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Entrevistas 8. 3. 2019
No mundo digital, do Instagram ao YouTube, Sandra Baldé é mais conhecida como Uma Africana. Uma Africana que fala abertamente sobre questões raciais, privilégios sociais, representatividade e inclusividade. Uma Africana que abre o jogo e põe as cartas em cima da mesa. Uma Africana que prova que a voz não tem idade.
Sandra Baldé ©Alex Todosko
Eram 16h18 quando a voz de Sandra Baldé, também conhecida como Uma Africana, nos diz "Estou? Olá!" do outro lado da linha. Alguns minutos de conversa depois, uma mulher de 21 anos (Sandra) e outra de 24 (esta jornalista) já partilham, naturalmente, algumas ideias em comum. Acreditamos que o conhecimento é a base de tudo. Acreditamos que o feminismo é uma forma de libertação. Acreditamos que, em pleno século XXI, é injustificável viver num país onde, desde o início do ano, doze mulheres já foram vítimas de uma violência demasiado brutal para ser verdade. Estas questões podem não ser novidade para quem nos lê - mas, como diz Sandra, "ainda não existe muita discussão sobre esses temas". E é por isso mesmo que estamos aqui.
Sentes que as redes sociais vieram contribuir para diversificar as vozes do hoje e do agora?
Sim, sem dúvida. As redes sociais são uma forma de conseguirmos projetar melhor a nossa voz para o mundo. Pelo menos é isso que eu sinto. Através da Internet, sinto que acabo por chegar a mais pessoas do que aquelas a que provavelmente chegaria na vida real. Quando são usadas para o bem, as redes sociais são uma ferramenta muito boa.
Qual é a principal mensagem que queres passar às pessoas que te seguem?
Acho que aquilo que eu quero passar às pessoas é que elas, acima de tudo, acreditem nelas próprias. Eu sei que isto é um cliché, mas aquilo que eu quero é que as pessoas acreditem em si mesmas, que tenham noção de que nós somos seres que temos a possibilidade de evoluir, todos os dias, que nós não nascemos a saber tudo e que temos a oportunidade de ser melhores pessoas, todos os dias.
O que fazes para te sentires confiante na tua própria pele?
Eu gosto de interiorizar e lembrar-me a mim mesma que não preciso de me comparar com os outros. Eu sou eu, eu sou como sou e está tudo bem [risos]. Quando penso desta forma, acabo por me sentir melhor e as coisas fluem melhor.
O que é que o feminismo significa para ti?
Para mim, o feminismo é uma forma de dizermos às mulheres que elas são livres de serem aquilo que elas quiserem ser, da forma que elas quiserem ser, seja dentro de casa, fora de casa, com um emprego, ou como domésticas. É dizermos que as mulheres são livres de fazer aquilo que elas bem entenderem, sem julgamentos. Acho que o feminismo existe precisamente para isso, para nos relembrar que podemos ser aquilo que quisermos ser. É nisso que eu acredito, que o feminismo acaba por nos dar essa liberdade enquanto mulheres.
Sentes que a sociedade hoje está mais "desperta" para questões como a inclusividade e a representatividade?
Eu acho que sim. Felizmente, as coisas já não são como eram há dez ou há vinte anos atrás, e já não estamos nesse patamar. Acho que existe uma certa evolução quanto a essas questões. No entanto, pelo menos aqui [em Portugal], penso que ainda não existe muita discussão sobre esses temas. Não é que não veja a evolução - existem cada vez mais marcas, por exemplo, a envolverem-se neste tipo de causas e a incluirem mais diversidade -, mas acho que ainda é preciso trabalhar um pouco mais esse aspeto. Acho que é preciso mais informação. Acho que é preciso discutir mais. Se não tivermos informação, se não conhecermos o problema, nunca vamos conseguir chegar a lado nenhum, nunca vamos conseguir resolver, de facto, aquilo que está mal. Acho que o conhecimento é mesmo a base de tudo.
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No que toca às questões raciais, o que é que gostavas que as pessoas percebessem, de uma vez por todas?
[Risos] Isso é muito complicado! Eu gostava que as pessoas entendessem e gostava que as pessoas tivessem mais empatia. Gostava que as pessoas se conseguissem colocar nos sapatos do outro. Acho que, muitas vezes, é isso que falta quando se fala em questões raciais. As pessoas ficam sempre na defensiva quando se fala nisto, peguntam "porquê, mas porquê?", como se a liberdade delas estivesse a ser posta em causa, e não é nada disso. Acho que as pessoas se sentem atacadas e não querem entender o outro lado. Acho que é mesmo esse o problema. As pessoas deviam colocar-se mais nos sapatos dos outros. Deviam ter mais empatia, tentar entender o ponto de vista dos outros e escutar mais.
Sentes que o racismo ainda é uma realidade muito presente em Portugal?
Eu acho que sim, acho mesmo que sim. Não é um problema assim tão visível, não é como se uma pessoa negra saísse à rua e começasse logo a levar pedradas, não é nada disso. Mas acho que em pequenas coisas, e de uma forma muito subtil, ainda se nota muito o racismo aqui em Portugal. Eu sinto isso e, de certa forma, sinto que é diferente para mim, enquanto mulher. Acho que acaba por ser ainda mais problemático quando se é mulher, e quando se é uma mulher negra. Eu sinto que é ainda pior quando se fala em mulheres negras. Acho que a mudança passa, mais uma vez, pelo conhecimento. Quando eu falo com as pessoas, ouço muitas vezes coisas como "uau, nunca tinha parado para pensar nisso, nunca tinha associado as coisas." Por isso, acho que é mesmo por aí - o sabermos as coisas e o debatermos as coisas.
Notas que existe essa disposição para debater e conversar sobre estes temas, especialmente entre as pessoas que te seguem?
Sim, sem dúvida. O meu público tem uma mente bastante aberta nesse sentido, estão sempre dispostos a ouvir os temas que eu trago e fazem-me imensas perguntas. Às vezes tenho conversas muito longas com alguns deles, seja através das mensagens ou dos diretos. Acho que há cada vez mais interesse por parte das pessoas em relação a este tipo de temas.
Sobre a desigualdade, sentes que é algo que ainda existe em Portugal?
Sim e não. Em comparação com outras partes do mundo, acho que somos um bocadinho privilegiados neste aspecto. No entanto, acho que isto ainda é muito problemático, há muita coisa que ainda precisa de ser trabalhada, principalmente na questão da violência contra as mulheres. Desde o início do ano já morreram 12 mulheres. Eu acho que isso é muito grave, é muito grave mesmo. Não é normal uma mulher ser morta só porque é mulher. É muito triste. Acho que isso ainda é um problema muito real na sociedade, e na sociedade portuguesa. Há muita coisa que já evoluiu mas ainda temos problemas muito sérios, e este é um deles. É algo que precisa de ser solucionado, com urgência. Eu fico parva quando vejo estas notícias, e todos os dias parece ser uma [notícia] atrás da outra. É completamente assustador.