Conhece bem o seu corpo? Zoë Ligon explica porque é que explorar a sexualidade — a solo ou acompanhada — é a melhor maneira de descobrir um roteiro de prazer que se desenrola onde a sua desinibição começa.
Conhece bem o seu corpo? Zoë Ligon explica porque é que explorar a sexualidade — a solo ou acompanhada — é a melhor maneira de descobrir um roteiro de prazer que se desenrola onde a sua desinibição começa.
Jena Ardell / © Getty Images
Jena Ardell / © Getty Images
Fiz sexo com alguém durante cinco anos antes de sequer pensar em masturbação. Entre os 14 e os 19 anos, ter um pénis a entrar e sair dos meus orifícios era a minha definição de prazer. Era agradável na maioria das vezes, mas só isso. Agradável. Por vezes, eu tolerava algum desconforto para lhes dar prazer.
Eu tinha um conhecimento geral da existência do meu clítoris (e sabia‐me muito bem limpar‐me com muita força quando ia à casa de banho), mas parte de mim estava hesitante em relação a explorar mais as boas sensações transmitidas por essas cócegas. Para mim, a emoção da sexualidade dependia sempre do prazer do meu parceiro masculino. Eu não sabia que estava constantemente a representar — o ato de conquistar a atenção de alguém e de lhe agradar era o que me fazia voltar. A sensação física? Um mero pensamento subsequente.
Gostaria de estar fora da estatística, mas a minha experiência é incrivelmente comum e, creio eu, representativa da norma para as portadoras de uma vulva — socialmente conhecidas como mulheres. Aquilo que me inquietou quando atingi a maturidade sexual não foi o facto de não ter conhecimento do meu prazer, mas sim a possibilidade de o ter descoberto se me tivesse sentido motivada e incentivada a fazê‐lo. Se o mundo ao meu redor — os homens, os media — se preocupasse minimamente com isso. O meu prazer simplesmente não era importante para mim.
Só quando comecei a usar vibradores (e mais tarde, vibradores grandes, estilo varinha) é que descobri o meu potencial orgásmico. Tinha 19 anos na altura e estes brinquedos pareciam‐me ser a solução para a minha autonomia sexual. A sensação que transmitiam ajudaram-me a amar‐me mais do que a qualquer parceiro que tivera até à data.
Comecei a vender brinquedos sexuais numa loja da especialidade em Manhattan, aos 21 anos — uma educadora sexual júnior. A loja ficava no SoHo e as pessoas entravam e começavam a falar, sendo muito frequente a conversa assemelhar‐se a uma sessão de terapia grátis. Comprar um brinquedo era, muitas vezes, uma simples compra, mas a minha sugestão de usar um lubrificante para reduzir a fricção poderia fazer alguém ficar imóvel e abrir um abismo de medo entre nós. Havia quem não se desse por achado e dissesse: “Sim, eu sei, tenho um em casa.” Mas outras pessoas ficavam visivelmente alteradas e baixavam os olhos. “Não, obrigada, não tenho quaisquer problemas lá em baixo.” Aparentavam sentir‐se profundamente insultadas. Aprendi rapidamente que o lubrificante era sinal de insuficiência para muitas pessoas, sobretudo para as mulheres. Era uma admissão de que algo não estava bem.
Isso fez‐me pensar em todo o sexo doloroso que me fizera sentir a arder por dentro. Haveria alguma coisa de errado em mim, por achar que havia demasiada fricção no sexo? Seria a minha vagina um deserto estéril, comparada com outras vaginas? Eu suportara muito desconforto e dor durante muito tempo e interrogava‐me sobre quantas outras pessoas o teriam suportado só para parecerem estar na boa com todos os pedidos do seu parceiro — por mais fricção que envolvessem.
O primeiro post que fiz no meu blogue, que acabou por me conduzir à minha carreira como jornalista especializada em sexo, foi sobre lubrificante. Apesar de os brinquedos sexuais terem sido o meu primeiro passo em direção à autonomia sexual, muitos conceitos assentam sobre o lubrificante. O lubrificante representava uma coisa que exigia um certo grau de comunicação, um passo adicional, mais uma pausa na ação que permite a entrada da vulnerabilidade. No entanto, para muitas pessoas, é o fator que determina se sequer conseguiremos fazer sexo.
"Assumir o controlo sobre a nossa sexualidade e o nosso prazer é tanto um exercício de consciência como um estudo de factos sexuais e manobras estilosas."
Tenho 26 anos e vendo brinquedos sexuais há mais de 5 anos. Desde que enveredei por este caminho, já aprendi muito sobre todas as formas em que me virei do avesso para corresponder a padrões sexuais irrealistas estabelecidos por outras pessoas. Explorar os meus traumas, que incluem traumas sexuais e maus‐tratos emocionais, ajudou‐me imenso a descobrir a razão pela qual eu continuava, sistematicamente, a inibir a minha necessidade de exploração.
Nem todos temos um momento traumático na vida que cause esta angústia, mas eu acho que o mundo em que vivemos é muito traumatizante para a nossa mente quando nos tornamos sexualmente vulneráveis, independentemente de quem formos. Até a ideia de que devemos encontrar o tal, a nossa cara‐metade, um príncipe montado num cavalo branco é uma mensagem muito tóxica que exerce imensa pressão sobre nós. Somos capazes de tolerar situações muito perigosas para manter estes sonhos vivos. Todos fomos afetados subconscientemente pela toxicidade do amor e por mitos sexuais como este, e temos de desconstruir esta programação subconsciente para podermos ter sexo e intimidade segundo os nossos próprios termos (mesmo que pensemos que já desconstruímos tudo).
Precisei de muitos anos de terapia para compreender o modo como eu prescindira da minha autonomia. Sim, eu sabia falar sobre os meus traumas, mas não era capaz de me defender e de exigir o uso de um vibrador durante o sexo — não só ocasionalmente, mas quase sempre, porque é isso que eu quero. Não quero mais sexo doloroso. Não quero deixar que as necessidades dos outros continuem a ser prioritárias quando as minhas nem sequer são levadas em consideração.
Descobrir a alegria da masturbação foi, em grande parte, o que me ajudou a sentir‐me segura no meu corpo. A masturbação é O caminho para aprender aquilo de que o nosso corpo gosta e não gosta, e é muito mais fácil comunicar com um parceiro (e ter sexo prazeroso com alguém) quando já temos alicerces sólidos de masturbação. Considero‐me uma educadora entre pares, na medida em que, frequentemente, aprendo enquanto estou a ensinar e preferia descobrir a resposta juntamente com alguém em vez de lhe dizer como é. Não gosto de me intitular “perita sexual”. Tenho muito para aprender e, na verdade, nunca paramos de aprender. Assumir o controlo sobre a nossa sexualidade e o nosso prazer é tanto um exercício de consciência como um estudo de factos sexuais e manobras estilosas (embora essas também sejam divertidas, claro).
Seguem-se alguns equívocos em relação ao sexo que ouvi nos últimos cinco anos. Sendo eu alguém que acreditava na maior parte destes mitos há não tanto tempo quanto isso, tenho de relembrar que não havia fontes de educação sexual fiáveis ou abrangentes quando crescemos. Mesmo que seja uma daquelas pessoas com a sorte de ter usufruído de acesso a informação sexual, existe tanta pressão para fazer sexo, para não fazer sexo, ou para fazer sexo de determinada maneira que é impossível que isso não afete a nossa cabeça. Todos beneficiamos de lembretes contínuos para tratarmos o nosso corpo e a nossa mente com amor e carinho.
Mito: A existência do ponto G é questionável
Não. É uma parte do corpo, tal como os cotovelos ou o nariz. Situa-se entre 5 e 8 centímetros da entrada do seu canal vaginal, na parede frontal, e assemelha-se aos altinhos que tem atrás dos seus dentes incisivos. Na verdade, o ponto G é mais uma zona – com efeito, está ligado ao clítoris, é o clítoris interno! O clítoris fica “ereto” de uma forma muito semelhante à de um pénis e, quando este tecido erétil incha, o corpo do ponto G desce para o canal vaginal, do lado da barriga. Ao contrário de zonas erógenas externas, o ponto G não responde automaticamente a estímulos — despertar qualquer sensação exige um estímulo repetido e ritmado. Se não estiver excitada, pode ser muito difícil de encontrar, sendo essa a razão pela qual os estudos clínicos sobre o ponto G (realizados por investigadores do sexo masculino) dizem que não é uma zona discernível.
Mito: A maioria das pessoas consegue atingir o orgasmo só com a penetração
A grande maioria das portadoras de vulvas precisa de estímulo externo ou de estímulo externo misturado com estímulo interno para atingir o orgasmo. A parte exterior do clítoris tem muitas terminações nervosas e estimulá-lo é uma via rápida para despertar excitação. No caso das pessoas que são capazes de ter um orgasmo só através da penetração, é frequente que o osso púbico do seu parceiro, ou outra parte do seu corpo, esteja a friccionar o clítoris. Pode ser mais fácil atingir o orgasmo a pessoas com uma distância mais curta entre o clítoris e o orifício vaginal pela simples razão de o clítoris estar a ser mais estimulado pela penetração.
Mito: Tem de haver penetração para ser “sexo”
O sexo não tem de assumir uma só forma, mas na cultura heteronormativa, o sexo é centrado na penetração. Contudo, como referi anteriormente, a maioria das pessoas não atinge o orgasmo apenas com a penetração. Tudo o que antecede a penetração é considerado “preliminares”, mas a parte do ato sexual considerada preliminares por alguns é o acontecimento sexual propriamente dito para outros. Atribuir tanta ênfase à penetração não é bom para ninguém. É verdade que a penetração pode ser divertida, mas também é a causa de muito stress desnecessário. A incapacidade de conseguir uma ereção (ou de ser penetrada confortavelmente) não parece tão relevante quando nos apercebemos de que o sexo manual, oral ou com brinquedos também pode ser... sexo.
Mito: Não vale a pena fazer sexo se não atingirmos o orgasmo
Talvez você seja como eu e não tenha atingido orgasmos nos primeiros anos largos da sua vida sexual. Há quem passe uma vida sem atingir o orgasmo. Embora o orgasmo seja, sem dúvida, maravilhoso, existe muito prazer para além do clímax. Além disso, é um momento tão breve! A energia sexual que se constrói durante qualquer tipo de estímulo é uma experiência deliciosa que merece mais atenção. O orgasmo e a ejaculação são apenas uma pequena parte da experiência mais ampla e bela que é o sexo.
Mito: Os pénis e as vulvas requerem técnicas de estímulo completamente diferentes
Os pénis e as vulvas são partes do corpo homólogas — são feitas do mesmo tecido que o útero e, por conseguinte, são muito parecidas! A cabeça, ou a glande, do pénis é homóloga à parte exterior do clítoris e o mesmo se aplica ao prepúcio/capuz do clítoris, corpo do pénis/ corpo interno do clítoris, testículos/ovários e escroto/lábios exteriores. Com efeito, no início, todos os fetos têm uma vulva incipiente. Quando as hormonas desencadeiam o desenvolvimento dos genitais dentro do útero, o feto continua a desenvolver uma vulva ou começa a desenvolver um pénis. Algumas pessoas intersexo possuem genitais com as características de um pénis e de uma vulva. Independentemente da sua configuração genital, os tecidos são os mesmos e reagem mais ou menos da mesma maneira. Os clítoris podem ser estimulados com movimentos ascendentes e descendentes, à semelhança de um pénis, tal como um pénis pode ser “esfregado” à semelhança de um clítoris. Existem muitos pressupostos sobre como devemos estimular os genitais com base no seu aspeto, mas isso só serve para inibir a exploração.
Mito: Não é possível ser-se heterossexual e desfrutar de estímulo da próstata
Este mito está enraizado na homofobia. Felizmente, é algo que se ouve com cada vez menos frequência. Não é aquilo que fazemos, é a quem o fazemos que determina a sua orientação sexual. O estímulo da próstata é muito parecido com o estímulo do ponto G e estes pontos sensíveis são estimulados de formas bastante parecidas. Acho que grande parte do medo em torno do estímulo da próstata vem da ausência de familiaridade com a sensação de ser penetrado. Os portadores de um pénis ouviram a vida inteira que o seu papel é serem os penetradores. Relaxar durante a penetração não é fácil para todos, mas as portadoras de vulvas tendem a estar mais familiarizadas com a sensação. Um homem verdadeiramente igualitário está disposto a ser penetrado se também quiser penetrar — a sério, é impressionante quão mais suave e consciente o sexo se torna quando o fazemos com alguém que já foi penetrado.
Mito: É ideal ter uma vagina apertada
AAAH! Fico tão zangada quando ouço as pessoas fantasiarem com vaginas apertadas. Muitas mulheres sofrem de vaginismo, uma condição clínica que torna o soalho pélvico tão apertado que a penetração é dolorosa ou impossível. É muito comum acumular tensão no soalho pélvico e até pessoas que não sofrem de vaginismo podem achar a tensão muito desconfortável. Exercitar o soalho pélvico fortalece os músculos em redor da vagina, permitindo que o orifício e o canal se contraiam e distendam. É por esta razão que fazer muito sexo ou fazer sexo com um pénis/dildo grande não “alarga”. A vagina está rodeada por músculo e não é uma camisola que encolha ou alargue, por isso é altura de deixarmos de tratá-la como tal.
Mito: A vibração diminui a sensibilidade
Este mito emerge da alteração temporária na perceção das sensações após um estímulo intenso. É claro que se usar uma Magic Wand durante meia hora e depois tentar estimular manualmente os seus genitais, a sensação não será tão intensa, mas o efeito não é permanente. O cérebro não consegue sentir estímulos delicados depois de os recetores cerebrais terem sido inundados com sensações mais intensas. Este mito é um conceito nocivo que perpetua a vergonha em torno do uso de vibradores e eu já falei com inúmeras pessoas que têm, literalmente, medo de usar vibradores por esta razão.
Mito: A vibração torna o estímulo manual menos prazeroso
A esta é difícil dar a volta. Sim, por vezes descobrimos a vibração e é, de longe, muito mais excitante do que o estímulo manual, mas os vibradores não alteram o corpo. Acho que este mito tem origem no medo que um parceiro sexual sente da possibilidade de ser “substituído” por um brinquedo, mas se o seu parceiro/a descobrir que os vibradores o/a fazem atingir o orgasmo e o estímulo manual não, porquê privá-lo/a dessa sensação fabulooosa? É divertido como um vibrador ou um dildo podem fazer com que os homens, em particular, se sintam emasculados, mas ninguém acha que uma ferramenta como uma pistola de pregos é emasculadora — apenas ajuda a completar o trabalho muito mais depressa!
Mito: Os brinquedos sexuais substituem os parceiros
Um brinquedo sexual não dá mimos. Um brinquedo sexual não lhe diz “amo-te” — se o fizesse seria um pouco assustador. Os brinquedos sexuais são ferramentas que funcionam como prolongamento dos seus membros — como um garfo ou uma bengala. Em vez de olhar para os brinquedos sexuais como rivais, pense neles como cúmplices. Pessoas de todos os géneros e orientações sexuais podem usar brinquedos para melhorar a qualidade da diversão, se assim o entenderem. Afinal, nenhum ser humano é capaz de vibrar e um dildo nunca precisa de uma pausa.
No que diz respeito a brinquedos, não existe uma coisa “melhor”. Toda a gente gosta de coisas diferentes, por isso, seguir a sua intuição tende a ser a melhor maneira de escolher um apetrecho sexual. Sempre que estou a falar com alguém que não sabe por onde começar, gosto de fazer algumas perguntas para diminuir o leque de opções. Quer estímulo interno ou externo? Para interno, vai querer algo ativo que entra e saia ou algo estacionário, como um plug? Algo mais estreito ou mais largo? Quanto a estímulo externo, quer algo que vibre ou algo não motorizado, como uma manga ou um masturbador? Quer algo que vibre ou um estímulo mais potente? Há tantas outras perguntas que podem ajudar a encontrar algo mais específico, mas estas são apenas algumas das formas de pensar sobre os diferentes tipos de brinquedos existentes no mercado.
Não existe tal coisa como um brinquedo exclusivo para homens ou mulheres. Os pénis podem gostar de vibração, da mesma forma que existem masturbadores para clítoris, e TODOS temos um rabo! Embora certos formatos possam ser mais ideais para configurações genitais diferentes, a única verdadeira limitação é não ser possível meter alguma coisa no rabo se não tiver uma base alargada ou um cordão reforçado.
Artigo originalmente publicado na edição de maio 2019 da Vogue Portugal.
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