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A carta de esperança de Tarana Burke, fundadora do movimento Me Too

18 Aug 2020
By Tarana Burke

Como parte da série Hope da Vogue, Burke homenageia as vidas dos ativistas de direitos civis que alimentaram o seu compromisso de pôr fim à violência sexual de uma vez por todas.

Como parte da série Hope da Vogue, Burke homenageia as vidas dos ativistas de direitos civis que alimentaram o seu compromisso de pôr fim à violência sexual de uma vez por todas.

Fotografia de Dougal Macarthur
Fotografia de Dougal Macarthur

O trabalho do movimento Me Too é amplamente impulsionado pela esperança. Se eu não tivesse esperança de que o fim da violência sexual fosse possível; se eu não tivesse esperança de que a vida dos negros fosse capaz de mudar ou que as pessoas marginalizadas possam ter justiça, não haveria nada em que trabalhar. Temos que ter, como diz o ex-presidente Barack Obama, a audácia da esperança para fazer este trabalho. Há algo de bastante audacioso em ter esperança diante da supremacia branca, do patriarcado e da opressão, porque parecem tão opressores, dominadores, omnipresentes. Mas depois temos estes pequenos raios de esperança que nos permitem saber que isso não é verdade. 

O Black Lives Matter mostrou-nos como é que um movimento funciona 

Uma das coisas que me impressionou nos últimos três anos, desde que o Me Too se tornou realmente notado, é o quão pouco as pessoas entendem sobre os movimentos e o quão rápido ligamos a palavra "movimento" a qualquer coisa. Algo que se torne viral, é um movimento. E por causa disso, as pessoas ficam desapontadas quando não têm resultados rápidos. Mas o Black Lives Matter mostrou-nos como funciona um movimento. Quando o Black Lives Matter surgiu em 2013, o movimento pelas vidas negras formou-se rapidamente por várias organizações. Assumiu o trabalho de treinar uma nova geração e levar para a frente a visão, a esperança e as lições dos movimentos anteriores. 

Agora temos novamente essa agitação política e revolta do povo e eu assisti ao desenvolvimento de um movimento metódico e cuidadoso. Não era apenas um grupo de pessoas a reunir-se para fazer cartazes e protestar; pessoas de todo o país estavam prontas para este momento porque trabalharam de forma consistente nos últimos quatro ou cinco anos para nos trazer até aqui. Isso, para mim, é uma reminiscência de movimentos anteriores, e é por isso que me sinto tão encorajada com o que o Movimento para as Vidas Negras conseguiu. As pessoas não entendiam o motivo pelo qual eles se estavam a envolver nas eleições locais até que a Câmara Municipal de Minneapolis propôs o desmantelamento do seu departamento de polícia - membros da comunidade juntaram-se a conselhos para que pudessem tomar esse tipo de decisão.

Espero que o Me Too tenha a mesma oportunidade. As pessoas não sabem o trabalho que estamos a fazer nos bastidores - parcerias, negociações, estratégias - mas quando chegar a altura de envolver o público, estaremos muito mais preparados do que estávamos na manhã depois do hashtag Me Too se ter tornado viral. É assim que um movimento realmente funciona. O Movimento para as Vidas Negras e as organizações que fizeram parte dele fizeram um trabalho maravilhoso de galvanizar o mundo.

O futuro do Me Too 

Em relação ao Me Too, a minha maior esperança é que as pessoas entendam que se está a falar de cura e ação. Isso engloba tanto as pessoas que disseram "Me Too", quanto impedir mais pessoas de dizer "Me Too". Construímos este movimento apoiados nos sobreviventes, em pessoas que sofreram essas atrocidades e cuja humanidade lhes foi roubada. Mas para estarmos na linha de frente, para testemunharmos perante a legislação, para contarmos as nossas histórias, precisamos de nos curar. Para as pessoas que sofreram violência sexual, este é um movimento para garantir que todos recebamos o que precisamos para ter uma vida mais plena - para viver uma vida onde a dignidade está intacta e caminhamos na nossa plena humanidade. 

Por outro lado, é uma questão de ação. Milhões de pessoas disseram: "Me too" - quando penso nessas pessoas, não as vejo como vítimas. Vejo-as como um pequeno exército com uma experiência partilhada. Mesmo que seja uma experiência horrível, é partilhada e a partir dela pode-se construir algo. Um movimento e uma comunidade são construídos da mesma maneira: a partir de experiências partilhadas, necessidades partilhadas, objetivos partilhados.

Lidar com a violência sexual não é sobre derrubar agressores individuais. Na verdade, trata-se de desmantelar os sistemas de poder e privilégio que permitem a violência sexual. Os sobreviventes de violência sexual que experimentam a cura são mais propensos a liderar essa ação. Sabemos que as pessoas que vivenciaram esta situação devem estar no centro da liderança quando se trata de trabalhar para acabar com situações idênticas.

Aprender com o passado

Passei muitos anos em Selma, Alabama, onde trabalhei no National Voting Rights Museum and Institute, por isso estou muito ligada ao movimento dos direitos civis. Embora eu não fosse próxima do falecido congressista John Lewis, conheci-o e encontrei-o muitas vezes, mas o ministro e líder dos direitos civis, Reverend CT Vivian, que também morreu em julho deste ano, era muito próximo de mim e da minha família, e foi um mentor. Recentemente, dei comigo a pensar sobre o que ele me ensinou. Que lições aprendi com ele?

O Rev foi tão consistente. Deixou claro que o que acreditava estava certo e que a sua visão de justiça e paz no mundo estava do lado certo. E esteve comprometido até ao dia em que fechou os olhos, de uma forma que espelhava muito dos outros líderes e pessoas daquela altura. Falamos do tipo de compromisso que permitiu que mulheres negras pobres em Alabama pudessem ir a pé para o trabalho durante mais de um ano quando se deu o boicote aos autocarros de Montgomery [um protesto pelos direitos civis que ocorreu de 1955 a 1956, quando os negros se recusaram a andar de autocarro para protestar contra os lugares segregados]. Eu não sei do que é que eles são feitos, mas há muito tempo que tento absorver um pouco disso.

Penso sempre no Rev quando me sinto cansada, porque ele dizia: “Estamos cansados, mas continuamos”. Estamos a viver um momento emocionante. As pessoas comparam-no com os anos 1960... As coisas estão a mudar. O movimento está a acontecer a um ritmo que nos parece bom. Mas é muito claro para mim que há quinze anos atrás e provavelmente daqui a muitos anos, podemos não ter esse momento, mas ainda teremos que ser tenazes. Ainda teremos que ser claros, firmes e comprometidos. No momento em que temos clareza de visão e sabemos que estamos do lado certo da história, podemos simplesmente seguir em frente.

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Como disse a Rosalind Jana.

Tarana Burke By Tarana Burke

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