Moda   Notícias  

A criatividade pertence aos mais fortes

28 Jun 2021
By Mariana Silva

É um caso de David contra Golias. Contudo, na indústria da moda, David não vence.

A apropriação do trabalho de pequenos designers pelas grandes marcas não é recente, mas as redes sociais trouxeram um rasgo de esperança àqueles que, até agora, não tinham nenhum poder.

“I work, they watch and copy.” Leia-se: eu trabalho, eles veem e copiam. Foi esta a conclusão a que Lara Luís chegou quando viu uma das suas ilustrações impressa numa t-shirt à venda por seis euros no site de compras online Shein. Embora não soubesse, essa seria apenas a ponta do iceberg. Após ter exposto o caso nas redes sociais, foi uma questão de horas até que a artista portuguesa descobrisse a sua ilustração disponível em múltiplas plataformas e impressa nos mais diversos objetos, sem nunca receber créditos pela mesma. Desde canecas a quadros, a criatividade encontrava-se em tudo - menos, é claro, na ilustração em si.

A cópia já não é um assunto novo junto dos designers e artistas portugueses. Ainda em março, uma onda de revolta deu-se nas redes sociais após a descoberta de que Tory Burch vendia camisolas em grande parte similares à camisola poveira, tradicional da Póvoa do Varzim. E tal exposição digital surtiu efeitos. Não demorou muito até que a designer norte-americana admitisse publicamente o seu erro, propondo até uma colaboração com a Câmara Municipal da Póvoa do Varzim para apoiar os artesãos da região. Meses mais tarde, foi Lara Luís, uma ilustradora de 34 anos, quem viu o seu trabalho plagiado. Desta vez, tendo um retalhista chinês de comércio eletrónico no centro da acusação.

A descoberta foi feita a partir de uma seguidora, que enviou a Lara imagens retiradas do site da Shein. “Senti-me impotente, no primeiro dia chorei porque estava frustada por não estar a ver nenhum caminho que pudesse resolver a questão”, contou a ilustradora à Vogue. O caminho acabou por ser a denúncia do caso nas redes sociais. Apesar de não estar à espera da reação avassaladora com que foi recebida, Lara admite que esta se deveu, em grande parte, ao facto da comunidade de criativos portugueses se rever no seu exemplo. Para a artista, a apropriação do seu trabalho não é a mera cópia de uma ilustração, é um “murro no estômago”, o roubo de uma parte de si mesma.  

A batalha entre pequenos designers e grandes marcas é uma que se revela injusta, não só pelo sua notória gap de poder; mas, acima de tudo, pela fraca proteção legal neste campo. Enfrentar um peso pesado da indústria da Moda segundo as regras do Direito Internacional é não só um confronto de elevada dificuldade, como ainda exige recursos monetários que se encontram muitas vezes indisponíveis para a maioria dos artistas independentes. Fora isso, existirão sempre as redes sociais. O veículo de ativismo digital que, contra todas as hipóteses, tem lentamente impactado o mundo. E que, certamente, impactou a situação de Lara. 

No caso da artista portuguesa, a exposição digital não lhe conseguiu uma indemnização (nem um pedido de desculpas, como havia acontecido com a camisola poveira). Todavia, Lara ainda não desistiu. "Felizmente tive a sorte de um advogado especializado nas áreas da propriedade intelectual e industrial ter entrado em contacto comigo para me representar sem qualquer custo", afirma a ilustradora. Caso consiga alguma recompensação monetária, "esse dinheiro será aplicado na criação de um fundo para proteger a propriedade intelectual dos criativos portugueses. Esta é a melhor forma de retribuir todo o apoio e trabalhar numa causa maior que nos pode beneficiar a todos." É uma gota de esperança no oceano de apropriações que assolam diariamente o trabalho de Lara Luís e de muitos outros designers que veem os lucros do seu trabalho recolhidos por mão alheia. 

Por muito que esta ainda não seja uma história com final feliz, Lara sente-se agradecida pela onda de apoio que sentiu nos últimos dias. Após vários pedidos, a t-shirt com a ilustração original “I try to work. You watch and judge”, inspirada no seu gato, Sushi, já se encontra em pré-venda na loja online da artista. Entre uma das maiores surpresas ao longo desta caminhada, está o apoio da modelo portuguesa Sara Sampaio que, de acordo com Lara, já adquiriu uma das suas ilustrações. 

Lara Luís
Lara Luís

Do exemplo de Lara Luís e dos artesãos poveiros pode-se retirar a mesma lição: uma partilha no Instagram não resolve o problema, mas é um passo em frente no caminho pela proteção dos direitos de autor. Hoje, todavia, continuam a ser os pequenos contra os grandes. Uma dicotomia que prevalecerá inerente à indústria da Moda até que a criatividade passe a ter dono.

Mariana Silva By Mariana Silva

Relacionados


Entrevistas  

Gracie Abrams em Lisboa: "Foi libertador ser um pouco mais 'barulhenta' nesta fase da minha vida"

13 Feb 2025

Moda   Compras  

Estes são os acessórios indispensáveis para elevar os looks de inverno

13 Feb 2025

Roteiro  

5 bares para celebrar cada história de amor no dia de São Valentim

12 Feb 2025

Moda   Coleções  

A Mango Selection apresenta a sua nova coleção: eis as escolhas de Vicky Montanari

12 Feb 2025