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Tendências 31. 8. 2018

Are we humans?

by Mónica Bozinoski

 

Que limites estaríamos dispostos a ultrapassar em nome da modificação do corpo se o processo fosse tão simples como trocar de roupa todos os dias, ou aplicar maquilhagem no rosto todas as manhãs? Esta é a pergunta que A. Human, um novo projeto experimental fundado por Simon Huck, quer ver respondida.

©Instagram

Há sete anos atrás, numa altura em que ter o rosto tatuado ou exibir marcas que quebrassem as barreiras do convencional estava longe de ser socialmente aceite, Lady Gaga decidiu desafiar o mundo com Born This Way. Ao longo de sete minutos e dezanove segundos, a narrativa visual da faixa encenava um universo onde a diferença não era escondida por vergonha, culpa ou preconceito, mas antes celebrada - e, para a cantora norte-americana, isso significou levar a ideia de modificar o corpo mais longe do que pintar o cabelo com todas as cores do arco-íris ou furar o nariz com um piercing

Os ossos extremamente saídos no rosto e nos ombros de Lady Gaga começaram a levantar questões, com suspeitas de que a cantora teria sido submetida a cirurgias plásticas, modificando o seu próprio corpo para o videoclipe de Born This Way. Os rumores foram negados pela própria. "É uma expressão artística", defendeu Gaga em entrevista à Harper's Bazaar. "Nunca encorajei os meus fãs ou qualquer outra pessoa a magoar-se a si própria, da mesma forma que não romantizo comportamentos masoquistas. A modificação corporal faz parte da análise compreensiva de Born This Way. No videoclipe temos a presença do Rico, que tem o corpo tatuado dos pés à cabeça. Ele nasceu assim. Apesar de não ter nascido com tatuagens, o destino dele era transformar-se no homem que é hoje". 

Lady Gaga impulsionou a discussão, mas não era a primeira vez que a modificação corporal era tema de conversa e controvérsia. Nos anos 90, a artista performativa francesa Orlan ficou conhecida pelos seus implantes temporários no rosto e no corpo, aplicados através de cirurgias cosméticas. "O meu trabalho é uma luta contra a natureza e contra a ideia de Deus... a inexorabilidade da vida, uma representação baseada no ADN. E foi por isso que me submeti a cirurgias plásticas; não com o intuito de melhorar ou rejuvenescer a minha aparência, mas sim de criar uma imagem e identidade totalmente diferente", disse a artista sobre a sua estética artística, citada pela i-D. "Declaro que dei o meu corpo à arte. A ideia é levantar o problema sobre o corpo, o seu papel na sociedade e nas gerações futuras, por via da engenharia genética, para nos prepararmos mentalmente para este problema", concluiu. 

As nossas convenções e ideais, a par com aquilo que consideramos bonito ou atraente, mudaram drasticamente desde então - incluindo a forma como olhamos para a modificação do corpo. Nos dias de hoje, vemos um rosto totalmente tatuado, um cabelo em tons de cor-de-rosa ou um nariz furado através de uma lente de normalidade. São escolhas individuais e pessoais que se transformam numa extensão de quem somos. Ultrapassámos certos preconceitos, mas continuamos a ser humanos. Vamos continuar a querer mais. Vamos querer inovar continuamente. Vamos querer procurar e encontrar novas formas de transcender a nossa própria condição. Mas até onde estaremos dispostos a ir? 

Esta é a pergunta que A. Human, um conceito experimental fundado por Simon Huck, pretende responder com uma nova exposição interativa, que estará em exibição na cidade de Nova Iorque a partir do próximo dia 5 de setembro, durante quatro semanas. Em colaboração com mentes criativas como a maquilhadora Isamaya Ffrench, a diretora criativa Nicola Formichetti e o diretor teatral Michael Counts, o projeto tem como objetivo examinar a ideia de que, à medida que a tecnologia avança, a nossa relação com o nosso corpo irá também sofrer alterações significativas, com a modificação corporal a transformar-se numa noção tão permutável como a roupa que vestimos todos os dias. 

 
 
 
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"Não queríamos que estas modificações fossem baseadas nas inseguranças ou nos desconfortos que existem na sociedade", revelou Huck em entrevista à edição americana da Vogue. "O projeto A. Human é sobre a liberdade de explorar este mundo, e viver neste mundo da forma que entendermos". Essa liberdade chega com a oportunidade de, ainda que num futuro certamente distante, podermos trocar os nossos sapatos de salto alto por implantes permanentes em forma de concha, aplicados nos pés. 

Nomes como Kim Kardashian West, que exibiu uma choker com ilusão de um implante à volta do seu pescoço, cujo movimento acompanhava os seus batimentos cardíacos, a par com Chrissy Teigen, Tan France ou Andreja Pejic já partilharam algumas peças da autoria de A. Human nas suas redes sociais, que pretendem iniciar uma discussão sobre o futuro da sociedade, e particularmente sobre o futuro da indústria da Moda.

"Quando pensamos no futuro, pintamos um cenário negro e distópico - imaginamos uma série de imagens deste género na nossa mente. O meu objetivo nunca foi criar um mundo utópico, mas antes criar um mundo otimista ou, no mínimo, um mundo neutro", esclareceu Simon Huck sobre as motivações da nova exposição interativa e teatral, em entrevista à edição americana da Vogue. "Queríamos usar o futuro da Moda e o futuro da auto-expressão como uma forma de olhar para o próprio futuro. Foi assim que a ética de A. Human se formou".  

"A Moda é mais do que as roupas que vestimos, também é sinónimo das escolhas que fazemos sobre o nosso corpo, e a forma como nos queremos apresentar ao mundo", defendeu Nicola Formichetti, que colaborou com Lady Gaga em Born This Way e contribuiu para a exposição de A. Human com uma peça onde os ombros exagerados cruzam a estética da cantora norte-americana e a estética de Alexander McQueen. "Gosto de quebrar as fronteiras daquilo que consideramos Moda e encontrar os limites da auto-expressão". 

Entre a fantasia e a ficção científica, entre aquilo que é humano e aquilo que é extraterrestre, entre aquilo que é realidade e aquilo que é ficção, o objetivo de A. Human não é criar um projeto Instagram worthy, mas antes um conceito que deixe as pessoas a pensar, a falar, a questionar. "Claro que a partilha de conteúdo é importante para nós", defendeu Simon Huck. "Mas o nosso verdadeiro desejo é atingir um ponto que leva as pessoas a colocar questões quando saem da exposição", concluiu. Ainda que muito longínquo, e não tão imediato como a sustentabilidade ou o aluguer de peças, o futuro da Moda pode reservar uma indústria onde modificar o corpo será tão normalizado como trocar de roupa todos os dias: quem sabe se, daqui a cinquenta anos, não estaremos a discutir se implantar asas no tronco merece 100 ou sem pontos? 

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