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Joana Vasconcelos: "Os artistas têm a responsabilidade de pensar o mundo que os rodeia"

04 Oct 2018
By Vogue Portugal

Cá estamos nós, a tentar apresentar quem dispensa apresentações. No dia em que inaugura "I Want to Break Free" em Estrasburgo, senhoras e senhores, Joana Vasconcelos.

Cá estamos nós, a tentar apresentar quem dispensa apresentações. No dia em que inaugura "I Want to Break Free" em Estrasburgo, senhoras e senhores, Joana Vasconcelos.

 

Joana Vasconcelos © Christopher Morris/VII
Joana Vasconcelos © Christopher Morris/VII

 

Pode revelar-nos um pouco mais sobre esta exposição em Estrasburgo?

Antes de mais, cumpre-me dizer que é uma enorme honra ter sido convidada a realizar a exposição comemorativa dos 20 anos do MAMCS (Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Estrasburgo). I Want to Break Free - exposição a decorrer de 4 de outubro 2018 a 17 fevereiro 2019 - é composta por obras que remetem diretamente para o contexto doméstico, e convidam o espectador a colocar em ação todos os seus sentidos – a visão, o tacto, a audição e o olfato. Trata-se de mais de 20 trabalhos através dos quais se criou um diálogo entre obras antigas – como Brise (2001), um sofá preenchido por centenas de flores de plástico e que simultaneamente emite um odor a naftalina -, assim como outras realizadas especificamente para esta exposição, como é o caso do carrinho auxiliar de cabeleireiro Choucroute (2018). Propõe-se uma viagem que transcende o quotidiano, levando o público a mergulhar num mundo alternativo ao banal.

Disse anteriormente que todas as suas peças têm um lado crítico e interventivo. Sente que o seu papel como artista também é desassossegar?

Os artistas têm a responsabilidade de pensar o mundo que os rodeia, e de dar outros modos de ver que contribuam para o alargamento da nossa perceção e conhecimento do mesmo. Com o meu trabalho não pretendo que as obras se encerrem num discurso, mas que sejam inquiridoras, imbuídas de uma multiplicidade de discursos e interpretações que nos levam a abrir os nossos horizontes.

Foi a primeira mulher na primeira exposição comissariada por mulheres na Bienal de Veneza, foi a primeira mulher em Versalhes e na Ajuda. Porque é que acha que a escolheram tantas vezes para hastear a bandeira de conquistas femininas?

Correção: A Noiva (2001-05) foi apresentada na entrada da exposição da primeira Bienal de Veneza comissariada por mulheres nos 110 anos de história da Bienal, e, coincidentemente, também foi a primeira vez que participei.

Não sei bem responder porque me escolhem pois, na verdade, é algo sobre o qual também me interrogo. Existem tantas excelentes mulheres artistas pelo mundo, e, no caso nacional destacam-se, se pensarmos na arte portuguesa do século XX, como é o caso da recentemente falecida Helena Almeida, Graça Morais, Vieira da Silva ou Paula Rego. É algo que tem vindo a acontecer, tal como o meu percurso enquanto artista. Não acordei um dia e decidi ser artista – foi acontecendo. Sou artista porque a sociedade e as pessoas permitem-me ser. No final, são os outros que tomam essa decisão. E eu agradeço a confiança depositada na capacidade do meu trabalho e faço o meu melhor por respeitá-la.

Sente que, com isso, abriu portas para que deixe de ser estranho, para que deixe de ser notícia quando mulheres são convidadas para grandes exposições?

Aguardo pelo momento em que isso deixe realmente de acontecer. Será sinal de que chegámos onde ambicionamos chegar.

O discurso da arte, enquanto canal de comunicação, tem género?

Sendo mulher e portuguesa, isso condiciona naturalmente a forma como me relaciono com o mundo e, por conseguinte, é algo que se evidencia no trabalho.

Li que não trabalha com materiais: trabalha com ideias. Que ideias lhe faltam trabalhar?

Desde os tempos na Ar.Co que me habituei a andar sempre com um caderno onde assento todas as minhas ideias em esboços e apontamentos. Por vezes, esses projetos não chegam a concretizar-se na altura em que foram pensados, mas ficam registados para o futuro, pois as ideias que trabalho tendem a ser intemporais. Sinto que muitas das obras que já produzi poderiam ter sido feitas hoje, sendo que as questões que levantam continuam bastante atuais, como é o caso d’A Noiva (2001-05), Menu do Dia(2001) e Burka (2002) – tudo obras com mais de 15 anos.

Já conta com mais de vinte anos de trabalho - há alguma ideia que gostava de não ter trabalhado?

Nenhuma. Se a trabalhei, deu-se a vontade e necessidade de o fazer.

Os símbolos portugueses, tão omnipresentes na sua obra, são inspiração infinita?

Os símbolos portugueses são um ponto de partida. O meu processo criativo tem início com a observação crítica do que me rodeia, sendo daí que surgem as minhas ideias, pelo que é natural que esses símbolos estejam presentes. Contudo, através da minha obra estes ganham a oportunidade de confrontar-se com culturas e pessoas diferentes (trabalho mais de 90% para fora do país), o que resulta em leituras diferenciadas e num poder de comunicação que atinge uma qualidade mais abrangente e universal. Pop Galo, por exemplo, inspira-se no iconográfico Galo de Barcelos, mas o “galo” é um símbolo relevante dentro de diversas culturas ocidentais e orientais, essencialmente ligado aos cultos solares.

Quando expõe, seja numa mostra grande ou pequena, o que é que gosta que as pessoas levem para casa, dentro de si?

Como referi anteriormente, espero ter proporcionado um momento de questionamento e reflexão, que lhes leve a um conhecimento mais amplo do mundo e da sociedade.

E fazemos agora a mesma pergunta, mas sobre quem trabalha consigo, quem a ajuda a materializar as suas ideias. O que é que quer que a sua equipa leve para casa?

O mesmo que o meu público, juntamente com um sentimento de concretização e orgulho por contribuírem a levar a minha obra a bom porto. Sou muito afortunada por ter conseguido reunir à minha volta um conjunto de pessoas especializadas em diversas áreas, e com um grande sentido de rigor e profissionalismo.

Pode contar-nos como é a rotina num dia de atelier? Se houver, sequer, rotina.

O atelier tem cerca de 3.000 metros quadrados e conto com quase 60 pessoas a tempo inteiro, distribuídas por diferentes departamentos: Arquitetura, Engenharia e Electricidade, Oficina de Metal e Madeira, Produção e Logística, Comunicação e Gestão Documental, Relações Públicas e de Imprensa, Recursos Humanos e Administração Interna, Crochet, Costura, Bordados e Fundação. A rotina pode ser diferente dependendo das necessidades, mas geralmente faço uma ronda diária pelos diferentes departamentos de modo a supervisionar os trabalhos em curso. 

Que traços da sua personalidade fez questão de cultivar e que sabe que nunca a deixaram desistir?

É graças à determinação e perseverança, que me caracteriza desde pequena, que cheguei onde estou, assim como uma enorme vontade de viver.

Pode dizer-nos três mulheres que a inspiram?

Marie Antoinette, D. Maria Pia e Peggy Guggenheim.

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