas lojas de fast fashion do país (e do mundo) está cheia de raparigas que ainda não chegaram à puberdade, acotovelando-se entre charriots de roupa que parece pertencer às suas avós. Ok, às suas tias solteironas com (alguma) pinta. Há um grupo de mulheres adultas, no qual me incluo, que tenta romper por entre a barafunda, sem êxito. Não, não estamos em plena época de saldos nem na véspera de Natal. A única coisa invulgar, aqui, são as “novidades da semana”, ou as peças que há poucos dias aterraram neste espaço de consumo: em vez do néon, dos dos ténis chunky, dos jeans rasgados e das tracking pants de outras estações, agora há um sem fim de blazers, vestidinhos midi, calças com pinças e blusas de gola subida. 

Um ataque descarado da Moda Modesta? Nada disso! Isto é apenas a chegada, ou o regresso, de uma velha tendência, a que gostamos de chamar de new burgeois. Podia ter saído das páginas da revista Town & Country dos anos 70, mas na verdade saiu das passerelles de todo o mundo, principalmente das de Paris, onde Hedi Slimane transformou a Celine numa incubadora de pequenas burguesas. 

“Pequenas burguesas?”, pergunta a leitora, enquanto abana a cabeça, incrédula. É isso mesmo. Se quiséssemos ser simplistas (e não queremos), diríamos que o bege está de volta, e que esta cor, associada ao conservadorismo, ressurge com um twist matreiro, quase colegial. Porque este é, acima de tudo, um estilo elegante e discreto. Inspirado na burguesia parisiense dos anos 70, a sua gama cromática oscila entre os tons mostarda, castanhos, os azuis escuros e os marrons. No fundo, tudo o que esperamos de um guarda-roupa de outono blasé e polido. Chato? Os casaquinhos dourados com lantejoulas (Celine, acertou), que chamam alto e bom som pelas meninas mais malcomportadas, impedem tal afirmação. Esta é, acima de tudo, uma tendência ideal para o dia a dia, para os chamados looks de trabalho, muito pela sua sobriedade e classicismo. Por isso não, não é chata, nem boring, é adulta. 

Veste mulheres de qualquer idade - como as raparigas que lutavam pelas camisas de laçada da loja de fast fashion mencionada acima. Há qualquer coisa de grown-up nos blazers de xadrez tamanho XL que fazem as saias de pregas pelo joelho parecerem menos rock and roll e mais compostas. Não é tanto working girl mas brunch woman que, por acaso, também passa umas horas num daily job. É a versão atualizada do velhíssimo bon chic, bon genre. E, como tal, esteve em todo o lado, da já mencionada Celine a Max Mara, Balenciaga, Louis Vuitton, Burberry ou Fendi. 

Tudo isto pode parecer-nos casual e esporádico, mas há quem encontre motivos para este surgimento repentino de um certo chique. “A tendência a que se refere é uma heritage trend, impulsionada pela nostalgia, e parte de um conceito de tendência que chamamos Reconstructed Legacy [em português, legado reconstruído]. Muitas vezes vemos um recuo ao olhar nostálgico durante períodos de stress e tensão. Há conforto no familiar, quando as pessoas estão ansiosas com o futuro. De momento, isto relaciona-se com tudo, desde a turbulência política, a incerteza económica e a emergência climática global. Isso destaca-se nos looks clássicos e tradicionais, que vão do casual dos anos 70 a propostas mais sofisticadas de casas de luxo como a Burberry e a Balenciaga. No entanto, é importante observar que o património e a aparência nostálgica ainda precisam de um elemento de novidade, precisam de ser reformulados e reposicionados para o consumidor de hoje – daí a ideia de legado reconstruído.” As palavras são de Carla Buzasi, managing director no WGSN (Worth Global Style Network), um dos maiores observadores de tendências do mundo, em entrevista à Vogue. 

Carla Buzasi, que está habituada a estudar os fenómenos que regem a indústria da Moda, não tem dúvidas sobre as nuances deste novo glamour. “A proliferação dos tons castanhos esconde alguns fatores por trás. Nós vemo-la como uma nova expressão de luxo em castanhos ricos e profundos. Os tons terra relacionam-se fortemente com uma conexão com a terra e o planeta, que está a ser sentida com tanta intensidade quando tentamos encontrar o nosso caminho em plena emergência climática. E os tons bege e camel estão ligados com o regresso ao minimalismo, à medida que os consumidores começam a questionar os seus hábitos de consumo e a adotar um estilo de vida mais simples e considerado.” 

Mas façamos um pequeno fashion rewind para contextualizar a coisa em termos históricos. Chloé foi uma das precursoras do estilo burguês, nos anos 70, quando Karl Lagerfeld estava à frente da Maison. À época, era um look conotado com um lado rebelde e não tradicional. Sim, está a ler bem. Era um ideal de mulher meio rebelde com causa, meio foxy lady. “Representava uma mulher acomodada, mas não conservadora. Não era a velha burguesia de Versalhes, mas a que participou no Maio de 68. Os criadores tomam como referência uma mulher endinheirada, mas aventureira, que não tem receio de enfrentar o caos, tal como a protagonista de Belle de Jour”, explicou Florence Muller, historiadora de Moda e conservadora do Museu de Arte de Denver, ao suplemento do jornal espanhol El Pais.

“É uma tipologia feminina alternativa à sobre-exposição do corpo. Com a visão burguesa da feminilidade, a mulher pode ir mais ‘tapada’ mas isso não impede que, debaixo dessa aparente frieza, esteja uma sexualidade tórrida”, acrescenta. Os hits, ou seja, aquilo que vamos querer adicionar às cestas de compras virtuais de cada uma de nós? Todo o tipo de quadrados e xadrez (olá, Príncipe Carlos), tecidos como o tweed, a seda, os bordados, as saias midi (preferencialmente de pregas), os vestidos em linha A pelo joelho, blazers (não há um número máximo, é comprar até não ter espaço), casacos de malha, trench coats faça-chuva-ou-faça-sol, calças de pinça em tons invulgares (aposte no castanho, sem medos), golas subidas, botas altas de pele, lenços estampados (bónus se estiverem “colados” ao pescoço), acessórios sóbrios (brincos de família, precisam-se). 

É para usar com cabelos ultra-lisos, de risco ao meio, ou num apanhado aritmeticamente perfeito, mas sempre natural. Como a maquilhagem, que só abusa dos tons nude e daquele glow que, supostamente, todas temos ao acordar. Resumindo, é tudo uma questão de sobriedade. Não se aconselha a dias pós noitadas nem a maratonas de binge watching. A ideia é entrar numa sala e ser confundida com a melhor versão da Melania Trump, antes de ter entrado num solário e numa sala de cirurgia. 

Tiffany Hsu, fashion buying director do site Mytheresa, tem opiniões muito formadas sobre este regresso do bon chic, bon genre – que ela própria já adotou, como demonstram as dezenas de fotos de street style em que é protagonista. “Acho que esta tendência esteve sempre presente, mas a influência do streetwear domina o mercado há tanto tempo que as marcas estão agora a tentar oferecer uma estética diferente e mais sofisticada.” Será uma tendência aborrecida? “De forma alguma! Acho que isto são musts intemporais do guarda-roupa e, pessoalmente, adoro. É uma tendência muito versátil e esses produtos básicos de luxo podem facilmente dar ao nosso guarda-roupa uma atualização sofisticada.” E é, principalmente, uma tendência moderna. “Não consideraria necessariamente esta tendência como burguesa [no sentido literal da palavra], já que a Burberry de Riccardi Tisci tem um toque moderno e é mais sexy.” De facto, a versão burguesa do italiano foi mais mulher fatal do que menina inocente. 

Daí a seguinte resposta de Hsu: “Se tivesse de escolher alguém que encapsulasse essa tendência, escolheria Julie Pelipas ou Pernille Teisbaek.” Depois de tantos anos de “moda prática”, será que esta pretensa sofisticação pode afastar os millennials? “Julgo que esta tendência tem realmente um grande potencial entre os millennials, pois ainda oferece um nível de conforto e facilidade que eles procuram. Além disso, em marcas como Maison Margiela ou Bottega Veneta, a tendência possui ótimos detalhes de design que chamam a atenção de qualquer cliente experiente de moda, independentemente da idade.” Prova disso são os novos básicos, perfeitos para nos apoderarmos dela. “Investiria num bom trench coat Maison Margiela, num par de mules de couro da Bottega Veneta e em algumas correntes de ouro clássicas da marca Copenhague Elhanati.” 

Julie Pelipas © ImaxTree
Julie Pelipas © ImaxTree

Escolhido o guarda-roupa para o inverno que se avizinha, é urgente parar e questionar o que tudo isto significa, em termos práticos. Será que a paranoia do athleisure e do streetwear estão a chegar ao fim? Nim. Depois da entrada em cena destas duas tendências, em 2015, parece que a “moda de rua” perdeu a capacidade de influenciar a sociedade – ou talvez a tenha cansado, simplesmente. Até que ponto é que o estilo burguês pode ser encarado como movimento contra cultural, à semelhança dos seus antecessores? É uma boa questão. 

Se em tempos de ambiguidade a subversão do guarda-roupa se tornou a norma, o look burguês, mais cuidado, torna-se de novo moderno. Quase excêntrico. “Outro elemento desta tendência é a mudança para uma nova feminilidade. Até certo ponto, isto [reflete] um cansaço com o streetwear, ou talvez com mais precisão, o streetwear está a redimensionar-se de forma correta e as marcas que não eram adequadas para ele estão a voltar à sua herança de looks femininos. Uma vez mais, isso está geralmente relacionado com a incerteza económica. Se as pessoas estão preocupadas com os seus empregos, e com as finanças, elas acabam por se afastar de uma aparência casual para algo mais sofisticado e, em última análise, mais profissional. Há, também, uma celebração da feminilidade, e é aí que vemos o regresso dos vestidos, as camisas com grandes mangas e os casacos apertados na cintura. Parece novo e excitante outra vez, principalmente para uma geração que cresceu em leggings e ténis.”

Não fomos nós que dissemos, foi Carla Buzasi, mas depois do que vimos naquela loja de fast fashion somos obrigados a concordar.

 

Artigo originalmente publicado na edição de dezembro de 2019 da Vogue Portugal.

Ana Murcho By Ana Murcho

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