E na ponta da língua. E no movimento das ancas ou no suspiro de total atenção quando começa a dar. O que é que torna uma música likeable? Catchy? Há uma fórmula para se fazerem êxitos musicais? Estas perguntas não nos saem da cabeça. Como aquela música que fica no ouvido.
E na ponta da língua. E no movimento das ancas ou no suspiro de total atenção quando começa a dar. O que é que torna uma música likeable? Catchy? Há uma fórmula para se fazerem êxitos musicais? Estas perguntas não nos saem da cabeça. Como aquela música que fica no ouvido.

© Artwork: John Kisch Archive/Getty Images
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E porque é que há músicas que se colam aos sentidos mais do que outras? Há uma fórmula para uma música ser um êxito dos que cantarolamos para sempre e que não caem no esquecimento? E se essa fórmula existe porque é que não nos limitamos a repeti-la vezes sem conta? Talvez porque a fórmula é a arte e a arte não supõe repetição. A verdade é que diversos estudos já foram feitos sobre a probabilidade de uma música ficar nas bocas (e nos ouvidos) do mundo, mas os resultados não são matemáticos. Com efeito, as músicas mais populares - daí o termo pop music - tendem a ser hits instantâneos (e até angariam alguma crítica pela sua componente de consumo massiva) e muitos acreditam que o são porque são simplesmente cópias de êxitos anteriores. Só que não: no estudo What makes popular culture popular? Product features and Optimal Differentiation in Music, os professores Michael Mauskapf, do Columbia Business School, e Noah Askin, do INSEAD, descobriram, depois de analisarem temas do afamado top Billboard Hot 100 dos últimos 60 anos, que as canções mais aplaudidas do ranking tendem a ser cada vez menos parecidas com as suas predecessoras (ainda que não seja uma volta de 180º, claro). O que acontece, segundo os investigadores, é que os temas que atingem o pódio de forma quase automática seguem um ADN musical reconhecível, mas desfrutam de individualidade suficiente para serem distintas e únicas. A conclusão, determinam, é que a popularidade musical é, como se desconfiava, mais arte que ciência.
Não precisávamos de viajar até Terras do Tio Sam para descobri-lo: Diogo Clemente, músico, compositor, produtor e homem da música reverenciado (não é à toa que tem o galardão de GQ Men of the Year 2018 na categoria Música), confirma que a fórmula musica está ligada mais ao coração que à razão. "Acho que a fórmula existe e é a sinceridade, a procura de fazer música pela música, para satisfazer quem a faz e essa força passa para fora, para quem a ouve", opina. "É a ausência de pretensão comercial. É como levantar um papagaio, é não estar preocupado e curtir o vento que o faz acompanhá-lo. Sentir o vento aqui é viver com humildade e entrega o momento de fazer e gravar uma canção. É acho que é sempre uma matriz emocional que está por trás de um sucesso de uma canção perpétua."
Este lado emocional está também intimamente ligado à questão secular sobre se o gostar de uma música é objetivo ou subjetivo. Talvez a resposta esteja no equilíbrio entre as duas hipóteses: se for unicamente subjetiva, corremos o risco de tornar a música uma trivialidade, isto é, terá de haver aqui alguma referência objetiva que nos permite analisar um tema e ser capaz de julgá-la em mérito ou falta dele; mas se fosse unicamente objetiva, a fórmula seria demasiado fechada e não permitiria a variedade e versatilidade musical que existe hoje em dia. O site rateyourmusic.com tem um artigo, Objetivity vs subjetivity in music: the ultimate guide and solution, defende uma posição nestas linhas, sublinhando que "a verdade é que a objetividade e a subjetividade estão interligadas e possivelmente existem no mesmo espectro". É verdade que a subjetividade é de difícil análise: mas se for removida por completo da equação, então toda e qualquer forma de arte poderia ser dissecada racionalmente.
Até porque se a likeability de uma música obedecesse a uma fórmula matemática, a sua popularidade não se alteraria com o tempo e, a verdade, como mostrou o estudo supracitado, é que diferentes eras trouxeram diferentes composições de êxitos. "A única coisa que interessa efectivamente ao fim do dia é que há pessoas fascinadas e devotas a uma determinada canção, proporcionou-lhes felicidade, cumpriu a sua função. Eu não acredito em música especial que não traz prazer a ninguém", desabafa Clemente sobre a probabilidade de algumas músicas serem mais impactantes que outras, antes de acrescentar: "se faço análise a uma larga escala sobre a nossa realidade? Claro. No início do século XVI, Da Vinci deu-nos a Mona Lisa e Miguel Ângelo o teto da Capela Sistina. Hoje, uma banana colada à parede ou uma tela inteiramente vermelha é arte com repercussões globais. E é legítimo, é o nosso tempo. O conceito e a mensagem implícita são tudo. A música nunca seria excepção. O tempo de criação e o tempo de absorção andam a par."
Colocar ao microscópio uma pauta e afins para determinar o seu sucesso será tarefa ingrata - até impossível, acrescentaríamos -, mas não invalida que se tente perceber os pontos comuns de músicas que ecoam nas rádios, streamings - e na nossa cabeça - vezes sem conta. Independentemente da qualidade de uma canção ou do talento que envolve a sua composição e concretização, determinar o que é que tem que possa disparar a sua popularidade é objetivo utópico. Mas a sua curiosidade é palpável - e há quem tente descobrir os seus padrões: os que se aventuraram, por exemplo, a analisar os relatórios que o Spotify disponibilizam, concluíram que "dançabilidade" de uma música é particularmente popular, indicando que as musicas que fazem o corpo mexer, ou seja ritmadas e, por norma associadas a boa energia, tendem a ser mais populares. "O binário e o ternário são por norma, e por razões psíquicas e sensoriais, aquilo que o corpo vai entender melhor, vai trazer-lhe conforto", refere Diogo sobre ritmos e batidas que, por norma, agradam. "Como em termos harmónicos e melódicos há lugares de conforto. Mas compor e arranjar é uma gestão aberta de conforto, desconforto, tensão, estabilidade, é essa a magia. Mas", ressalva, "o desconforto como um mundo explorado e provocado é também apaixonante e viciante." É tudo válido, sendo assim? É que os parâmetros podem alterar-se, claro - relembre-se que isto não é matemático. Até porque a nossa capacidade de gostar mais ou menos de uma música, como com qualquer forma de arte, também se prende com as nossas próprias condicionantes sociais. É obvio que isto de viver num mundo quase sem fronteiras pode ter contribuído para uma standardização da likeability, mas não é um conceito dogmático.
No final, é um conjunto de fatores e tudo contribui para o fator wow: "acho que o fator mais preponderante é o centro de onde advém todas essas partes ou a mão que as reúne, caso sejam distintas origens. Tem que haver uma coerência e uma sinergia. É essa sinergia de partes, de todas as dimensões jogarem em bloco que faz voar", defende o produtor musical. O modo como se aplica o conhecimento musical e se cria a harmonia entre todos os componentes de um tema é determinante para o sucesso do mesmo, mas não é (só) a técnica e o arcabouço académico, é a sensibilidade. Se a fórmula fosse dada e experimentada, então não haveria espaço para inovação. Apresentar novas sonoridades é saber o que se está a fazer, sem medo de ir mais além. Aliás, garante Diogo Clemente, "apreender e aplicar fórmulas que são sucesso é um caminho. No entanto, e com o maior respeito por quem o faça, entendo que isso é viver industrialmente. Não excluo valor nisso mas a minha razão de vida é procurar furar caminho e encontrar um lugar novo e inovador. É uma travessia de coragem onde pedimos iluminação até bom porto."
Fórmula de sucesso? Só a da dedicação. Não se faz boa música sem ter o amor como ingrediente. Por isso, o amor talvez seja a fórmula da arte, para esta e para outras. Cliché? Antes verdade. Clemente partilha da mesma opinião: "O amor é intemporal. Existe desde que nos conhecemos. Até inventarem um motivo mais inspirador e mais infinito que o amor para escrever canções intemporais e arrebatadoras, o amor será sempre a melhor gasolina." E remata com exemplos: "Bohemian Rhapsody, oh Gente da Minha Terra, Halo. Em todas, a força da sinceridade e a entrega à música são o ouro". E, nesta disparidade de referências, um ponto comum os une: os elementos são uma manifestação de amor pelo métier.
To be continued do The Music Issue da Vogue Portugal, de junho 2021.For the english version, click here.
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