Tendências  

Para além do espelho: tudo o que precisa de saber sobre procedimentos estéticos

07 May 2025
By Maria Inês Pinto

Fotografia de Hilde Van Mas.

Num mundo onde a beleza é idealizada e muitas vezes mal compreendida, a Dra. Ana Silva Guerra revela o que é verdade, o que é ilusão e o que realmente importa na medicina estética e cirurgia plástica. Conversámos com a especialista sobre mitos, verdades e tudo aquilo que é preciso saber antes de se aventurar em procedimentos estéticos, englobando uma visão que nunca compromete a saúde em prol da aparência.

Há uma simplicidade intrigante na forma como a Dra. Ana Silva Guerra fala do seu percurso: é uma clareza que se reflete não só no seu discurso, mas também na sua prática clínica, onde nunca sobrepõe a forma à função. A sua abordagem é pragmática e profundamente ética, resultado de uma formação sólida e de uma filosofia que alia a estética à funcionalidade. Numa trajetória marcada pela formação no Hospital São José, um ambiente exigente onde lidou diariamente com traumas severos e doentes politraumatizados, o contacto constante com situações delicadas moldou-lhe a visão e a sensibilidade, ensinando-a que a cirurgia plástica é muito mais do que estética: é a arte de reconstruir, devolver função e dignidade. O seu espírito inquieto levou-a a expandir horizontes além-fronteiras, e as experiências em países como Brasil, Bélgica e Inglaterra abriram-lhe novas perspetivas, especialmente no que diz respeito à medicina estética: se por cá ainda não havia grande formação, foi a sua curiosidade e dedicação que a levaram a desenvolver esta vertente da sua prática. Há mais de uma década que conjuga cirurgia plástica e medicina estética, tratando o paciente como um todo, com um rigor de que nunca abdica: se a funcionalidade é o ponto de partida, a estética não é ignorada, pelo contrário, é tratada com o respeito que merece, integrando-se naturalmente no processo de bem-estar e de bem envelhecer. E é precisamente essa visão holística que transparece também no seu envolvimento em projetos solidários. O desenvolvimento do projeto Mãos de Esperança revela uma preocupação genuína com o impacto social da sua profissão: com a crença de que todos merecem acesso a cuidados de saúde dignos, a médica tem desenvolvido iniciativas pro bono que oferecem tratamentos reconstrutivos a pessoas carenciadas, vítimas de acidentes e doenças que deixaram marcas profundas, tanto físicas como emocionais. Este projeto solidário é hoje uma parte essencial da sua prática e já soma onze conquistas que mudaram vidas.

Numa conversa franca e descomplicada, a Dra. Ana Silva Guerra ajuda-nos a separar mitos de verdades no vasto — e nem sempre bem compreendido — universo da medicina estética e da cirurgia plástica. Afinal, quantas das nossas certezas sobre procedimentos resistem a um olhar clínico e realista?

Qual é o maior mito em relação à medicina estética em que as pessoas ainda acreditam?

Um dos maiores mitos é que a medicina estética, por um lado, pode deformar o rosto, e por outro lado, pode resolver tudo. Em tempos, o que víamos muito nos media eram mulheres muito preenchidas, porque se pensava que a medicina estética podia resolver tudo: ou seja, em vez de fazerem remoção da pele que está em excesso — um lift cirúrgico —, as pessoas preenchiam, porque tinham muito medo da cirurgia. Isto deu muito mau nome e trouxe muita inquietação em relação ao tratamento de medicina estética, e eu tento desmistificar isto sempre. Costumo explicar que o meu propósito é envelhecer bem; envelhecer vamos sempre, mas fazê-lo bem depende de nós, e podemos fazer ao longo desse caminho pequenos tratamentos como ácido hialurónico, toxina botulínica, bioestimuladores para cuidar da pele. Vamos ficar mais flácidas, vamos ter rugas, mas não se vai notar tanto, e faz com que cheguemos aos 50 ou 60 com melhor aspeto. Não posso querer preencher tudo à custa do ácido hialurónico porque tenho medo de tirar um bocadinho de pele quando esta já se acumulou — aí entra a vertente cirúrgica. Eu digo sempre, ‘a partir daqui já não há nada que possamos fazer com tratamentos de medicina estética, porque corremos já o risco de deformar a cara’. Temos sempre dois caminhos: não fazer nada, ou então ponderar a remoção da pele com um lift: melhorar o pescoço, o terço inferior e a pálpebra, que é um dos primeiros sinais de envelhecimento. Não há nada a fazer sem ser cirúrgico para resolver isso. Então é a conjugação dos dois pontos que nos vai fazer estar bem ao longo do tempo, porque, mesmo fazendo uma cirurgia e fazendo um lift facial, há lugar sempre para botox, há sempre necessidade de cuidar da pele [...] mas tudo com noção da harmonia, do equilíbrio, sem exageros.

O que é que podemos dizer que é realista alcançar só com dermocosmética?

Primeiro, não vamos pensar que tratamos rugas com cremes, porque a ruga existe devido à contração muscular. No início, ela começa por ser dinâmica e com o tempo vai ficar marcada. Não há creme nenhum que vá corrigir isso, mas temos a toxina botulínica que vai relaxar o músculo, e ele não vai contrair de forma tão intensa. Os cremes que se dizem antirrugas, o propósito deles é uma hidratação um bocadinho mais intensa das camadas superficiais da pele, que faz com que pareça que as linhas finas esbatem. Agora, o que temos que saber em relação à nossa rotina diária? Primeiro, há um ponto muito importante que é a higiene do rosto. Eu ainda vejo muitas pessoas que limpam a cara com algodões, mas não há nada como passar a pele por água com gel [que tem de ser adequado ao tipo de pele]; lavar o rosto no fim de aplicar desmaquilhante é fundamental. Os algodões e as toalhitas só transferem de um lado para o outro. À noite, aconselho, na generalidade, retinol. O retinol é bom porque vai esfoliar, fazendo com que as camadas superficiais da pele — compostas por células mortas — tenham um turnover mais acelerado. Isto é bom para que as pequenas manchas desapareçam mais depressa, e a pele fica com um ar mais brilhante e com melhor aspeto. O retinol ajuda a potenciar a síntese de colágenio e a eliminar essas camadas superficiais de células que já não nos interessam, bem como na penetração de alguns ativos, como por exemplo a vitamina C e os antioxidantes. Mas ele é fotossensível, portanto, quem põe retinol tem de aplicar proteção solar. De manhã, podemos pôr um sérum de vitamina C, antioxidante, com ácido ferúlico ou todos aqueles agentes ativos que reduzem a mancha e melhoram a qualidade da nossa pele. E porque é que pomos de manhã? De noite pusemos o retinol, e a nossa pele está mais apta a receber estes séruns. O protetor solar é crucial: a radiação UVA e UVB é responsável por mais de 90% dos danos na pele. [...] Convém andar sempre com um stick no carro, e reparem que no lado esquerdo, para quem conduz, temos mais manchas e rugas. As pessoas procuram cremes antirrugas e não falam em protetor solar, e isso está errado: ponham os cremes todos que quiserem, mas no fim ponham sempre protetor.

Quais são os procedimentos que as pessoas mais pedem atualmente?

A maioria das pessoas procura melhorar o rosto e dependendo da idade, do estado da pele e do grau de envelhecimento, podemos optar por medicina estética ou por procedimentos cirúrgicos. Há sempre uma complementaridade: eu nunca faço só uma coisa ou só outra, exceto em camadas mais jovens, onde não há lugar para cirurgia. Vêm cá sobretudo mulheres também porque aumentaram muito de peso ou tiveram gravidezes e estão descontentes [com o peito e abdómen]. A pressão sobre a mulher é intensa: tem de ser a mulher perfeita, tem de trabalhar e ao mesmo tempo tem de estar fit. Isso não é real, é difícil, fora os constrangimentos da nossa vida. Tentei criar neste espaço condições ideais para conseguir dar resposta a tudo: por exemplo, temos aqui endocrinologia, porque, com o stress de hoje em dia, há muita patologia da tiróide, e temos essa parte mais especializada, bem como outra vocacionada para o controlo de peso, porque é difícil, sobretudo na menopausa. A mulher está a lutar contra as próprias hormonas, para além das alterações psicológicas que vive. Também há quem venha à procura de tratamentos não invasivos para gordura localizada, por exemplo. Digo sempre que podem fazer várias vezes, mas no fim vão querer fazer uma lipoaspiração: o não-invasivo vende-se muito bem, mas eu não faço quase [tratamentos não-invasivos] porque eu quero resultados.

As pessoas têm muito receio da cirurgia?

Sim, também por tudo aquilo que se ouve, mas pelo facto de eu vir de um hospital e ter tido treino com patologia grave, é inconcebível pensar que vou pôr alguém em risco. Eu costumo dizer que um aumento mamário é uma cirurgia que ninguém precisa: vamos passar de um momento em que nada nos dói para um em que tudo vai doer. Vale a pena correr esse risco? [...] Acima de tudo sou médica e estou aqui para ajudar, se me proponho a fazer alguma coisa, tenho de deixar aquela pessoa melhor. Se eu acho que isso não vai acontecer, nem sequer lhe toco. E esse esclarecimento é fundamental. [...] As pessoas não devem ser operadas aos 40, aí há a medicina estética para atrasar o processo. Há uma janela temporal aos 55 ou 65 em que ainda estamos bem para usufruir do resultado, ainda não temos muita patologia, e depois é só manter. Temos de saber envelhecer: importa que [a cirurgia] seja feita de forma a preservar o natural: eu não vou fazer o que eu gosto, vou preservar o rosto e melhorar um bocadinho as características que se foram perdendo, sem mudar a essência.

Hoje em dia, vemos a rinomodelação em alternativa à rinoplastia. O que acha disto?

Primeiro, vou alertar para um facto: a rinoplastia é uma cirurgia complicada, não do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista psicológico. O nariz está no centro da face e é preciso ter muito cuidado para ter expectativas alinhadas do lado do paciente. Temos de perceber muito bem o que ele pretende, porque, quando me mostram o nariz de um ator ou atriz é sinal de que algo não está a funcionar bem. Às vezes, mais vale não mexer, porque eu nunca vou conseguir dar-lhe esse nariz, não vai ficar bem ali: vou usar os parâmetros que eu conheço, que são os ideais da rinoplastia, e adaptar um nariz com medidas matemáticas — o nariz vai ser o seu, mas um pouco melhor. Já na rinomodelação, temos duas vertentes: [os pacientes] querem uma alteração muito ligeira (e ninguém vai operar por causa de uma alteração ligeira na cartilagem), então conseguimos corrigir com ácido hialurónico e dura imenso tempo — é uma zona que não mexe muito por isso dura mais de seis meses. Ou então, para quem quer a pontinha mais arrebitada, vou simular um bocadinho dessa projeção com ácido hialurónico, como se fosse uma preparação para a cirurgia. Se tiver o dorso alargado, com a rinomodelação também consigo criar duas linhas e tornar a zona mais fina.

Quais são os riscos que existem ao fazer estes procedimentos em locais não especializados?

A nível mundial, na medicina estética, o nariz e a região do sulco nasolabial são as zonas mais perigosas para injetar, e existem muitos casos de cegueira e morte associados. Se fizerem com os profissionais habilitados para o fazer, esse risco é diminuto: risco existe sempre mas, se fizermos com alguém que não percebe nada do que está a fazer, é gigante. [...] Há consequências que são reversíveis, mas a cegueira é muito difícil. Eu sei que as pessoas procuram sempre o mais económico e o mais barato, e entendo. Mas no que toca à nossa saúde, isso tendencialmente não é sinal de qualidade, e é importante procurar profissionais qualificados com formação; claro que isso vai ter um valor mais alto, mas há um perfil de segurança muito mais elevado. [...] Nestes tratamentos, as pessoas descuram um pouco com ‘ah, é só pôr um bocadinho de ácido hialurónico’, mas não é... consequências graves podem advir e temos de olhar para isto como uma vertente da saúde. Tem de ser bem feito e com produtos de qualidade, porque há muita contrafação.

É sequer legal fazer estes procedimentos em sítios não especializados?

Não, em Portugal só médicos é que podem fazer. As entidades responsáveis fazem essa fiscalização, mas tem de continuar a existir.

Há alguma nova tecnologia que valha a pena conhecer?

Eu sou muito descrente quanto a novas tecnologias, porque acho que frequentemente são modas. Mas algo que me preocupa é a flacidez, e é algo que nos vai acompanhar transversalmente ao longo da vida: nos braços, na maminha, na barriga, nas coxas, nos glúteos... quem é que não se queixa? No caso da barriga e do peito, conseguimos tratar com cirurgia, mas nos braços e nas coxas é muito chato, porque vamos por cicatrizes em sítios [muito visíveis] que eu não gosto nada. Então, andei à procura de alguma máquina que nos ajudasse a fazer tightening da pele, e tenho duas neste momento: uma é mais superficial — sobretudo para manter a qualidade da pele e para a textura, como marquinhas de acne e cicatrizes. A outra, a Renuvion, já existe há algum tempo, mas em Portugal é recente, e usa energia plasma. No caso, existe uma cânula que emite um raio — tem hélio no interior — e vai encolher o que une a pele à parte muscular, promovendo a retração. Tem resultados espetaculares nos braços, nas coxas, na papada, sem cirurgia, e pode ser usada em todo o lado, mas esses são os melhores sítios.

Quantas sessões são necessárias?

Apenas uma. Normalmente isto tem de ser feito no bloco operatório para a pessoa estar confortável, e porque frequentemente associamos a lipoaspiração. Mas é uma sessão apenas, o que é muito bom, e tem resultados ótimos.

Desmistificar tendências de beleza populares

Drenagem linfática: A drenagem linfática é muito importante, mas deve ser feita por fisioterapeutas que sabem fazer drenagem linfática manual. Acho que devíamos fazer todas, é excelente e eu aconselho vivamente, até para membros inferiores: quem não tem as pernas inchadas? Melhorar a circulação da linfa é fundamental para o sistema imunitário.

Máscaras de luz LED: Podem ser um complemento, mas há pouca evidência científica.

Microneedling: Sim, é bom. O nome técnico é indução percutânea de colágenio, e consegue trazer melhorias gigantes ao corpo e à qualidade da nossa pele. Ao mesmo tempo que melhora a textura da pele, também vai estimular a produção de colagénio. Toda a agressão — desde que seja controlada, claro — traz benefícios enormes para a pele, e neste caso as microagulhinhas vão agredir controladamente a pele e nós responderemos produzindo colagénio. Isto permite tornar a pele mais permeável para a introdução de ativos [...] e faz com que fique com um brilho espetacular, sendo que não altera as feições e a expressão. É chato porque é ligeiramente doloroso e a pele fica um bocadinho vermelha nos dias a seguir, mas é espetacular. O Morpheus, que é a radiofrequência com microagulhas, também é uma forma de microneedling, só que além da agressão controlada da pele com agulhas, vamos também introduzir a radiofrequência. Além da melhoria da textura da pele, vamos promover tightening com energia. Gosto muito e aconselho vivamente de três em três semanas. O peeling químico, controlado e bem feito, também é excelente. 

Suplementos de colagénio: nós comemos a comida que entra na boca e atravessa o esófago, estômago, passando por todo um processo, e depois é absorvida no intestino; o que nós absorvemos passa para o sangue e vai para todo o corpo. O colagénio é uma macromolécula e, para ser absorvida, tinha de ser bem fragmentada. [...] Eu posso tomar colagénio, mas não sei se é hidrolisado (fragmentado) o suficiente e, se não, vai direitinho para fora. Se não, vai para o sangue, e depois? Não tem um GPS que lhe diz para ir para a pele: vai distribuir-se por todos os órgãos e sistemas do corpo, incluindo a pele, mas não há evidência científica que ateste que isso é uma mais valia. Se nós queremos aumentar o nível de colagénio, vamos diretamente à pele no local. Portanto, eu não recomendo os suplementos de colagénio, recomendo multivitamínicos, eventualmente alguma vitamina D que esteja em falta, mas a alimentação cuidada cumpre a maior parte das nossas necessidades. Isso é mais marketing que outra coisa.

Baby botox: Sim! Basicamente o baby botox é a utilização da toxina botulínica numa concentração mais baixa. Para quem me pede baby botox — e normalmente faz-se em idades mais jovens — eu explico que faço uma diluição menor, com menos toxina botulínica, e o resultado vai ser mais suave e menos durável. O que eu vejo, muitas vezes, é pessoas que não fazem ideia do que é que estão a fazer e têm um botox que dura mês e meio; isso não é correto.

Face taping: Nós fazemos muito taping em pós operatório e, quando é bem colocado, as tapes vão manter a tensão na pele e melhorar a drenagem linfática na zona. Novamente, isto tem de ser feito por profissionais. Temos de ter espírito crítico: é muito fácil venderem-nos coisas nas redes sociais, mas há que pensar e perceber se é só alguma moda e se não nos vai prejudicar. Por isso, taping sim, mas feito por fisioterapeutas que sabem o que estão a fazer: é preciso saber a direção, a força e tensão, a largura das fitas, a abertura... 

Fillers na olheira: Sim! Há um mito muito grande: nada — invasivo ou não — vai mudar a cor da olheira. O que podemos fazer com ácido hialurónico é diminuir a profundidade da olheira, como se fossemos elevar a pele e torná-la levantada, para reduzir esse cone de sombra. Ácido hialurónico na olheira é algo para ser feito de ano a ano, esta é uma zona muito vascularizada, com uma drenagem linfática muito exuberante e o ácido hialurónico é hidroscópico, ou seja, recruta muita água, por isso temos que deixar atuar e não mexer mais: quanto mais intervenção houver, mais edema nós vamos ter. [...] Nos casos do tom escurecido, posso melhorar a qualidade daquela pele para ficar mais forte, mais espessa e assim não se ver tanta pigmentação inferior. Como é que isso se faz?Microagulhamento, por exemplo. [...] Os papos podem ter cirurgia e em pequenas rugas fininhas podemos aplicar toxina botulínica. Quando já temos pele a mais, teremos de partir para cirurgia.


Originalmente publicado no The Eternal Fools' Day Issue, a edição de abril de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.

Maria Inês Pinto By Maria Inês Pinto
All articles

Relacionados


Tendências  

Estes são os penteados dos anos 2000 que vão regressar em 2025

24 Jan 2025

Beleza  

Good hair, great day: a psicologia do cabelo perfeito

21 Mar 2025

Beleza  

Da MAC para o Mundo: tudo o que importa saber sobre as tendências de maquilhagem atuais

09 Apr 2025

Moda  

Beauty Study | Editorial de Moda

02 May 2025