Com obras espalhadas pelo globo e colaborações com marcas como Hermès e Tiffany & Co., Bela Silva continua a construir uma linguagem artística única, onde o desenho encontra a cerâmica, e onde o craft não é distinção, mas sim essência. A propósito da edição de maio da Vogue Portugal - uma verdadeira ode ao artesanato - conversámos com a artista.
Lisboeta de origem e cidadã do mundo por vocação, Bela Silva vive entre Bruxelas, Paris e Lisboa, mas é em cada traço, peça ou textura que verdadeiramente habita. Como artista multidisciplinar com uma carreira que atravessa continentes e linguagens, Bela encontra inspiração nas coisas mais simples: uma flor, uma janela, um padrão, ou memória de um conto.
Recentemente, levou essa visão íntima e vibrante à montra da Loja das Meias, em Cascais, com a exposição As Janelas de Bela - um projeto onde a cerâmica e a moda dialogaram através da cor, da textura e da memória. Com esta mostra e a mais recente edição da Vogue como mote, sentámo-nos com a artista para conversar sobre processos criativos, a importância do desenho e a urgência de voltarmos a trabalhar com as mãos. Mais do que falar de obras, falámos de histórias - e Bela Silva, como sempre, tem muitas para contar.
Pode contar-nos como se inicia o seu processo criativo?
As pessoas querem sempre saber o que inspira o artista, mas realmente, para mim, tudo o que nos rodeia pode inspirar: às vezes a arquitetura, ou determinada cultura, um legume, uma flor... tudo isso. Acho que depois passa pela arte da criação e da observação. O artista tem uma maneira de observar diferente.
E como é que percebe o que é que pode ser materializado numa peça?
Às vezes tem a ver com os temas que eu própria escolho. Se vou fazer um trabalho sobre Itália, gosto lá ir e fazer quase um pouco de arqueologia - aliás, eu fazia arqueologia quando era jovem - e ver as cores de cada país, isso acaba por nos inspirar de forma diferente. Por exemplo, para nós [em Portugal] é a azulejaria. Neste projeto com a Loja das Meias em particular, usei muito os padrões e procurei referências nos tecidos, que é algo muito presente no meu trabalho. Eu gosto de cor e de trabalhar com este tipo de imagens.

Sinto que a sua arte é uma arte feliz…
Sim, sempre me disseram isso, e existe também uma narrativa quase, não é? Eu lembro-me que desde miúda sempre gostei muito de histórias e de contos - por exemplo, adoro os contos de Oscar Wilde para crianças, de Hans Christian Andersen e também dos Irmãos Grimm - este raconter é importante. Para mim são também muito importantes os objetos: lembro-me de, em miúda, ir a casa das pessoas e ver a forma como organizam os seus objetos e criam um certo ninho, tal como os passarinhos.
O processo que usa na cerâmica e na pintura é muito diferente?
É muito diferente porque, para mim, a base de tudo é o desenho, a pintura. Quando estou a desenhar há uma energia que se liberta que é muito diferente de quando eu estou na cerâmica. Quando estou no desenho - e também porque há muita informação hoje em dia - é quase como um shut down, ajuda-me a concentrar e fico com muita energia. É quase como encher um depósito de energia, e depois aquilo flui. Às vezes sou surpreendida, porque quando começo uma linha nunca sei muito bem como vai acabar. A cerâmica já é um processo que requer muita técnica com as secagens, as cozeduras, é tudo mais lento e são materiais também muito diferentes. Para mim, a cerâmica funciona como forma de dar vida a um desenho, porque às vezes inicio a peça com um desenho mas depois vou construindo e já não olho mais para ele: o que vale é a peça, olhada de diferentes ângulos. O desenho pode ser o ponto de partida, mas nem sempre - e eu sou realmente uma pessoa que quando vai para a cama está cheia de ideais, tenho que ter um caderno ao lado para apontar [os desenhos]. Se não o fizer, foi quase como um sonho… é algo que não sabemos bem explicar.

Há espaço para o erro na sua arte?
Sim, há coisas que fluem logo de imediato e, às vezes, há outras que acontecem sem estarmos à espera que até acabam por abrir as portas para outras coisas. Há projetos que dão mais luta, e nesses casos também é bom não desistirmos, mas nem sempre as coisas são iguais.
Falando sobre o projeto “As Janelas de Bela” com a Loja das Meias, queria perguntar-lhe como surgiu esta união com a Moda.
A minha mãe também trabalhava neste mundo porque fazia moldes em papel para uma marca italiana, e eu cresci com isso desde cedo. Tanto a minha mãe como as minhas tias ligavam muito [à Moda], vestiam-se de maneira diferente - se lhes apetecesse punham uma minissaia, eram muito modernas - vestiam-se muito bem, eram super coquete, e ainda hoje em dia põem o seu eyeliner… Portanto eu cresci com isso, [...] e nesse mundo.
Foi por causa da sua família que escolheu ser artista?
Eram todas [a mãe e as tias] muito ligadas à arte, mas eu sempre soube que seria isto [...]. Eu não escolhi [ser artista], não é por alguém ir ver muitos museus quando é pequeno que se vai tornar artista. É uma necessidade de criar. A verdade é que - e eu já fui professora -, os miúdos têm uma grande criatividade. O Picasso dizia que já sabia fazer tudo, por isso queria desenhar como as crianças. O que acontece com a idade é que começamos a ficar muito críticos [...] mas os miúdos, como não têm essa autocrítica, têm uma liberdade e criatividade incrível. É maravilhoso ver crianças de 3,4, 5 anos a desenhar.

O tema central da edição de maio da Vogue Portugal é o artesanato. Qual é a sua visão acerca da convivência entre a arte e o artesanato no nosso país?
Eu gosto muito de artesanato, e acaba por me inspirar bastante, embora essa diferença entre artesanato e arte tenha a ver com a escala, com a forma como se expõe as peças, enfim. Mas [o artesanato] é uma forte inspiração. A verdade é que se encontram coisas maravilhosas. Quando estou a olhar para uma peça não estou a tentar distinguir entre arte e artesanato: [importa mais sentir] esta peça é linda, transmite-me uma boa sensação, e para mim é isso. Os objetos acabam por falar muito das civilizações, da cultura de cada país e dizem muito de uma determinada época.
Eu acho que Portugal é realmente um país com um artesanato muito rico e muito variado, está presente em todo o lado. Eu gosto muito deste lado popular porque realmente as coisas saem de modo natural: tenho dois livros sobre arquitetura com estudo feito nos anos 60 - e ainda bem que esse estudo sobre arquitetura popular foi levantado - porque está lá tudo. As coisas saíam de um modo natural, mas as proporções estão completamente corretas: a janela tem o tamanho certo, as escadas, as cores, os volumes… e aquelas pessoas não iam tirar arquitetura, não é? Eu acho também que é muito urgente que na educação se tire um ou dois dias por semana para pôr os miúdos por volta dos 10 ou 12 anos já a trabalhar com as mãos, aprender carpintaria, eletricidade… tem que se mexer com as mãos para se poder aprender. Hoje em dia há dificuldade em encontrar pessoas que saibam fazer isto, e nós ainda temos uma geração de 70 e 80 anos que agarra e aguenta, mas eles não estão cá, infelizmente, eternamente.


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