Moda  

Mais discrição, por favor: o silêncio do luxo na Moda

01 Dec 2025
By Pureza Fleming

Fotografia de Branislav Simoncik. Editorial Mean Girls #sóquenão, da edição The Gossip Issue da Vogue Portugal, publicada em setembro de 2022.

O luxo que se anuncia é performativo; o verdadeiro luxo não se mostra. Surge apenas por cortesia. Não se mede, não compete, não se explica. Não se interessa por quem observa, nem se deixa julgar. O verdadeiro luxo tem mais o que fazer — e não precisa de provar nada a ninguém.

O chamado quiet luxury é, em si mesmo, um contrassenso. Quando o silêncio precisa de ser nomeado, já deixou de o ser. O verdadeiro luxo não tem rótulo nem tendência; não se autoproclama discreto, simplesmente é. Existe sem esforço, sem necessidade de se distinguir. Não vive do aplauso, vive do conforto interior. Está no espaço entre o gesto e a palavra, na calma que resiste à pressa, na escolha que dispensa explicação. O luxo genuíno não é uma estética — é uma ausência de ruído. Uma forma de presença que não precisa de ser traduzida. Passemos a exemplos práticos: Carolyn Bessette-Kennedy. Sou admiradora de Carolyn e, por isso, aguardo com curiosidade American Love Story, a nova série de Ryan Murphy que promete revisitar a sua relação com John F. Kennedy Jr. Prevista para fevereiro de 2026, na plataforma Hulu, a produção contará com Sarah Pidgeon no papel de Carolyn e Paul Kelly como John F. Kennedy Jr. Mais do que pela sua história pessoal, admiro-a pelo estilo — um ícone de elegância effortless, que parecia não tentar e, ainda assim, ditava regras silenciosas de sofisticação.

Um ícone de estilo é-o porque sim — sem esforço, sem stylists a dizer o que vestir, apenas coerência e instinto próprio. Hoje, muitas das chamadas “portuguese girls” parecem ainda procurar uma coerência estética própria — mais seguidoras de tendências do que tradutoras de identidade, é um estilo inventado à martelada, que parece mais seguir modas do que expressar quem realmente são —, ao contrário de muitas das parisienses ou italianas que continuam a ser referências ao carregarem a sua estética na própria presença. Carolyn Bassette-Kennedy tinha isso: simplicidade, naturalidade, e uma lógica interna que fazia cada escolha parecer inevitável. O seu guarda-roupa baseava-se em peças essenciais de elevada qualidade — jeans Levi’s 517, blusas de gola alta, vestidos slip e saias lápis — combinando linhas limpas, cortes precisos e silhuetas discretas. Acessórios discretos e funcionais — a bolsa tote da Prada, óculos ovais, tiaras de tartaruga — complementavam o conjunto sem nunca sobrecarregar. Os vestidos slip (suspiros pelo vestido que vestiu no dia do seu casamento com JFK), com cortes delicados e diagonais, tornavam-se assinatura: versáteis, elegantes e sensuais de forma subtil.

Na beleza, a mesma filosofia: pele fresca, cabelo solto e batom aplicado com delicadeza, reforçando uma presença natural que não precisava de chamar a atenção. A sua experiência profissional na Calvin Klein, símbolo do minimalismo sofisticado dos anos 90, reforçou esta predileção por cortes precisos, tecidos de qualidade e o chamado requinte discreto, transformando cada peça numa extensão natural da sua identidade.

Este princípio de elegância contida atravessa gerações e culturas. Charlotte Casiraghi, filha da princesa Carolina de Mónaco e neta da icónica Grace Kelly, é outro exemplo contemporâneo. Embora não detenha título oficial de princesa, ocupa o 11º lugar na linha de sucessão ao trono de Mónaco e destaca-se pela presença pública contida e discreta, onde cada escolha é medida e refletida. Nos seus looks, Charlotte traduz esta filosofia no detalhe invisível: cortes precisos, tecidos que respiram, costuras e acabamentos que passam despercebidos mas definem a elegância. A família Casiraghi, de forma geral, mantém esta abordagem no digital: Charlotte partilha reflexões sobre Moda, cultura e filosofia; Andrea e Pierre preferem momentos familiares reservados; Tatiana Santo Domingo e Beatrice Borromeo, suas mulheres, destacam projetos artísticos e lifestyle sem exibição. O luxo não se vê apenas na estética, mas na intencionalidade de cada gesto, na consciência do que se decide mostrar e no que se mantém reservado.

Depois de uma era de excesso e exibição, o luxo contemporâneo renasce com outra gramática. O que antes se media em metros quadrados ou em bolsas numeradas, mede-se agora em serenidade, privacidade e autenticidade. O luxo deixou de ser o palco — é o bastidor, o intervalo, a pausa. O que é raro não é o diamante, mas o descanso. O que é exclusivo é o silêncio. E talvez por isso o luxo se tenha tornado, mais do que um estilo, uma forma de resistência: resistir à pressa, à distração, à necessidade de provar algo. Ser é o novo ter.

O verdadeiro luxo não tem rótulo nem tendência; não se autoproclama discreto, simplesmente é. Existe sem esforço, sem necessidade de se distinguir. Não vive do aplauso, vive do conforto interior. Está na calma que resiste à pressa.

Contrastando com esta abordagem, a presença digital e mediática de algumas figuras contemporâneas revela outro paradigma: o luxo exibicionista. As Kardashians, por exemplo, fazem do logótipo, do carro ou da colaboração mediática a sua prova de prestígio, numa comunicação que exige atenção constante. O mesmo se observa em algumas figuras do new money português, onde o sucesso precisa de ser visível, repetido, validado — uma necessidade de aplauso. Em Portugal, o contraste entre famílias de old money e de new money é igualmente evidente. As famílias de old money, também presentes em Portugal e com apelidos que dispensam apresentações, construíram legados ao longo de gerações. O seu requinte é silencioso, herdado e consciente: casas bem planeadas, objetos escolhidos com critério, vestuário de qualidade e uma presença pública discreta. Não precisam de logótipos visíveis, de carros que gritem estatuto ou de uma presença constante nas redes sociais.

O prestígio vem do legado, da tradição e da elegância herdada, onde cada gesto e cada escolha refletem uma coerência silenciosa e uma filosofia de requinte que não precisa de validação externa. Cresci a ouvir histórias sobre uma dessas famílias, com quem a minha teve uma relação próxima ao longo dos anos — relatos de uma vida discreta, marcada por sobriedade e bom gosto silencioso. Nunca houve necessidade de ostentação ou gestos exagerados: a forma de vestir, a maneira de estar, os objetos e as casas refletiam uma elegância natural, silenciosa. Sem histerismos, sem excessos, apenas uma atenção discreta aos detalhes e à coerência de cada gesto — uma lição de que o verdadeiro luxo não grita e não precisa de validação externa. Em contrapartida, o new money — famílias também presentes em Portugal e também com apelidos que dispensam apresentações — tende a fazer do luxo uma afirmação visível. Logótipos, colaborações mediáticas, presença digital intensa e lifestyle performativo são sinais de um sucesso que precisa de ser constantemente reconhecido.

O que une o luxo discreto — seja em Carolyn, Charlotte ou nas famílias antigas portuguesas — é a consciência do gesto invisível: a coerência das escolhas, o cuidado silencioso com cada detalhe da vida, o respeito pelo tempo e pelo espaço próprios. Um requinte que não precisa de aprovação externa, que privilegia a substância sobre o espetáculo, o cuidado sobre o ruído, a presença sobre a exposição. No fim, o luxo não se exibe — habita.

Originalmente publicado no The Art of Living, a edição de novembro de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.

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