O escritório de Sabato de Sarno está repleto de livros, arte e quatro cadeiras Le Bambole de Mario Bellini. Fotografia: Federico Ciamei
O designer será o centro das atenções com o seu desfile de estreia enquanto diretor criativo da Gucci esta sexta-feira, marcando o início do próximo capítulo da Gucci.
"Foi a Gucci que me fez descobrir a moda."
Sabato De Sarno está sentado numa das quatro cadeiras Le Bambole de Mario Bellini no seu escritório romano, com a sua dachshund Luce ao colo. Passou "um mês e 10 dias" desde que assumiu o cargo de diretor criativo da Gucci, a marca de 10 mil milhões de dólares do grupo Kering. A cadelinha já se sente em casa no Palazzo Mancini-Salviati do século XVII, sede da Gucci. No entanto, De Sarno, um jovem de 40 anos com uma natureza sensível e atenciosa, ainda está a explorar - a conhecer as equipas, a fazer testes de produtos e a dar entrevistas introdutórias, tal como esta. Começa com uma história pessoal sobre uma compra do passado.
"Apanhei o comboio para Roma, era a minha primeira vez numa loja de luxo", conta no dia de julho em que nos conhecemos. "Lembro-me que o que me surpreendeu foi ver as pessoas na fila lá fora. Acho que me senti como o meu sobrinho se sente agora quando vou à Disney com ele. Foi emocionante. Quando chegou o meu momento de entrar, comprei um casaco da Gucci, de Tom Ford. Era de veludo, vermelho escuro, com uma gola preta. Vendi o colar que os meus pais me deram para o comprar. Eles não sabem disso".
Hoje em dia, tem um uniforme de t-shirts pretas, calças de ganga pretas e ténis Converse All-Star brancos, mas ainda tem aquele casaco Gucci. "Agora é muito pequeno para mim", diz ele. "Eu era um jovem, mas ainda o tenho porque o adoro."
Formado no Istituto Secoli de Milão, com passagens pela Prada e pela Dolce & Gabbana antes de uma década na Valentino, De Sarno está na moda há 20 anos, mas antes da Gucci trabalhava nos bastidores e aí sentia-se confortável. "Este é um momento muito novo para mim", diz ele. "Sou um sonhador, mas, sinceramente, nunca sonhei com algo assim."
Na altura em que comprou o casaco, De Sarno já sabia que queria ser designer de moda. "Cresci numa pequena aldeia no sul chamada Cicciano, perto de Nápoles", diz. "E interessava-me muito o que as pessoas vestiam nas ruas, porque é a primeira forma de comunicarmos às outras pessoas quem somos. Foi aí que comecei a pensar em criar roupas, porque se trata de ajudar as pessoas a serem elas próprias."
De Sarno, rodeado pela sua equipa e por modelos com looks a serem produzidos.
Federico Ciamei
Incentivar os elementos da equipa a serem eles mesmos foi uma das suas primeiras tarefas na Gucci. Chamei toda a gente ao meu gabinete e disse: "Sei que sou o vosso diretor criativo, mas também sou o Sabato e estive no vosso lugar há apenas 20 dias e sei o que estão a pensar e porque não dizem nada. Sei que estão assustados porque muitas coisas estão a mudar e sentem-se parte da antiga Gucci. Mas agora estão aqui, e se estão aqui, são a minha equipa e preciso da vossa opinião". Durante a nossa visita em julho, os aliados mais próximos de De Sarno parecem ser Remo Macco, um veterano da Gucci que foi nomeado studio design director no ano passado, e o diretor artístico Riccardo Zanola, com quem trabalhou anteriormente na Valentino.
De Sarno ganhou a confiança de Pierpaolo Piccioli, da Valentino, ao longo de 14 anos, passando de responsável pelo knitwear de homem e mulher em 2009 para se tornar no seu braço direito. A festa de despedida que Piccioli organizou para ele no final de abril, com toda a gente vestida com t-shirts "I ❤ SdS", fez furor nas redes sociais. A alta costura não está habituada a estas manifestações públicas de emoção. Sobre o seu antigo chefe, De Sarno diz: "Não somos parecidos, mas há muitas coisas que partilhamos e pensamos da mesma maneira. Para mim, isto é importante: não posso ficar num lugar onde não sinto que posso ser eu próprio, porque perdi muito tempo quando era adolescente sem ser eu próprio". Diz que só se assumiu como homossexual quando saiu de casa para ir estudar em Milão. Foi o primeiro sítio onde se "sentiu livre".
Quando a Kering anunciou a sua nomeação em janeiro, Marco Bizzarri, o então CEO da empresa, disse que De Sarno tinha sido contratado para "escrever o próximo capítulo da Gucci, reforçando a autoridade da casa na moda e capitalizando a sua rica herança". A palavra que o designer utiliza para descrever a sua visão da Gucci é italianidade. A Gucci, diz ele, "é uma marca muito italiana com uma enorme herança. Italiana no artesanato, italiana no gosto, e penso que perdemos isso. Quero trazê-lo de volta. A italianidade faz parte da minha história, sem dúvida".
Alguns designers são artistas e outros são engenheiros; De Sarno pertence orgulhosamente a esta última categoria. Escolheu o Istituto Secoli (na altura chamado Istituto Carlo Secoli) porque oferecia a formação mais técnica. "As outras escolas apenas sugeriam que eu desenhasse inspirações para um moodboard. Eu queria uma escola onde pudesse adquirir skills." Na Prada, um estágio levou a um emprego a tempo inteiro e trabalhou no escritório da modelista Delia Coccia, transformando esboços 2D em peças 3D. "Ela fazia casacos e é por isso que a minha paixão atual são os casacos. Colecciono-os porque ela era a melhor na Prada."
De Sarno sentado com Remo Macco, veterano da Gucci nomeado studio design director no ano passado, durante uma prova.
Federico Ciamei
Se excêntrico é o adjetivo que os observadores da Gucci usaram com o anterior diretor criativo da marca, Alessandro Michele, essencial parece mais adequado a De Sarno. É provável que a sua estreia na Gucci comece com um casaco, de corte e construção minimalistas e feito de em lã, com a fita de gorgurão às riscas, que é a marca registada da casa, a rematar a abertura nas costas, uma referência discreta mas imperdível. "Parti do guarda-roupa, porque senti a urgência de juntar as peças de que gosto e que não encontro", diz. "Sim, há muitos casacos pelo mundo fora, mas este é o meu casaco, a minha forma, o meu tecido, o meu pormenor." A silhueta geral da coleção, em consonância com muito do que vimos nesta temporada em Nova Iorque e Londres, centra-se em peças curtas e com destaque nas pernas. As minis de De Sarno vêm com calções incorporados que surgem por baixo das bainhas das saias. "Isso cria confiança", diz. A clássica mala Jackie vai regressar, mas numa pele mais suave "para a tornar mais quotidiana", e a Bamboo também.
Num desvio ao status quo recente, o desfile da Gucci desta estação não terá lugar no Gucci Hub, a sede em expansão nos arredores de Milão que abriu em 2016. Em vez disso, De Sarno escolheu as ruas que rodeiam a Accademia di Brera, uma histórica universidade de belas artes, onde o designer imagina que as pessoas encham as varandas para ver as modelos passar. As melodias de Mark Ronson, o diretor musical oficial do desfile da Gucci, cujo trabalho mais recente inclui a banda sonora de Barbie, podem até fazê-las dançar.
A arte desempenha um papel importante na vida de De Sarno. As visitas às galerias são uma forma de passar os fins-de-semana com o marido Daniele, que é advogado e vive em Bruxelas, embora tenha começado a colecionar antes de se conhecerem, quando era "muito novo". A sua preferência recai sobre trabalhos com palavras, trabalhos que "nos fazem pensar", como diz. A peça atrás da sua secretária que diz "Everything is great / Everything is shit / Everything is boring / Everything is alright / Everything is fucked / Everything is sexy / Everything is dull" é de um artista emergente de Chicago, Eric Stefanski, e cita o nome de Lucio Fontana, "não por causa das suas cores ou das suas telas cortadas, mas por causa das anotações pessoais que escrevia no verso". Se fizesse como Fontana e escrevesse palavras no forro do seu casaco de abertura da exposição, quais seriam?
"Eu quero-o. Desejo-o", diz ele. "Quero que as pessoas se apaixonem novamente pela Gucci. É por isso que uso a palavra 'ancora' no meu espetáculo." De Sarno tem a palavra italiana impressa numa moldura na parede ao lado da sua secretária. Também a tatuou no braço esquerdo depois de ter conseguido o cargo na Gucci (no direito tem um lírio de Ellsworth Kelly feito quando tinha 18 anos). "Ancora significa muitas coisas", explica. "Significa outra vez, mas também é mais pessoal; não é algo que se perdeu, é algo que ainda se tem, mas que se quer mais porque nos faz feliz."
De Sarno alegrou a Internet quando a primeira imagem da campanha de joalharia foi lançada a 5 de agosto, e Daria Werbowy foi a estrela. Werbowy dominou as passerelles nos anos 2000 antes de se afastar da carreira de modelo em 2013, mas voltou graças ao seu velho amigo Sabato. Os dois conheceram-se há 20 anos, quando De Sarno estava a ganhar experiência na Prada. "Daria, começámos juntos neste ramo em 2003, e aqui estás tu comigo no início desta nova aventura", escreveu ele no post do Instagram que acompanha o anúncio, em que Daria usa um biquíni preto com Gs duplos entrelaçados na anca e brincos de argola dourados da coleção de alta joalharia. Nos seus Stories, publicou uma fotografia de duas décadas dos dois juntos, com os caracóis de De Sarno e as sobrancelhas descoloradas de Werbowy a servirem de indicadores do tempo que passou.
Para o seu desfile desta sexta-feira, De Sarno e o seu diretor de casting Piergiorgio Del Moro estão concentrados em novas caras. "Gostaria de ter pessoas desconhecidas", diz o designer. "Quero mostrar uma estética e, se usar pessoas famosas, só as vemos a elas. Não tenho a certeza se me ajudariam a contar a história que quero contar". De Sarno entende que a Gucci é "um microfone para dizer coisas", e uma das coisas que quer destacar são os jovens talentos. Em simultâneo com a sua estreia na passerelle, a Gucci está a patrocinar uma exposição numa galeria de quatro jovens artistas de Milão, não muito longe da Accademia di Brera, local do desfile; a exposição está aberta ao público e é acompanhada por uma publicação, Gucci Prospettive N.1, Milano Ancora, que De Sarno descreve como uma "carta de amor" a Milão.
No final de julho, a Kering anunciou uma mudança na empresa. As vendas da marca Gucci no segundo trimestre aumentaram 1% para 2,5 mil milhões de euros, abaixo das expectativas consensuais de 4%. No entanto, o presidente e diretor executivo François-Henri Pinault, reconhecendo as mudanças executivas que tinham sido implementadas, afirmou que "o potencial da Gucci, na minha opinião, é superior a 15 mil milhões de euros".
Bizzarri sairá em setembro, no dia seguinte ao desfile de De Sarno, e Jean-François Palus, antigo diretor-geral do Grupo Kering, suceder-lhe-á. A reorganização poderia ter-se revelado destabilizadora para um diretor criativo, mas quando De Sarno pega no telefone uma semana antes do seu desfile, conta uma história diferente. "Foi uma grande mudança, sem dúvida, mas não para mim, porque sou muito novo. Sinto que agora é uma evolução maior; todas as pessoas-chave são novas." De Sarno tem muito em mãos, mas está preparado. "Estou muito entusiasmado", diz ele. "Conheço o processo porque faz parte do meu trabalho, mas a emoção por detrás disto é indescritível."
Artigo originalmente publicado aqui.
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