Opinião   Palavra da Vogue  

#VogueBookClub: Quatro livros para ler hoje (porque antes não podia)

19 Apr 2022
By Pedro Vasconcelos

Nada demonstra o poder da palavra tanto como os livros que são banidos, considerados demasiados perigosos para serem lidos.

Nada demonstra o poder da palavra tanto como os livros que são banidos, considerados demasiados perigosos para serem lidos.

Desde que a Humanidade aprendeu a escrever que se censura o que é escrito, aliás, durante a Contrarreforma da Igreja Católica no século XVI, a palavra era entendida como uma arma tão poderosa que leituras não autorizadas eram condenáveis à morte. Ainda que os movimentos de censura literária do passado sejam significativamente diferentes dos do presente, inspiram-se nestes, baseando-se em medo. Obras como a Bíblia, as peças de Shakespeare, e até certos livros de crianças já foram, em determinado ponto da história, banidos.

Informação sempre foi poder e, para aqueles que pretendem controlar a opinião pública, certas obras podem ser substancialmente mais perigosas que uma bala. Quer seja pelo desafio que apresentam às conceções da época, quer pela crítica que fazem a determinadas facetas da sociedade. Não é uma coincidência que quase todas as obras do género distópico tenham sido banidas algures no mundo. Ao pensar no trajeto da humanidade como destinado a diferentes apocalipses, estes livros são apreciações negativas às escolhas que estamos a fazer atualmente.

Um livro pode ser proibido por uma miríade de razões, dependente da época, país, ou governo sobre o qual é publicado, não só pelos juízos de valor que faz. Desde opiniões controversas, ao “choque” que linguagem obscena ou sexual poderá causar a leitores. Mas, independentemente da razão, o facto é que, a partir do momento em que um livro é banido, alcança um estatuto especial, um que alicia ao apetite do proibido. Felizmente, à medida que a literatura e a nossa sociedade evolui, a prática de banir livros torna-se cada vez menos frequente. A favor do direito da liberdade criativa, respeitam-se as expressões literárias alternativas ou progressivas.

1984, de George Orwell (1949)

George Orwell escreveu o clássico distópico como uma crítica sagaz à ditadura de Josef Stalin enquanto acamado com tuberculose. Esta não é, no entanto, a primeira obra que abertamente criticava o regime do ditador russo, também Animal Farm, publicada quatro anos antes, é uma alegoria bastante direta aos problemas do regime comunista de Stalin. No livro publicado em 1949, Orwell dedica-se a criar um livro que disseca a importância da liberdade de expressão, através da história de um governo que controla a sua população através da deturpação de informação, uma realidade distópica que se aproxima perigosamente da nossa. O livro está repleto de referências que se tornaram cultura geral, como “The big brother is watching you” e o icónico “Who controls the past controls the future. Who controls the present controls the past.” Não é de surpreender que Stalin tenha banido o livro da União Soviética, uma proibição que se manteve até à dissolução da mesma.

1984, €14,40, Antígona
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Lolita, de Vladimir Nabokov (1955)

Para os que já leram o infame Lolita, o facto de este ter sido banido não deverá ser uma grande surpresa. O livro foi publicado originalmente por uma editora de obras eróticas em França. A obra de Nabokov é notável pela sua história abertamente controversa: um caso amoroso entre um professor académico de meia-idade e uma rapariga de 12 anos. Toda a história é narrada pelo professor de literatura, sobre o pseudónimo de Humbert Humbert, que expõe os eventos do livro de forma extremamente unilateral, confessando esta como uma verdadeira fantasia pedófila. O livro encontra-se repleto de cenas onde o primeiro abertamente molesta “Lolita” - nome que confere à sua enteada. Não é de estranhar que o livro tenha sido banido durante mais de dez anos após a sua publicação em países como Estados Unidos, França, Inglaterra, Argentina, Nova Zelândia, Argentina e África do Sul. A sua narrativa problemática foi contraditoriamente a própria razão por detrás do seu sucesso internacional. Hoje em dia, Lolita não está sobre nenhuma proibição, e é considerado uma das mais importantes obras do século XX.

Lolita, €17,10, Relógio D'Água
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Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1931)

Na mesma linha de 1984, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley é um clássico distópico, mas de um ponto de vista quase diametralmente oposto. Se 1984 tem uma perspetiva declaradamente sombria, a obra de Huxley esconde este lado debaixo de um mar de felicidade induzida artificialmente. No ano de 2540, a ciência e tecnologia avançaram de tal forma que a Humanidade perdeu os seus vestígios animais. Nesta nova sociedade, a reprodução é feita através de manipulação genética, definindo à nascença a casta social de cada um, e com esta os seus valores morais. O consumo de uma droga intitulada de soma é encorajado como forma de alcançar felicidade incondicional. O livro foi proibido imediatamente após a sua publicação, em 1931, na Irlanda, assim como na Austrália, por ser considerado anti família e religião. Nos Estados Unidos várias foram as escolas que o baniram por obscenidades relacionadas com as infames orgias. Admirável Mundo Novo é um perfeito exemplo de um livro que foi censurado pela forma como critica a forma como nos organizamos moralmente. Ao balançar felicidade e bem-estar com liberdade e autoexpressão, o livro questiona para onde caminhamos como humanidade.

Admirável Mundo Novo, €16,65, Antígona
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Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll (1865)

Se a lista até agora pode parecer absurda, o epítome deste sentimento é certamente sentido no livro para crianças Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll. A história, com certeza conhecida por todos, acompanha a titular Alice à medida que esta viaja pelo mundo alucinante repleto de gatos falantes, cartas vivas e poções mágicas. Ainda que o livro pareça inofensivo, já foi banido várias vezes um pouco por todo o mundo, sendo que a primeira vez foi em 1900 nos Estados Unidos, acusado de propagar mensagens subliminares que incentivavam à masturbação. A razão é certamente rebuscada, mas não tanto como a dada na China na década de 30 do século XX, onde este foi banido porque, ao proporcionar a animais o dom da fala, Caroll equiparava-os a humanos, um facto aparentemente catastrófico. Após o lançamento do filme da Disney baseado no livro, em 1951, houve um renascimento das críticas de Alice no País das Maravilhas. Com o medo iminente das drogas alucinogénias que invadiam os Estados Unidos, surgiu uma preocupação latente que o livro, através do seu imaginário extremamente colorido, incitasse crianças ao consumo de drogas. Ainda que tenha sido alvo de múltiplas criticas, o livro de Lewis Caroll continua a ser uma das mais inteligentes obras direcionadas para crianças, com descrições extremamente detalhadas de um mundo à parte caracterizado pela sua falta de lógica e personagens idiossincráticas.

Alice no País das Maravilhas, €17,80, Editora Exclamação
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Pedro Vasconcelos By Pedro Vasconcelos

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