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To be continued | Fica no ouvido

05 Jun 2021
By Sara Andrade

E na ponta da língua. E no movimento das ancas ou no suspiro de total atenção quando começa a dar. O que é que torna uma música likeable? Catchy? Há uma fórmula para se fazerem êxitos musicais? Estas perguntas não nos saem da cabeça. Como aquela música que fica no ouvido.

E na ponta da língua. E no movimento das ancas ou no suspiro de total atenção quando começa a dar. O que é que torna uma música likeable? Catchy? Há uma fórmula para se fazerem êxitos musicais? Estas perguntas não nos saem da cabeça. Como aquela música que fica no ouvido.

© Artwork: John Kisch Archive/Getty Images
© Artwork: John Kisch Archive/Getty Images

E porque é que há músicas que se colam aos sentidos mais do que outras? Há uma fórmula para uma música ser um êxito dos que cantarolamos para sempre e que não caem no esquecimento? E se essa fórmula existe porque é que não nos limitamos a repeti-la vezes sem conta? Talvez porque a fórmula é a arte e a arte não supõe repetição. A verdade é que diversos estudos já foram feitos sobre a probabilidade de uma música ficar nas bocas (e nos ouvidos) do mundo, mas os resultados não são matemáticos. Com efeito, as músicas mais populares - daí o termo pop music - tendem a ser hits instantâneos (e até angariam alguma crítica pela sua componente de consumo massiva) e muitos acreditam que o são porque são simplesmente cópias de êxitos anteriores. Só que não: no estudo What makes popular culture popular? Product features and Optimal Differentiation in Music, os professores Michael Mauskapf, do Columbia Business School, e Noah Askin, do INSEAD, descobriram, depois de analisarem temas do afamado top Billboard Hot 100 dos últimos 60 anos, que as canções mais aplaudidas do ranking tendem a ser cada vez menos parecidas com as suas predecessoras (ainda que não seja uma volta de 180º, claro). O que acontece, segundo os investigadores, é que os temas que atingem o pódio de forma quase automática seguem um ADN musical reconhecível, mas desfrutam de individualidade suficiente para serem distintas e únicas. A conclusão, determinam, é que a popularidade musical é, como se desconfiava, mais arte que ciência.

Não precisávamos de viajar até Terras do Tio Sam para descobri-lo: Diogo Clemente, músico, compositor, produtor e homem da música reverenciado (não é à toa que tem o galardão de GQ Men of the Year 2018 na categoria Música), confirma que a fórmula musica está ligada mais ao coração que à razão. "Acho que a fórmula existe e é a sinceridade, a procura de fazer música pela música, para satisfazer quem a faz e essa força passa para fora, para quem a ouve", opina. "É a ausência de pretensão comercial. É como levantar um papagaio, é não estar preocupado e curtir o vento que o faz acompanhá-lo. Sentir o vento aqui é viver com humildade e entrega o momento de fazer e gravar uma canção. É acho que é sempre uma matriz emocional que está por trás de um sucesso de uma canção perpétua."

Este lado emocional está também intimamente ligado à questão secular sobre se o gostar de uma música é objetivo ou subjetivo. Talvez a resposta esteja no equilíbrio entre as duas hipóteses: se for unicamente subjetiva, corremos o risco de tornar a música uma trivialidade, isto é, terá de haver aqui alguma referência objetiva que nos permite analisar um tema e ser capaz de julgá-la em mérito ou falta dele; mas se fosse unicamente objetiva, a fórmula seria demasiado fechada e não permitiria a variedade e versatilidade musical que existe hoje em dia. O site rateyourmusic.com tem um artigo, Objetivity vs subjetivity in music: the ultimate guide and solution, defende uma posição nestas linhas, sublinhando que "a verdade é que a objetividade e a subjetividade estão interligadas e possivelmente existem no mesmo espectro". É verdade que a subjetividade é de difícil análise: mas se for removida por completo da equação, então toda e qualquer forma de arte poderia ser dissecada racionalmente.

Até porque se a likeability de uma música obedecesse a uma fórmula matemática, a sua popularidade não se alteraria com o tempo e, a verdade, como mostrou o estudo supracitado, é que diferentes eras trouxeram diferentes composições de êxitos. "A única coisa que interessa efectivamente ao fim do dia é que há pessoas fascinadas e devotas a uma determinada canção, proporcionou-lhes felicidade, cumpriu a sua função. Eu não acredito em música especial que não traz prazer a ninguém", desabafa Clemente sobre a probabilidade de algumas músicas serem mais impactantes que outras, antes de acrescentar: "se faço análise a uma larga escala sobre a nossa realidade? Claro. No início do século XVI, Da Vinci deu-nos a Mona Lisa e Miguel Ângelo o teto da Capela Sistina. Hoje, uma banana colada à parede ou uma tela inteiramente vermelha é arte com repercussões globais. E é legítimo, é o nosso tempo. O conceito e a mensagem implícita são tudo. A música nunca seria excepção. O tempo de criação e o tempo de absorção andam a par."

Colocar ao microscópio uma pauta e afins para determinar o seu sucesso será tarefa ingrata - até impossível, acrescentaríamos -, mas não invalida que se tente perceber os pontos comuns de músicas que ecoam nas rádios, streamings - e na nossa cabeça - vezes sem conta. Independentemente da qualidade de uma canção ou do talento que envolve a sua composição e concretização, determinar o que é que tem que possa disparar a sua popularidade é objetivo utópico. Mas a sua curiosidade é palpável - e há quem tente descobrir os seus padrões: os que se aventuraram, por exemplo, a analisar os relatórios que o Spotify disponibilizam, concluíram que "dançabilidade" de uma música é particularmente popular, indicando que as musicas que fazem o corpo mexer, ou seja ritmadas e, por norma associadas a boa energia, tendem a ser mais populares. "O binário e o ternário são por norma, e por razões psíquicas e sensoriais, aquilo que o corpo vai entender melhor, vai trazer-lhe conforto", refere Diogo sobre ritmos e batidas que, por norma, agradam. "Como em termos harmónicos e melódicos há lugares de conforto. Mas compor e arranjar é uma gestão aberta de conforto, desconforto, tensão, estabilidade, é essa a magia. Mas", ressalva, "o desconforto como um mundo explorado e provocado é também apaixonante e viciante." É tudo válido, sendo assim? É que os parâmetros podem alterar-se, claro - relembre-se que isto não é matemático. Até porque a nossa capacidade de gostar mais ou menos de uma música, como com qualquer forma de arte, também se prende com as nossas próprias condicionantes sociais. É obvio que isto de viver num mundo quase sem fronteiras pode ter contribuído para uma standardização da likeability, mas não é um conceito dogmático.

No final, é um conjunto de fatores e tudo contribui para o fator wow: "acho que o fator mais preponderante é o centro de onde advém todas essas partes ou a mão que as reúne, caso sejam distintas origens. Tem que haver uma coerência e uma sinergia. É essa sinergia de partes, de todas as dimensões jogarem em bloco que faz voar", defende o produtor musical. O modo como se aplica o conhecimento musical e se cria a harmonia entre todos os componentes de um tema é determinante para o sucesso do mesmo, mas não é (só) a técnica e o arcabouço académico, é a sensibilidade. Se a fórmula fosse dada e experimentada, então não haveria espaço para inovação. Apresentar novas sonoridades é saber o que se está a fazer, sem medo de ir mais além. Aliás, garante Diogo Clemente, "apreender e aplicar fórmulas que são sucesso é um caminho. No entanto, e com o maior respeito por quem o faça, entendo que isso é viver industrialmente. Não excluo valor nisso mas a minha razão de vida é procurar furar caminho e encontrar um lugar novo e inovador. É uma travessia de coragem onde pedimos iluminação até bom porto."

Fórmula de sucesso? Só a da dedicação. Não se faz boa música sem ter o amor como ingrediente. Por isso, o amor talvez seja a fórmula da arte, para esta e para outras. Cliché? Antes verdade. Clemente partilha da mesma opinião: "O amor é intemporal. Existe desde que nos conhecemos. Até inventarem um motivo mais inspirador e mais infinito que o amor para escrever canções intemporais e arrebatadoras, o amor será sempre a melhor gasolina." E remata com exemplos: "Bohemian Rhapsody, oh Gente da Minha Terra, Halo. Em todas, a força da sinceridade e a entrega à música são o ouro". E, nesta disparidade de referências, um ponto comum os une: os elementos são uma manifestação de amor pelo métier.

To be continued do The Music Issue da Vogue Portugal, de junho 2021.For the english version, click here.

Sara Andrade By Sara Andrade

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