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Tendências 20. 1. 2020

O tamanho não importa

by Mónica Bozinoski

 

Nem a forma. Nem o tom. Nem as irregularidades. Nem as imperfeições. Nem se são mais subidas ou mais descaídas. Boobs are boobs, and boobs will be boobs. A única coisa que as mamas não são nem nunca serão? Tendência.

 Ilustração de Mariana Matos e Eduarda Pedro

Em 2017, o mundo acordou para encontrar, algures no interminável emaranhado de informação que é a Internet, um artigo cujo título declarava o seguinte: CURVE YOUR ENTHUSIASM. Big boobs bounce back as having an out-and-proud cleavage is now in – while having small boobs is no longer fashionable. Ainda que não traduzido à letra, aquilo que este artigo tão entusiasticamente nos dizia era que as mamas grandes estavam novamente in, enquanto ter mamas pequenas estava oficialmente out. Como uma qualquer tendência longínqua que só vive no fundo da nossa memória e do nosso armário, “as mamas grandes estavam de volta in a big way”, e não faltavam imagens de Rihanna, Emily Ratajkowski e Rita Ora para “dar as boas-vindas ao regresso do decote out-and-proud” e acabar com o até então supremo reinado dos “descarados e pequenos bosoms de supermodelos como Kendall Jenner e Bella Hadid.”

A natureza problemática do artigo fez com que este se tornasse viral nas redes sociais. Obviamente, não pelas melhores razões. “Ainda bem que as mamas estão finalmente de volta. Tive tantas saudades das mamas quando elas não estiveram aqui”, escreveu uma utilizadora do Twitter. “Tenho que perguntar à minha mãe se ela ainda tem algumas mamas velhas dos anos 80 que eu possa usar”, escreveu outra. “Eu sabia que se as mantivesse por perto por tempo suficiente elas iam voltar a estar na moda.” Claro que esta não era a primeira vez, e muito menos a última – pedimos desculpa pelo sentimento “pessimista” desta afirmação –, que os seios femininos eram tratados como algo trendy.

Um ano antes, mais precisamente no final de 2016, outro artigo olhava para o estado das maminhas e questionava: “o que é que aconteceu aos decotes?” A pergunta surgia devido à aparente falta deles nas passerelles e na passadeira vermelha e resultava na afirmação de que “os decotes – esses magníficos montes puxados em conjunto para manifestar empoderamento sexual, para seduzir, para inspirar desejo ou simplesmente para mostrar – chegaram ao fim ou, pelo menos, estão a tirar uma merecida pausa. As maminhas não vão sair para os rapazes. Ou para ninguém, já agora.” A Internet não deixou de expressar a sua fúria, enchendo caixas de comentários atrás de caixas de comentários com uma mensagem muito simples: as mamas não são um acessório. As mamas, pequenas, grandes, com sinais, sem sinais, mais subidas, mais descaídas, com mazelas, com irregularidades, com mais volume, com menos volume, são pura e simplesmente mamas. Podemos parar de as tratar como acessórios e passar a tratá-las, pura e simplesmente, como mamas?

“As mamas grandes nunca foram consideradas high fashion”, defendeu a jornalista Bridget Read num artigo escrito no mesmo ano e publicado na edição norte-americana da Vogue. “Apesar dos tamanhos inclusivos nas passerelles serem uma tendência crescente, de os pedidos para as mulheres americanas abraçarem as suas formas serem mais frequentes, e da duradoura celebração de um rabo generoso ter atingido uma massa crítica graças ao poder de celebridades como Kim Kardashian West e Nicki Minaj, entre outras, este tipo de movimento ainda não coalesceu em torno das mamas. Temos o free the nipple, mas os mamilos que precisam de ser emancipados parecem estar sempre unidos a maminhas mais pequenas. Emily Ratajkowski disse em tempos que perdeu trabalhos como modelo porque as suas mamas são demasiado grandes, insinuando que o peito pode ser a próxima frente a explorar no body positivity.”

Alguns meses antes, Alyssa Vingan Klein, atual diretora da revista Nylon, declarava o seguinte no site Fashionista: “Eu tenho muitos sentimentos em relação a mamas. Esta afirmação tem múltiplos significados: fui uma early boomer e, quando cheguei ao ensino secundário, já usava uma copa D e dava por mim a chorar nos provadores da loja de surf local, todas as primaveras, quando não conseguia encontrar um único fato de banho que me servisse. Depois, aos 21 anos, fui chocante e surpreendentemente diagnosticada com cancro da mama, o que significava que, apesar das minhas muitas ansiedades em relação a elas, as minhas mamas iam ter de ir. Era, literalmente, uma questão de vida ou de morte.”

E continuava: “Imediatamente depois da minha mastectomia bilateral (quando tinha um peito tão liso que até os soutiens de desporto me ficavam largos), mudei-me para Nova Iorque e comecei a trabalhar na indústria da Moda. Por mais macabro que possa soar, às vezes sentia que não queria passar pela fase final da cirurgia reconstrutiva; o meu novo físico parecia muito mais adequado ao estilo esquelético, de model-off-duty que era tão popular nessa altura.” Publicado no seguimento daquele mesmo artigo que anunciava o fim do decote, o testemunho de Vingan Klein permanece um espelho fiel daquilo que pode acontecer quando uma parte do nosso corpo é vista pela sociedade como uma simples tendência. “Ainda bem que este artigo não saiu em 2009, quando o meu eu jovem e super impressionável estava a considerar não fazer a reconstrução mamária de forma a seguir o caminho fashionable. Isso teria sido uma solução muito mais dolorosa e difícil do que acabar com uma coleção de it bags excessivamente caras a ganhar pó no meu armário depois de uma revista luxuosa me dizer que já não eram desejáveis.”

Como diz Kristina Micotti, “isto é o tipo de coisas com que as mulheres ainda têm de lidar. Nunca virias um artigo a dizer ‘as man boobs estão de volta e os peitorais musculados estão out.’ Infelizmente, acho que a ideia de body positivity ainda se está a espalhar lentamente por algumas áreas dos media.” Ilustradora e autora do The Boob Book, um livro publicado em janeiro deste ano pela Chronicle Books e ilustrado com 30 tipos de mamas, Kristina conta à Vogue que a sua experiência pessoal foi um fator determinante para abraçar completamente a ideia deste projeto. “Diverti-me muito com ele. O corpo humano e as mamas existem em todas as formas, formatos e tamanhos, e foi isso que quis transmitir com cada uma das ilustrações. Queria realçar e não esconder a singularidade que cada seio tem para oferecer. Visto que as mamas podem ser facilmente sexualizadas, eu compenso isso pondo um spin humorístico nas ilustrações.”

The Boob Book é descrito como “uma celebração ilustrada da feminidade e das mamas que vêm com ela” – mas será que as mulheres estão a celebrar os seus peitos sem olhar aos tabus e às ideias pré-definidas daquilo que estes deviam ser? “Sim, acho que sim”, defende Kristina. “As mulheres estão a abraçar as suas mamas independentemente do tamanho ou do formato delas. A ideia de positivismo corporal permite que as mulheres mudem a perspetiva que têm de si mesmas e se amem a si próprias mais do que nunca.”

Esta ideia de celebração é partilhada por Catarina Valadas. “Eu acho que, agora mais do que nunca, há uma maior abertura para isso. Já começamos a ver mais inclusividade da parte de marcas de roupa, a inclusão de mulheres de diferentes tamanhos e não só do tamanho standard, que nós sabemos qual é. Acho mesmo que começa a haver mais isso, mais do que nunca. Mas acho que ainda há um longo caminho a percorrer nesse sentido.” A história de Catarina, hoje com 24 anos, é uma com que muitas mulheres se conseguem identificar, e uma que acabou por ser partilhada no Facebook em abril passado. O post começava com um “hoje fui comprar soutiens: uma história sobre maminhas” e detalhava a experiência de ser copa H numa sociedade “que decidiu que só existem magras sem mamas e gordas sem elas” – afinal de contas, isto de tratar as maminhas como uma tendência também se reflete na padronização de algo que não tem qualquer tipo de padrão.

“Qualquer estandardização do corpo de uma mulher é um perigo muito grande porque há quem tenha estofo para perceber que não é por aí, que os media não têm que ditar coisa nenhuma, mas também há quem não compreenda isso”, defende Catarina, que só percebeu que era H aos 20 anos e que as opções para alguém com essa copa e com costas “fininhas” eram escassas. “Quando eu comecei a ter o peito maior, na altura em que era pré-adolescente, eu não sabia que era suposto, eu não tinha exemplos de corpos diferentes daqueles que eu estava habituada a ver, e isso causa um trauma – se calhar é uma palavra forte, mas acho que em muitos casos há de acontecer. Isto porque não existem exemplos de corpos como o teu, e isso pode criar maus hábitos, pode criar o querer esconder. Neste caso em específico, é um perigo. E quer dizer... o que é que está na moda, o que é que não está na moda? São corpos.”

 
 
 
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Can you tell that I’m really proud of the fact that I’ve made the O’s a literal pair of SAGGY BOOBS?! #SAGGYBOOBSMATTER Now available via the link in my bio!

Uma publicação partilhada por Chidera Eggerue (@theslumflower) a


A ideia de representatividade – e os impactos negativos que a falta dela pode ter – é também corroborada por Chidera Eggerue. Conhecida como @theslumflower nas redes sociais, a ativista e autora de dois livros (What a Time to be Alone e How to Get Over a Boy, que será publicado em fevereiro deste ano) é também responsável pelo movimento #SaggyBoobsMatter, que conta com mais de 16 mil publicações associadas no Instagram. “O movimento começou por causa de uma pergunta muito simples: porque é que só as mulheres com peito pequeno é que podem não usar soutien?”, conta Chidera à Vogue. “A mensagem é sobre amor-próprio, positividade corporal e confiança interior. O propósito deste movimento é mostrar às mulheres que os corpos delas importam. Eu chamei-o intencionalmente de #SaggyBoobsMatter para que as pessoas percebessem a urgência da representação. Mulheres de todas as idades, formas e tamanhos começaram a partilhar imagens delas mesmas nas redes sociais com o hashtag #SaggyBoobsMatter. Originalmente, sentia que a minha mensagem só estava a chegar a jovens mulheres negras como eu, mas comecei a receber mensagens e apoio de mulheres nos seus cinquentas e de todos os backgrounds.”

Quando pergunto a Chidera se alguma vez sentiu necessidade de mudar as suas saggy boobs para encaixar no ideal de beleza, a resposta não é surpreendente. Não por causa do formato das suas maminhas, mas sim pela pressão depositada pela sociedade nos nossos corpos. Uma pressão com que todas nós, tenhamos maminhas mais pequenas e subidinhas ou maminhas maiores e mais descaídas, nos conseguimos relacionar. “Eu disse à minha mãe: ‘Quando eu tiver 18 anos e  um emprego, vou fazer uma operação mamária.’ Comecei a poupar e tudo. Estas operações custam umas oito mil libras. Mas eu pensei: ‘Vou fazer uma operação às mamas e depois não me vou sentir triste em relação a elas.’”

Em vez disso, Chidera manteve as suas saggy boobs e mostrou a mulheres em todo o mundo que não havia nada de errado com elas. Mesmo que a sociedade teimasse em dizer que as grandes ou as pequenas é que estavam na moda. “Criar qualquer tipo de ideal significa que estás a excluir as pessoas que não se conformam a ele”, diz Chidera. “Existem mulheres jovens que vivem as suas vidas a odiar-se a si mesmas porque não veem o seu tipo de corpo suficientemente representado com positividade e sucesso. E isto importa. Nenhuma mulher devia ser humilhada pelo seu tipo de corpo. Ponto.” A ideia é partilhada também por Kristina, que expressa o quão perigoso é tratar partes do corpo como tendências. “As tendências mudam de um momento para o outro, os corpos não. Tratar uma parte do corpo como tendência é dar crédito a padrões de beleza irrealistas, que causam mazelas físicas, mentais e emocionais. Isto é reforçar padrões de beleza irrealistas que, para começar, nem deviam existir.”

Como tão bem resume Catarina Valadas durante a nossa conversa, tudo isto é “uma maneira de criar uma tendência numa coisa que não pode sequer ser uma tendência”, relembrando a ideia de que “isso também se vê nas marcas de roupa, que têm padrões, que têm tamanhos standard, como se quisessem dizer que só existe determinado tipo de corpo, que só existem gordas com mamas, magras sem mamas. E isso não é verdade.”

Não só não é verdade como é o tipo de “comportamento” que leva muitas mulheres a, em tantos momentos das suas vidas, baixarem os braços porque ou não têm mamas suficientes para encher o decote, ou porque têm mamas demasiado grandes para usar um blazer sem nada por baixo, ou porque têm mamas demasiado descaídas para usar um soutien sem serem confrontadas com olhares estranhos e comentários depreciativos. “Eu diria que a beleza é uma construção e que não devemos deixar que a sociedade ou a ideia de ‘mamas perfeitas’ nos façam sentir mal em relação a nós mesmas e aos nossos corpos”, diz Kristina. “Os nossos corpos, e especialmente as nossas mamas, são verdadeiramente únicas. É isso que faz de nós, nós, e isso é realmente bonito.”

Como qualquer tendência, como qualquer padrão irrealista, como qualquer tabu daquilo que devia ser, mas não precisa de ser, a ideia de que algo tão natural como as nossas mamas possa estar in ou out é uma que podemos sempre desmistificar. “Eu não me criei a mim mesma, e por isso não estou numa posição de explicar o meu corpo a quem quer que seja. Na verdade, as minhas mamas são fantásticas”, diz Chidera. Como qualquer tendência, como qualquer padrão irrealista, como qualquer tabu daquilo que devia ser, mas não precisa de ser, a ideia de que algo tão natural como as nossas mamas pode estar in ou out é uma que podemos sempre escolher ignorar. No fim do dia, são só mamas.

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