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Sambadomania

08 Apr 2016
By Tiago Manaia

Arrebatados pela voz e talento de Filipe Sambado marcámos um encontro com o cantor numa tentativa de desvendar o universo que alimenta as suas canções.

Arrebatados pela voz e talento de Filipe Sambado marcámos um encontro com o cantor numa tentativa de desvendar o universo que alimenta as suas canções. O seu primeiro álbum Vida Salgada ganha agora a estrada em concertos que atravessam Portugal. A música de Sambado clama uma existência magnifica com melodias que se colam à pele. O futuro da pop portuguesa parece estar a viver dentro do corpo dele. Fotografia: Rui Palma; Maquilhagem: Rúdi Fernandes.

Final de Março em Lisboa. Há já uma ameaça de noites quentes. Temos um encontro tardio no Cais do Sodré, o bar Lounge agita-se ainda mais a partir da uma da manhã. Nesta noite celebra-se a ramificação do punk motivada pela militância LGBT. Filipe Sambado espera por nós encostado ao bar acompanhado pela namorada a atriz Cecília Henriques. É ela que nos rouba a atenção. Conhecemos o seu trabalho no teatro, vive agora uma explosão mediática graças à sua personagem Gisela na telenovela Amor Maior. Contam-nos como se conheceram. É preciso gritar para nos ouvirmos, seguimos então o olhar de Filipe que sugere a rua. Mas poderemos continuar a beber lá fora? Deixando Cecília dentro bar, ficamos sentados no chão. Os olhos de Filipe fogem ao nosso encontro, encaram o infinito. As mãos mexem-se em movimentos harmoniosos atraindo a atenção para elas. Filipe tem as unhas pintadas de várias cores, e decidimos começar por aí, afinal somos uma revista que sugere tendências.

“Tento falar dos outros da perspectiva com que me leio.”

“Eu costumo pôr batom e rímel quando saio à noite, mas comecei com as unhas há três anos numa tarde de procrastinação com a minha irmã. Comecei a pintar muito mal e ela disse, ‘deixa estar, eu faço’.” Pintava só as unhas de alguns dedos, rapidamente a pintura alastrou-se para todos. “Algumas das pessoas que não me conhecem e têm coragem de dizer alguma coisa, questionam somente porque o faço. A resposta é sempre a mesma: ‘porque gosto’.” Perguntamos a Filipe se esta rotina não será uma forma de passar uma mensagem abrangente para o exterior, “não fazendo mal aos outros, tu podes fazer aquilo que quiseres”. E anula de imediato uma ideia de provocação, “porque é ofensivo que uma pessoa se sinta ofendida pela minha provocação. Isso mete em cheque a minha maneira de estar, e a minha maneira de estar não tem de ofender ninguém. Não estando eu a fazer mal ao outro, tenho de ser aquilo que me apetece ser”.

“Eu costumo pôr batom e rímel quando saio à noite, mas comecei com as unhas há três anos numa tarde de procrastinação com a minha irmã.”
“Eu costumo pôr batom e rímel quando saio à noite, mas comecei com as unhas há três anos numa tarde de procrastinação com a minha irmã.”

Os olhos de Filipe Sambado viram-se agora pela primeira vez na nossa direção. Conta-nos como durante o dia acompanhou a irmã à loja Stradivarius. Enquanto ela escolhia roupa, ele encontrou um vestido de rede preto para usar no seu próximo concerto em Lisboa.

“Acho piada tentar explicar o que estou a sentir, como se as pessoas nunca tivessem sentido.”
“Acho piada tentar explicar o que estou a sentir, como se as pessoas nunca tivessem sentido.”

A música de Filipe Sambado é eficaz na maneira como nos conquista, as suas letras ficam na cabeça logo após a primeira escuta. Cada canção tem numa frase um sem fim de possibilidades. “São pensamentos vistos de cima, eu tenho um bocado essa coisa, tento falar dos outros da perspectiva com que me leio.” Vida Salgada é um disco que fala da transição do desamor para o amor. O próximo que tem estado a escrever seguirá o mesmo caminho, “vai ainda mais nessa direção do amor próprio, é mais pró-ego de uma forma positiva.” Filipe quer transformar o amor que sente, num amor comum, “eu quero ser meio profético, mas não quero ser moralista. Posso cair no moralismo quando as coisas correm mal. Mas se estou a falar para muitas pessoas, quero dizer aquilo que acho. Aliás, na vida falo muito em achos.” Foi em Lagos que começou a escrever, “uns poemas para fazer uns raps”. Mudou muitas vezes de casa enquanto crescia – foi a trajetória da família um pouco nómada que inspirou a letra do single Aprender e Ensinar. Diz no refrão que já lavrou terra no campo, lançou redes ao mar e que agora veio para a cidade para aprender e ensinar a amar. “Acho piada tentar explicar o que estou a sentir, como se as pessoas nunca tivessem sentido. Um bocado como aquela coisa do Oscar Wilde em que a arte contagia a vida”.

“As conversa têm este problema, são sempre interpeladas. A arte faz-se valer pelo que transmite”.
“As conversa têm este problema, são sempre interpeladas. A arte faz-se valer pelo que transmite”.

No final da adolescência, Filipe veio para Lisboa estudar dramaturgia na Escola Superior de Teatro e Cinema. Foi depois do curso que a música passou a ser o foco principal. Sem se sentir Lisboeta fala da agitação da cidade, da atração pela multidão. Pode passar dias a ler ou a escrever na rua, inspira-se em esplanadas rodeado de pessoas. Ao ouvir a canção Vida Salgada ficamos com a sensação de que tentou escrever um hino contra o aborrecimento quotidiano, “antes queria não viver do que andar a viver mal”, canta. Perguntamos se procura a vida magnífica ou trágica que muitas vezes é descrita na literatura, “por acaso quero um quotidiano que seja só um bocadinho mais confortável. Tentando perceber de que maneira é que esta rede capitalista pode funcionar. Ricos não vamos ser, portanto é perceber até que ponto conseguimos viver confortáveis, tem de haver uma medida de trabalho. Ao nível de tudo o resto, eu sou uma pessoa muito contemplativa. Consigo tirar prazer das coisas facilmente e gosto de escrever sobre elas”. Filipe quer ser ouvido e na sua lógica o objeto artístico é a melhor maneira de contar histórias às pessoas, “as conversa têm este problema, são sempre interpeladas. A arte faz-se valer pelo que transmite”. Nesta frase encontramos pistas para explicar o fascínio que as canções de Sambado exercem sobre o público que se desloca aos seus concertos. Sabem as letras, cantam em coro, às vezes cantam mais alto que ele. Há demasiadas vidas nas canções de Filipe Sambado.

Começa a chover no Cais do Sodré, o final da nossa conversa faz-se debaixo de um toldo. Cecília vem ter connosco à rua, traz um amigo consigo, convenceu-o a pintar os lábios pela primeira vez. E nesse momento percebemos que a arte de Sambado já está ali a influenciar a vida.

 

Datas do próximos concertos: Maiorais, Rio Maior: 22 de Abril Clube de Vila Real, Vila Real: 20 de MaioPlano B, Porto: 12 de MaioCasa do Povo, Ovar: 11 de Maio

 

Tiago Manaia By Tiago Manaia

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