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Inspiring Women 31. 8. 2018

10 segundos: o tempo recorde do sexismo?

by Mónica Bozinoski

 

Quando percebeu que tinha regressado ao campo com a t-shirt ao contrário, a tenista Alizé Cornet fez o impensável para um desporto onde os homens podem exibir livremente o tronco nu. Demorou dez segundos a trocar o top. Demorou dez segundos a ser surpreendida com uma penalização. Demorou dez segundos a mostrar que, no mundo do ténis, a maior ofensa em court é o corpo de uma mulher. 

Alizé Cornet ©Getty Images

Foi durante um set disputado entre a a francesa Alizé Cornet e a sueca Johanna Larsson que tudo aconteceu. Era uma terça-feira de agosto, e o calor fazia sentir-se com grande intensidade na cidade de Nova Iorque, onde acontece, até dia 9 de setembro, o torneio de ténis US Open. As temperaturas altas, que atingiam perto dos 35 graus, levaram as atletas a sair do campo para uma pausa de dez minutos. Aquilo que se seguiu não foi apenas insólito e inacreditável - foi a gota de água para repensar o modo como as atletas femininas são vistas no mundo do desporto. 

Ao regressarem ao court para jogar o terceiro set da partida, Alizé Cornet reparou que tinha vestido a t-shirt ao contrário. Se perguntasse a qualquer pessoa o que faria na posição da tenista francesa, imaginamos que a resposta mais comum seria tirar o top e vesti-lo novamente, desta vez do lado certo. Não surpreendentemente, foi exatamente isso que Cornet fez, de forma rápida e sem qualquer hesitação. Demorou cerca de dez segundos a olhar para a t-shirt, a virar-se de costas para as câmaras, a despir a parte de cima do coordenado às riscas em tons de rosa, a mostrar o top desportivo preto e vermelho que usava por baixo, e a vestir a t-shirt novamente. 

Qualquer um de nós seguiria com a partida de forma natural, sem se sentir particularmente ofendido pelo ato. Afinal de contas, é para isso que estamos a assistir a um jogo de ténis - para ver um jogo de ténis, e não para julgar uma atleta por trocar a t-shirt em campo. Afinal de contas, despir e vestir uma t-shirt em campo é uma coisa perfeitamente normal - os tenistas masculinos fazem-no constantemente, e não se tornam manchete na imprensa internacional por causa disso. 

Qualquer um de nós seguiria com a partida de forma natural, sem se sentir particularmente ofendido pelo ato - a menos, claro, que o nosso nome seja Christian Rask, responsável pela arbitragem dos três sets disputados entre Cornet e Larsson. A atitude da tenista francesa foi determinada pelo árbitro como uma violeção ao código de conduta. Porquê? Porque tirar a t-shirt e, consequentemente, mostrar o soutien, é um comportamento que não só vai contra as regras, como é também antidesportivo. 

As críticas à decisão de Rask não tardaram a chegar. "Alizé Cornet regressou ao campo depois da pausa de 10 minutos. Tinha a t-shirt acabada de vestir ao contrário. Mudou-se nos limites do campo. Recebeu uma violação de conduta. Uma conduta considerada antidesportiva... Mas os homens podem trocar de t-shirt em pleno court.", escreveu Judy Murray, antiga campeã de ténis e treinadora, bem como mãe dos tenistas Jamie e Andy Murray, no Twitter. Seguiram-se mais críticas ao árbitro, que começava a ser acusado, a par com o próprio desporto, de atitudes sexistas e injustas para com as tenistas femininas. 

A jornalista Alissa Warren juntou-se ao movimento com uma publicação no Twitter, que comparava o comportamento de Cornet com o de tenistas masculinos como Novak Djokovic. "Advertida por violação de conduta. Alizé Cornet demorou 10 segundos a vestir a t-shirt do lado certo mas Novak Djokovic pode sentar-se de tronco nu durante um minuto", podia ler-se. No mesmo dia em que a tenista francesa foi advertida pela sua atitude, nomes de peso como Novak Djokovic e Roger Federer foram vistos a trocar as camisolas em campo. "Não é justo. Não é correto. Digam isso às vossas filhas", concluiu a jornalista. 

A Women's Tennis Association (WTA) não tardou a reagir. "A violação de conduta que a United States Tennis Association (USTA) deu a Alizé Cornet durante a primeira partida no US Open foi injusta, e não teve por base qualquer regra da WTA, visto que a WTA não tem nenhuma regra contra a mudança de roupa em campo", podia ler-se num comunicado publicado pela associação na sua página de Twitter. "A Alizé não fez nada de errado", concluia a publicação. 

No mesmo dia, emergia um comunicado na página de Twitter oficial do US Open Tennis, sobre a política de mudança de roupa em campo. "Qualquer jogador pode mudar de t-shirt enquanto estiver sentado na cadeira de jogador. Isto não é considerado uma violação de conduta. Lamentamos que uma penalização desta natureza tenha sido atribuída a Cornet na partida de ontem. Clarificámos a nossa política para garantir que, no futuro, a situação não se repita.", podia ler-se. A publicação esclarecia ainda que a tenista francesa teria sido apenas advertida sobre a situação, e não iria receber qualquer tipo de penalização ou multa. "As tenistas femininas, se assim quiserem, podem também trocar de camisola num local mais privado e perto do campo, sempre que possível. No caso de tal acontecer, não será contabilizado como uma pausa para ir à casa de banho", concluia o comunicado. 

Apesar deste pedido de desculpas, que continuou a deixar algumas dúvidas no ar, nem toda a gente estava pronta para perdoar a atitude. Respostas como "Isto continua a ser sexista", "Se as tenistas tiverem um sutien desportivo vestido, não deviam ser obrigadas a deslocarem-se para uma área mais privada! Ponham os pés na terra e deixem de ser sexistas! Estamos em 2018, não em 1918!" ou "#SexistUSOpen #ItIsJustASportBra" mostravam um desagrado generalizado pelas regras do jogo, que não iria ser calado com um simples comunicado no Twitter

 
 
 
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O caso de Alizé Cornet não era o primeiro a levantar questões sobre o tratamento das tenistas femininas dentro de campo. Recentemente, a tenista Serena Williams foi criticada por usar aquilo que agora é conhecido como catsuit: um macacão preto com assinatura Nike, vestido pela atleta durante o torneiro Roland Garros, em Paris. O coordenado não foi pensado apenas para ser uma epítome de estilo e cool dentro de campo, que transformava a tenista numa espécie de Catwoman do desporto, mas também para ajudar a melhorar a circulação sanguínea da tenista e a sua recuperação pós-parto. 

Apesar de não ter havido qualquer penalização, visto que o torneiro francês não tem regras que especifiquem os coordenados que podem ou não ser usados pelas atletas, nem toda a gente se sentiu, como nós, hipnotizada pelo catsuit da tenista. "Penso que já passámos das marcas algumas vezes. O coordenado usado por Serena este ano, por exemplo, não voltará a ser permitido. Tens que respeitar o jogo e o local", disse Bernard Giudicelli, presidente da Federação de Ténis Francesa, sobre o catsuit de Williams, que no futuro será proibido no French Open. 

"Sinto que este fato representa todas as mulheres que já passaram por muito mentalmente, fisicamente, e com o seu corpo para regressarem e terem a confiança de acreditarem em si próprias", comentou Serena Williams durante o French Open 2018, comparando o catsuit aos coordenados usados pelas personagens femininas na longa-metragem Black Panther. "Sinto-me uma guerreira dentro dele, como se fosse uma espécie de princesa guerreira, uma rainha de Wakanda. Sempre vivi num mundo de fantasia. Sempre quis ser uma super heroína, e esta é a minha forma de ser uma super heroína. Sinto-me assim sempre que visto este fato". 

As redes sociais não demoraram a reagir à situação, com uma utilizadora a comparar o uniforme de Williams com aquele usado pela tenista Anna White em 1985, durante o torneiro de Wimbledon. "O French Open está a fazer body shaming a Serena Williams, mas a Nike apoia a tenista", podia ler-se na publicação, que fazia referência à imagem partilhada no Twitter pela marca norte-americana, que patrocina Serena Williams. "Podes tirar a super heroína do seu fato, mas nunca vais conseguir tirar-lhe os seus superpoderes. #justdoit", escreveu a Nike. 

Numa era onde a igualdade de género e os direitos fundamentais das mulheres, em todo o mundo, de todas as idades, e de todas as raças, são cada vez mais importantes, com movimentos como #MeToo a denunciarem a discriminação que, em pleno século XXI, ainda se faz sentir, continua a ser imperativo questionar as barreiras que continuam a precisar de ser quebradas. 

Alizé Cornet não violou nenhuma conduta nem agiu de forma antidesportiva. Alizé Cornet, como qualquer ser humano, só queria vestir a t-shirt bem. Serena Williams não violou nenhuma regra do jogo nem desrespeitou ninguém com o seu catsuit. Serena Williams, como qualquer ser humano, só queria sentir-se confiante e saudável, na sua própria pele. Enquanto lutamos por um mundo mais justo, onde o talento e a motivação são mais importantes do que o género, vamos seguir o exemplo de Serena Williams e mostrar que os superpoderes transcendem quaisquer regras, preconceito ou discriminação: com ou sem catsuit

 
 
 
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