Opinião   Editorial  

Julho 2018

03 Jul 2018
By Sofia Lucas

Neste mês de julho, a Vogue presta a devida homenagem ao espírito da silly season, com toda a seriedade que o tema exige, e esperamos que se divirta tanto quanto nós nos divertimos a criar histórias para si.

Neste mês de julho a Vogue presta a devida homenagem ao espírito da silly season, com toda a seriedade que o tema exige, e esperamos que se divirta tanto quanto nós nos divertimos a criar histórias para si, sem pressa de irmos para férias, porque também contrariámos a tendência de emagrecimento forçado nas revistas de verão, e alimentámos sem pudor mais de 300 páginas, numa Vogue de verão que se orgulha do seu corpo voluptuoso, para exibir na praia, no campo ou na cidade, entre o ruído da familia e amigos ou, simplesmente, num retiro silencioso. 

Se o conceito de silly season se refere ao período de férias caracterizado pela falta de notícias importantes e sérias, sendo os media tomados de assalto pela “falta de assunto” e por uma maior incidência de temas frívolos e mais ou menos estúpidos, este ano, porém, o início do verão, tem-se prestado a notícias que de irrelevante nada têm, mas estão cheias de silliness. 

Enquanto fechávamos esta edição, uma pessoa da equipa comentou, incrédula, uma publicação no Instagram com a fotografia e notícia de Melania Trump a embarcar para o Texas, para visitar os polémicos abrigos das crianças imigrantes, usando uma parca com uma frase escrita nas costas: I really don't care, do you? Ninguém acreditou, todos pensámos, fake news, óbvio. Durante uns segundos a frase nem sequer foi uma questão, rapidamente tivemos a certeza de que seria mentira. Melania Trump a usar uma parca da Zara, $39, e, ainda por cima, da coleção de primavera/verão de 2016? Impossível! Mas rapidamente o nosso encolher de ombros sobre uma piada seca de Internet se transformou numa indignação explosiva, incendiada pelo rastilho das imensas notícias que surgiram à velocidade da luz, que confirmavam, e re-confirmavam, em vários meios credíveis, a que as redes sociais só faziam eco, a escolha de indumentária‑statement da primeira dama dos Estados Unidos. Esta atitude incompreensível, ou compreensível, conforme o ponto de vista, que está a fazer correr tanta tinta e tantos píxeis, só veio atear ainda mais a indignação global sobre a barbaridade que separa crianças das suas famílias desesperadas que atravessam a fronteira dos Estados Unidos, ao abrigo de uma lei que se rege por uma tolerância zero, tão cega quanto cruel. No auge de toda a revolta surgem de imediato as declarações da Casa Branca, através da porta-voz da primeira‑dama, que numa argumentação quase infantil, assegura que Melania se importa ao ponto de ir visitar as crianças, que a frase no casaco não tinha nenhum siginficado oculto e que só espera que os media não valorizem demasiado a escolha de vestuário da primeira‑dama, e para remate, também os # de apoio não faltaram em defesa da Dama posta em causa, #shecares #itwasjustajacket. 

Se realmente “ela se importa”, naquela ocasião, em particular, nunca lhe passaria pela cabeça usar aquele casaco. Se era mesmo “só um casaco”, naquela ocasião, em particular, podia tê-lo deixado no armário, onde alternativas não lhe faltam. Se, segundo teorias alternativas, o casaco foi usado como uma alfinetada contra o próprio marido, e uma forma de se distanciar da agenda de Trump e deixar claro que ela tem ideias próprias, deixou claro que tem ideias próprias muito pouco inteligentes, e que se se importou foi com uma inside joke familiar e não com as crianças que foi visitar. 

Fosse qual fosse o plano, a importância dada à mensagem do casaco foi dada pela primeira‑dama, e não pelos media, cujo foco foi sempre a questão de fundo: uma presidência e uma administração regida por regras implacáveis, sem qualquer tipo de coração. Questão de fundo, antes, durante e após o uso de uma parca, completamente inocente. 

Mas estamos na silly season, e vem-me à memória uma tira de banda desenhada do brilhante cartoonista Quino, em que a famosa personagem Mafaldinha está numa praia, rodeada de gente. Observa as pessoas à sua volta, e o cartoon termina com ela a dizer para si própria: “é curioso ver as pessoas de férias... é como se ninguém tivesse culpa de nada.” 

Na verdade, e culpas à parte, o que (realmente) nos importamos com os outros é que não se interrompe para férias.

Boas férias.

Sofia Lucas By Sofia Lucas

Relacionados


Lifestyle  

Spring Fever

15 Apr 2024

Notícias  

Roberto Cavalli morre aos 83 anos

12 Apr 2024

Moda   Estilo  

A Big Deal

12 Apr 2024

Atualidade   Estilo  

Uma banda surpresa (vestida em Marni) tomou conta dos Creativity Awards da GQ

12 Apr 2024