Fotografia de Branislav Simoncik para o The Lucky Issue da Vogue Portugal, publicado em março de 2023.
Ou a odisseia que é andar sobre a calçada portuguesa com graça, orgulho e doze centímetros de salto. Por muito que o mundo ande a correr atrás de ténis (uns com mais estatuto que outros), há ainda quem se recuse a abdicar da elevação física e metafísica dos saltos altos. E é por essas almas corajosas — que enfrentam o empedrado lusitano como quem pisa uma passerelle em Paris — que este texto é escrito.
Há quem diga que a verdadeira arte do equilíbrio não se aprende em aulas de ioga, mas sim numa travessia da Baixa lisboeta com stilettos nos pés. E quem somos nós para contrariar a sabedoria das ruas? Numa edição dedicada a champagne problems, não poderíamos ignorar um dos mais ilustres dilemas de quem ousa conjugar elegância e urbanismo luso: andar de saltos altos na calçada portuguesa. Parece simples. É apenas caminhar. Mas se nunca tropeçou na Rua Garrett com um salto enfiado entre duas pedras seculares, então é um caso raro de graça divina — ou anda de sapatilhas.
Na terra da calçada portuguesa, símbolo nacional de charme e património, andar de saltos altos é mais do que caminhar. É um exercício de resistência estética. Uma dança silenciosa entre o sublime e o possível. Uma espécie de desfile em terreno acidentado, onde o glamour se mede tanto pela altura do salto como pela capacidade de se manter de pé. Na geometria hipnótica das pedras pretas e brancas escondem-se buracos temporais capazes de engolir um Christian Louboutin em segundos. É o tipo de terreno onde a estética vence a funcionalidade — e a mulher moderna, vestida de atitude, tem de fazer o seu próprio GPS emocional para não se perder no caos cuidadosamente calcetado.
Há algo de poético nisto. Um ballet urbano em que o corpo aprende a flutuar com o calcanhar suspenso e a planta do pé em modo sobrevivência. O drama aumenta em eventos sociais: casamentos ao ar livre, cocktails de fim de tarde, vernissages com dress code “festivo mas casual chic” (o que basicamente significa “leve saltos, mas prepare-se para andar um quilómetro em empedrado”). Ninguém quer ser a primeira a cair, mas todas sabemos que alguém vai — e cada travessia bem-sucedida é uma pequena vitória digna de aplauso interior.
Sim, a calçada é linda. Mas que ninguém se engane: estas pedras são belíssimas... e traiçoeiras. No inverno, transformam-se num ringue de patinagem para adultos elegantes. No verão, refletem o sol e escondem os buracos como espelhos mágicos. E quando chove? É melhor nem falar.
A escolha do salto é filosofia pura
Saltos finos são esculturais, mas suicidas. Plataformas são amigas, mas nem sempre subtis. Saltos grossos oferecem estabilidade emocional e física. No fundo, a escolha do salto diz tanto sobre o nosso estado de espírito como a forma como pedimos um café.
Quem opta por saltos em Lisboa ou no Porto sabe no que se está a meter — e escolhe assim mesmo. Porque há algo de profundamente sedutor em dominar um ambiente adverso com um par de sapatos que brilha mais do que o chão que pisa. E depois há o preço. Quanto mais caro o sapato, mais alto o risco (e mais poética a tragédia). No fundo, andar de saltos na calçada portuguesa é quase um manifesto, uma afirmação teimosa de beleza sobre lógica. É levar o luxo da vaidade até à última pedra. É escolher o incerto com estilo.
Se a mulher portuguesa consegue dominar a calçada de salto alto, o resto do mundo é só uma passerelle com menos história. Há problemas e há champagne problems. E depois, há andar de saltos altos na calçada portuguesa — que, convenhamos, é uma espécie de champagne problem com bolhas a ferver nos tornozelos. É uma batalha estética travada nas ruas de Lisboa, Porto ou Coimbra, onde cada pedra branca e preta conta uma história... e esconde uma emboscada. Porque a calçada portuguesa, apesar do seu charme clássico e Instagram-friendly, não foi feita a pensar em stilettos de 12 centímetros, nem em tornozelos urbanos com pretensões de elegância intocável.
Mas quem disse que a vida era fácil para quem quer andar nas nuvens? Os saltos altos têm aquela mística eterna: alongam a silhueta, elevam a autoestima e fazem um simples café parecer uma ocasião especial. É preciso dizer: este não é um terreno para amadores. Há técnica, treino e uma boa dose de fé envolvida. Optar por high heels na calçada portuguesa é uma arte quase marcial, onde cada passo exige concentração e controlo de núcleo abdominal.
Um ginásio emocional e físico
Andar de saltos na calçada portuguesa queima calorias, trabalha os glúteos e afina a paciência. Não é só um exercício físico — é um treino emocional. Requer autoconfiança, bom humor e a capacidade de rir de si mesma quando o salto prende e o mundo assiste. Faz parte. É o champagne problem que escolhemos viver, porque abdicar dos saltos seria abdicar de uma parte da nossa teatralidade.
E sejamos honestas: há algo de poderoso em dominar este cenário, como uma deusa urbana que recusa ser vencida pela gravidade. Quem nunca se sentiu vitoriosa ao atravessar uma rua inteira sem tropeçar, que atire o primeiro par de ténis.
O novo luxo? Saber adaptar-se — com estilo
Vamos a factos. Há uma equação silenciosa que toda a mulher aprende à medida que envelhece, tropeça e se reencontra com a calçada: elegância = (altura do salto + estabilidade do tornozelo) ÷ largura das juntas da calçada.
Vamos a factos. Há uma equação silenciosa que toda a mulher aprende à medida que envelhece, tropeça e se reencontra com a calçada: elegância = (altura do salto + estabilidade do tornozelo) ÷ largura das juntas da calçada
1. Escolher o salto com sabedoria: finos são para carro à porta, plataformas são mais democráticas. Saltos médios e largos? São o meio-termo da estabilidade emocional e física, e seguramente com menos margem para erro.
2. Treinar o andar na ponta dos pés: a verdadeira técnica não é andar — é flutuar com estratégia. Apoiar só a frente do pé, como se fosse uma bailarina de rua, e agradecer à gravidade por ainda nos tolerar.
3. Olhar para o chão (mas sempre com estilo): não é de todo poético, mas salva vidas — e tornozelos. Fazer deste hábito um novo tipo de mindfulness urbano. Tendo sempre em conta que, para salvar a face, há que manter uma expressão de rosto calma e confiante, e não a expressão de terror visível a léguas nos olhos de quem acha que vai cair a qualquer momento. E, com o tempo, e a prática, olhar cada vez menos para o chão.
Para as que ainda querem flutuar acima do solo sem comprometer tornozelos nem narrativa visual, há uma nova geração de saltos mais inteligentes: saltos bloco em formas esculturais, kitten heels com silhueta refinada, mas menos arriscados no equilíbrio, sandálias com tiras arquitetónicas e, claro, as queridas plataformas minimalistas que adicionam centímetros, e uma estabilidade invejável, sem provocar microtraumas.
O treino também ajuda. Aprende-se a andar com a planta do pé, como se quiséssemos pisar só o futuro e não o presente. O calcanhar, coitado, muitas vezes não toca no chão, só nos momentos de pausa, em que sabemos poder confiar no pousar do salto É um andar flutuante, meio bailado, meio tentativa de sobrevivência. E a cabeça? Sempre erguida, porque o orgulho é a única coisa que deve manter-se firme quando tudo à volta ameaça tombar, mas sempre com o pavimento debaixo de olho quanto baste.
O conforto já não é o inimigo do estilo — é a sua evolução. O verdadeiro luxo não está apenas no preço dos sapatos, mas na sua capacidade de nos acompanhar por calçadas reais, em vidas reais, com a mesma graça com que desfilariam num salão de Alta-Costura. A verdade é esta: andar de saltos altos na calçada portuguesa é um exercício de estilo, teimosia e equilíbrio — uma espécie de fado, com sola vermelha, onde cada passo pode ser poesia... ou queda.
Mas no fundo, não trocávamos estas pedras por nada. Porque há algo de glorioso na conquista diária desta selva de calçada. E porque, sejamos sinceras, o verdadeiro glamour está em saber andar por cima do caos — com elegância e um pouco de medo. E, aqui entre nós, poucas coisas são tão chic quanto uma mulher que sabe adaptar-se ao seu terreno — sem nunca abdicar do salto. Mas sobretudo, sem abdicar da atitude.
Originalmente publicado no Summertime Daydreams: The Escape Issue, a edição de julho/agosto de 2025 da Vogue Portugal, disponível aqui.
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