Demi Moore numa cena do novo filme da Gucci, The Tiger.
O filme da Gucci, “The Tiger”, foi apresentado durante a Semana de Moda de Milão para mostrar os looks do diretor criativo Demna e sua Famiglia, título da primeira coleção da marca. A curta-metragem é protagonizada por Demi Moore e é o capítulo inicial de uma história que traça um novo caminho entre culturas, arquétipos e alucinações cinematográficas.
Que pesadelo pode provocar um brinde? Gaspar Noé também se questionou sobre isso em 2018, em Climax, ao recontar uma série de factos verídicos sobre um grupo de dançarinos num retiro, onde foram vítimas de uma desorganização psíquica progressiva, tanto a nível coletivo como individual, devido a uma dose excessiva de LSD misturada na sangria. Que pesadelo pode provocar um brinde – e refiro-me a um labirinto de crises, alienação e tensões já conhecidas, metáforas à parte, por marcas e diretores criativos. O filme da Gucci, The Tiger, dirigido por Spike Jonze e Halina Reijn (Baby Girl), tenta responder a essa pergunta, e surge como uma alegoria: a curta-metragem apresentada pela maison, ontem, dia 23 de setembro, em Milão, durante a Semana de Moda, veste os seus protagonistas com os primeiros looks do novo diretor artístico, Demna. Um momento cinematográfico com pouco mais de 20 minutos, o filme segue a história de uma família (a caracterizada pelas novas propostas partilhadas no Instagram da marca), e pondera os seus conflitos e da matriarca que os sustenta, tornando-se uma parábola sobre o desejo catártico de liberdade.

Edward Norton


Esquerda: Alex Consani. Direita: Kendall Jenner.

Keke Palmer
Demi Moore é Barbara Gucci, diretora da Gucci International e chairman da Califórnia. No dia do seu aniversário, decide receber na histórica residência da família os filhos e um jornalista da Vanity Fair, para que este possa escrever um perfil seu para a revista. A conversa, especialmente durante o jantar, decorre sem grandes emoções, até ao momento em que um estranho opiáceo pertencente à namorada da filha (que trabalha para uma multinacional, sob o nome de ****cola] é vertido no champanhe. A situação gera caos, enquanto as diferentes personagens, desde Edward Norton, o afilhado que acredita na chegada dos aliens e que, drogado, dança no jardim ao som de A Soft Seduction, de David Byrne, a Elliot Page, o filho, e Keke Palmer, a filha, caem num abismo interminável de perguntas, perceções, fobias e desejos. A própria Barbara, imitando a personagem que Demi Moore interpretou recentemente em A Substância, admite estar farta: é uma mãe presente, uma mulher poderosa, designer, empresária que garante a reputação da marca, e está cansada do tom piedoso com que as pessoas falam com ela agora que está farta da perfeição e quer deixar tudo para trás. Demna também referiu, durante a exibição da curta-metragem, em Milão, que: “Aprendi a deixar-me ir”, sobre a necessidade de deixar pela primeira vez a narrativa nas mãos de dois diretores que a reinterpretaram.
Se os reencontros familiares de Luchino Visconti já são fortes, os de A Substância são inequívocos — até mesmo o filme de Coralie Fargeat não passava de uma parábola macabra sobre a objetificação do corpo e o papel da mulher, que reformulava a energia disfuncional de Jane Fonda, misturando-a com o body horror de Cronenberg. Mais uma vez, retomando dois temas tão íntimos tanto a Jonze como a Reijn, The Tiger retrata o sucesso profissional e a necessidade de recuperar uma imagem de nós mesmos que, até então, estava sob sigilo.

Elliot Page


Esquerda: Ed Harris. Direita: Alia Shawkat.

Julianne Nicholson, Heather Lawless
Para Jonze, que está ligado à Moda desde os seus primeiros anos como realizador (em 1994, juntamente com Sofia Coppola, organizou um desfile ao estilo guerrilha nas ruas de Nova Iorque, para a marca X-Girl), tudo isto já tinha acontecido muito antes do seu anúncio publicitário de 2016, para a Kenzo World, com Margaret Qualley, e do anúncio para a Apple Welcome Home (2018) que também explorava os temas da descoberta pessoal e da identidade através da dança e da ousadia. Antes até do antigo vídeo de Fatboy Slim, Weapon of Choice, em que Christopher Walken protagoniza uma dança num hotel, numa fantasia solitária de poucos minutos. Isso também já aconteceu quando, em Being John Malkovich (1999), o realizador contou a tragédia de um grupo de almas solitárias, que esperavam encontrar na abstração da sua personalidade o segredo para viver um momento de pura beleza. Baby Girl também aborda um tema não muito remoto, e conta uma fantasia carnal entre uma empresária e o seu estagiário, numa parábola de liberdade que critica uma América que vive em medo do sexo e das mulheres que o praticam.
Com um enquadramento que transforma o espaço num teatro grotesco, como Demna também fez no último desfile da Balenciaga, The Tiger – e, por sua vez, a Gucci – redesenha os códigos da liberdade e do conflito. A família já não é família, mas sim tribo, porque a tradição é central, nas peças, nos acessórios, e até mesmo na recuperação da estética dos anos de Tom Ford na casa de Moda sobre a qual todos já escreveram, mas que é agora tratada com irreverência.
O filme prova que é preciso pertencer a algo, porque o mundo nos mostrou a devastação da solidão. Deixar ir ou deixar-se levar, como Demi Moore e as personagens de Jonze e Reijn antes dela, torna-se então um pedido de liberdade, um ato terapêutico em virtude de um ato criativo, que encontra no grupo a sua voz e a capacidade de se reinventar. Assim, em The Tiger, encontramos um novo capítulo que se inspira no passado, sem evocações nostálgicas, mas repleto de alucinações cinematográficas; que olha para o futuro e o faz com uma inquietação angustiante, aquela que todas as famílias têm.
Traduzido do original, disponível aqui.
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