Moda  

Não mata mas mói: o mito da sustentabilidade e o greenwashing por detrás da pele vegan

20 Oct 2025
By Rita Petrone

Fotografia: Arthur Elgort / Conde Nast / Getty Images.

Em nome da ética, da sustentabilidade e de um guarda-roupa cada vez mais amigo do ambiente, o uso de pele na Moda tem vindo a tornar-se cada vez mais polémico. Mas quando consideramos os factos, a história que contam é outra: se, por um lado, as alternativas vegan se mantêm longe dos maus tratos animais, por outro, os perigos do seu ciclo de produção escondem-se por detrás de uma das mais bem sucedidas campanhas de greenwashing.

A Moda vive de motes. Para lá de tendências ou declarações de beleza, a indústria rege-se por conceitos em nome de uma renovação constante. Ainda assim, culpe-se (ou não) a sua natureza cíclica, nos últimos anos, a sustentabilidade e a ética cimentaram-se como tópicos incontornáveis no que à Moda diz respeito; desta vez, não como meros obstáculos a superar, mas como dilemas sobre os quais é necessário ponderar. A verdade é que as práticas associadas à produção de vestuário e acessórios como carteiras e calçado não existem num vácuo, e cada peça representa um misto de investigação científica, sabedoria artesanal e genialidade artística. Assim, no centro desta procura por uma maior ética em prol de um mundo mais ecológico e sustentável, o debate sobre a utilização de pele verdadeira na indústria têxtil protagoniza o seu próprio furacão de opiniões. O seu counterpart, chamado de pele vegan ou sintética, tem vindo a conquistar terreno na hierarquia amiga do ambiente, mas a sua popularidade surge também como um dos atos de greenwashing mais bem sucedidos da indústria da Moda. Apesar de soar como uma alternativa automaticamente mais ética e ecológica, na grande maioria dos casos, a pele sintética é feita de plástico (substância também conhecida como uma das principais causas da poluição mundial) e deriva de biomateriais que recorrem ao uso de petróleo. É importante salientar que apesar deste material ser, de facto, vegan — já que não recorre a matérias-primas de origem animal —, devido ao seu ciclo de produção, o seu uso falha também em corresponder aos parâmetros necessários para ser considerado amigo do ambiente.

Do outro lado do espectro, o uso de pele verdadeira remonta para as práticas ancestrais de caça e vestuário, que via usadas todas as partes de um animal após a sua morte em nome da sobrevivência humana. É em respeito a este ciclo natural que, mesmo após uma evolução milenar que range do social ao cultural, o uso de pele verdadeira na Moda surge quase como uma forma de respeito ao mundo natural. Para Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos), “o couro é a melhor matéria-prima que existe no mercado para a produção de calçado — pela sua durabilidade, resistência, impermeabilidade e sustentabilidade”. Gonçalves refere que o material usado para a produção de peças em pele verdadeira é, na sua grande maioria, de origem bovina e que, dessa forma, “a indústria promove, desde a sua génese, a economia circular, utilizando uma matéria-prima que é desperdiçada pela indústria alimentar”. O diretor de comunicação adiciona que “se não usássemos esta matéria-prima, ela teria como destino o aterro e as consequências para o solo seriam negativas”. Além disso, é também importante desmistificar o mito de que o consumo de peças em pele contribui para a morte de um maior número de animais para satisfazer a procura por este tipo de produtos: “Ao contrário do que se poderia prever, o consumo de carne está a aumentar e a bater recordes — quadruplicou nos últimos 50 anos”, diz Gonçalves. “Até 2031, estima-se que o consumo mundial de carne deverá continuar a crescer 1,4% por ano, graças ao aumento da população e dos rendimentos nos países em desenvolvimento. Por sua vez, as previsões da OECD-FAO estimam que, entre 2025 e 2034, o consumo global de carne aumentará cerca de 47,9 milhões de toneladas”. Posto isto, é fundamental esclarecer que “não se matam animais para produzir sapatos. O couro é um subproduto da indústria alimentar. Ou seja, é um desperdício dessa indústria que é aproveitado”, conclui Gonçalves.

A introdução de alternativas veganas à pele veio transformar o panorama da indústria da Moda, tanto em Portugal como a nível internacional. Devido à natureza do seu ciclo de produção, as peças em pele sintética tendem a ter um custo menos elevado do que as suas parceiras de origem animal, tornando-as mais apetecíveis num mundo que se vê regido pelas máximas do consumismo e maximalismo. No entanto, o baixo custo deste material reflete-se na fraca qualidade e durabilidade do produto ao qual dá origem. Enquanto “uma peça em couro poderá durar uma vida”, diz Paulo Gonçalves, “a matéria-prima sintética resulta, muitas vezes, da exploração de biomateriais que recorrem ao uso de petróleo e que concedem ao produto um período de vida substancialmente mais curto do que um produto em pele”. Acima de tudo, a durabilidade é um dos elementos-chave da indústria, e Gonçalves revela que, apesar de estudos internacionais sugerirem que o período médio de vida de um par de sapatos ronde cerca de um ano, quando se trata de uma peça em pele, a timeline aumenta consideravelmente, e a peça chega até a desenvolver uma nova aparência que lhe agrega valor. O segredo passa por cuidar deste tipo de produtos como se de uma segunda pele se tratasse: “limpar, hidratar, proteger contra a humidade, ter cuidados no armazenamento e, sobretudo, reparar”, aconselha Gonçalves.

Em nome da saúde do planeta, e sob a missão de tornar a indústria da Moda cada vez mais ética e ecológica, é necessário pôr em prática projetos que visem abordagens amigas do ambiente. “Para a APICCAPS, a sustentabilidade vai muito além das melhorias ambientais do produto. (...) A verdade e a transparência são essenciais neste processo. Os consumidores procuram alternativas ao couro, as empresas devem estar preparadas”, diz Gonçalves. “Nos últimos anos, a generalidade das empresas e marcas refere que os seus produtos são mais sustentáveis, nomeadamente [ao afirmarem] que integram material reciclado, possuem menor pegada de carbono, são biodegradáveis, entre outros. Mas raramente apresentam evidências; isto é, testes ou certificações emitidas por entidades independentes, que comprovam esses atributos”, explica. “Estas validações também se estão a tornar um negócio e devemos trabalhar para que não contribuam para o greenwashing. Os testes e validações devem ser efetuadas seguindo protocolos definidos em normas nacionais, europeias (EN) e internacionais (ISO, OCDE)”, conclui o diretor de comunicação da APICCAPS.

Ainda assim, o caminho a percorrer em nome da sustentabilidade mantém-se longo, e a indústria portuguesa do calçado está atualmente a fazer o maior investimento da sua história — através de projetos, como o BioShoes4All, que visam melhorar os níveis de sustentabilidade de diferentes materiais, incluindo criar novos métodos de preparação de peles e o seu processo de curtimento. Verdade seja dita, num debate que visa extremismos em nome de uma sociedade cada vez mais ética e amiga do ambiente, acima de tudo, prevalece a noção de que a verdadeira sustentabilidade está na transparência e no progresso. Feitas as contas, neste debate de pontos de vista onde todos gritam em busca da razão, a pele vegan surge, em muitos casos, como apenas mais um esquema de greenwashing a curto prazo, vilipendiando o cabedal e assumindo-se como a melhor alternativa — falaciosamente. Como afirma Paulo Gonçalves, neste mix de ética, ecologia e sustentabilidade, no que toca à Moda — e ao calçado em particular —, “o couro é, indiscutivelmente, a melhor matéria-prima disponível no mercado”.

Originalmente publicado no Animal Instinct Issue, a edição de outubro de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.

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