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Curiosidades 15. 4. 2023

Viva la mini!

by Pedro Vasconcelos

 

Desde a sua invenção, nos anos 60, que a minissaia é uma das peças mais relevantes do mundo da Moda. Mas, para além do seu inegável valor estético, ela tem também um valor político. Quando se trata de saias, quanto menor o comprimento, maior a revolução.

 

Terça-feira, seis de setembro de 1966: o dia escolhido pela Dior para mostrar às suas clientes britânicas a sua coleção outono/ inverno. Às portas da loja da maison reúne-se um grupo expectável. Além das clientes, jornalistas e representantes dos grandes armazéns, todos preparados para se maravilhar com as propostas da marca francesa. No entanto, entre estes, reúne-se uma multidão invulgar de mulheres que gritam e envergam cartazes, onde se pode ler uma mensagem invulgar, mas importante: “Miniskirts forever!” Este grupo de mulheres pertence, na verdade, à British Society for the Protection of Mini Skirts (Sociedade Britânica para a Proteção da Minissaia) — não conseguimos pensar num nome mais adequado. Se no interior da loja da Dior se apresentavam propostas onde as saias caíam sensatamente abaixo do joelho, as manifestantes exibiam as minissaias pelas quais lutavam. Nos seus cartazes lia-se “Dior don't betray mini skirt” (Dior não traias a minissaia). Este pequeno protesto é apenas a ponta do icebergue. A minissaia é, na verdade, a catalisadora de uma verdadeira revolução.

O que Marc Bohan, diretor criativo da Dior na época, não sabia, era que ao entrar em Londres, saias que caíssem abaixo do joelho eram símbolos de opressão antifeminista. A capital britânica, na década de 60, era um antro de revolução, resultado do empoderamento da geração de jovens do pós-guerra. Ansiosas por se distanciarem das silhuetas clássicas das suas mães, as mulheres da época procuravam roupa que comprovasse a sua juventude. Esta sede era visível, as ruas londrinas enchiam-se de adolescentes com roupas alteradas pelas mesmas. A originalidade da geração rapidamente influenciou todo um grupo de designers emergentes, e alguns deles foram capazes de sintetizar a atmosfera que os rodeava. Tal foi o caso de Mary Quant: frequentemente creditada por inventar a minissaia, liderou a revolução da forma como a juventude se vestia. O seu nome encontra-se marcado na história feminista, por vezes por coincidências inexplicáveis, como o ano da abertura da sua loja mais popular ser o mesmo da disponibilização da pílula no Reino Unido. Em 1962, a designer estreou a sua primeira minissaia. Se foi Quant que inventou a peça é um mistério que ainda assombra historiadores de Moda. Existem aqueles que posicionam o crédito da invenção da minissaia no outro lado do canal da Mancha. Em Paris, André Courrèges alegava que a ideia de subir a bainha da saia acima do joelho foi sua. À semelhança de Quant, o designer francês inspirava-se numa nova geração de rebeldes. Independentemente de que lado nos encontremos, Mary Quant solucionou o dilema quando declarou: “Não fui eu nem o Courrèges quem inventou a minissaia — foram as raparigas que andavam pelas ruas.” Tal como as mulheres que as envergavam, as minissaias não eram de ninguém. Da Europa na década de 60, a minissaia rapidamente se disseminou pelo mundo como um símbolo de feminismo. Talvez inspiradas pela British Society for the Protection of Mini Skirts, a efervescente segunda vaga de feminismo viu na peça um uniforme. Ativistas americanas como Gloria Steinem normalizaram a minissaia nas marchas em que lutavam pelos direitos das mulheres. Mas a sua popularidade não se limitava a Washington D.C., a adoração da peça chegou às solarengas ruas de Hollywood. Em 1968, Jane Fonda torna-se Barbarella, a aventureira espacial com as saias mais curtas deste lado da Via Láctea. Desde então que o caso amoroso entre a sétima arte e a minissaia não abranda. Esta é a protagonista de alguns dos momentos mais icónicos do cinema. Pense-se em Instinto Fatal (1992), onde a aparentemente inocente saia de Sharon Stone cria um dos momentos mais sexy de sempre.

Fora do ecrã a minissaia integrava-se na sociedade e, a partir dos anos 80, a sua associação à juventude esmorece. À medida que as mulheres entram na força de trabalho, saias acima do joelho tornaram-se opções apropriadas para ir para o escritório. Isto é, desde que acompanhadas de blazers com ombros que se aproximavam do ridículo. Quando António Variações cantou, “Só estou feliz onde não estou” podia muito bem estar a cantar sobre a indústria da Moda. Ao fim de quase 30 anos a tentar integrar a minissaia na indumentária quotidiana, o movimento oposto iniciou -se. Quando chegou o novo milénio, o efeito chocante da minissaia voltou a surgir. A regra era simples: quanto mais curta, melhor. “As saias devem ser do tamanho de um cinto”, é assim que Paris Hilton, inquestionável ícone da primeira década do século XXI, descreve o mantra. Miuccia Prada com certeza ouviu a socialite para a coleção primavera/verão 2022 da Miu Miu, onde estreou as célebres mini (ou melhor, micro) saias da marca italiana. Independentemente de quão mini se cortava a saia, a sua vertente política nunca se desfez. Ainda que tenha evoluído bastante ao longo das seis décadas desde a sua invenção, a minissaia permanece uma peça de roupa altamente politizada. Desde a sua criação que existem aqueles que, ao invés de ver na minissaia um símbolo de emancipação feminista, veem “provocação” obscena. Quando a primeira foi introduzida, a minissaia foi banida em muitos países e contestada publicamente noutros. Até Coco Chanel descreveu a peça como “simplesmente horrível.” Ainda que gostássemos de confinar estes problemas ao passado, a minissaia continua a ser uma peça polémica. Desde retóricas que procuram justificar o assédio machista aos inaceitáveis piropos, a minissaia continua a refletir os pecados da nossa sociedade patriarcal. O direito de utilizar esta peça foi um pelo qual se lutou. Muitas foram as pernas que tiveram de ser expostas ao ar livre para se normalizar o uso da minissaia. Repetimos as palavras das corajosas mulheres do passado: “Miniskirts forever!”

 

 Inserido na edição The Revolution Issue, publicada em abril de 2023.

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