Heartbreak Hotel

13 Jul 2021
By Ana Murcho

Ao longo dos seus 42 anos de vida, Elvis Aaron Presley foi do céu ao inferno inúmeras vezes, tantas quantos os hits que conseguiu ter na cobiçada tabela da Billboard, Most Top 40: cento e quatorze. O cantor, cuja influência na cultura popular do século XX se estende muito para além da música, mantém, até hoje, o título de Rei do Rock. Numa aparição especial, em exclusivo para os leitores da Vogue, eis Elvis, The Pelvis, em discurso direto.

Ao longo dos seus 42 anos de vida, Elvis Aaron Presley foi do céu ao inferno inúmeras vezes, tantas quantos os hits que conseguiu ter na cobiçada tabela da Billboard, Most Top 40: cento e quatorze. O cantor, cuja influência na cultura popular do século XX se estende muito para além da música, mantém, até hoje, o título de Rei do Rock. Numa aparição especial, em exclusivo para os leitores da Vogue, eis Elvis, The Pelvis, em discurso direto.

© Getty Images
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Caro senhor Presidente. Antes de mais, gostaria de me apresentar. Chamo-me Elvis Presley.” Foi assim que, em 1970, o Rei do Rock se dirigiu a Richard Nixon, então commander-in-chief dos Estados Unidos. E é assim que começamos a introdução a esta “entrevista”, porque a vida do americano que pôs a pequena cidade de Tupelo, Mississippi, no mapa, está repleta de pequenos mistérios por desbravar, está inundada de detalhes que parecem escapar-nos sempre que ouvimos It’s Now Or Never (1960) ou Always On My Mind (1973). Por isso, que seja este o primeiro acorde desta performance especial. “Caro senhor Presidente. Antes de mais, gostaria de me apresentar. Chamo-me Elvis Presley.” O cantor — que alegadamente tinha escrito apenas três cartas ao longo da vida, e todas elas enquanto cumpria serviço militar — demonstrava, ao longo de cinco páginas, um imenso amor pelo seu país e acreditava que, não sendo “um membro do sistema” poderia chegar a mais pessoas que o Governo. Isto, claro, se o Presidente lhe concedesse um cargo “especial” que lhe permitisse ajudar na luta contra o tráfico de droga. “Senhor, estarei à disposição para qualquer serviço em que possa ajudar o país. [...] Ficarei por aqui durante o tempo que for necessário para conseguir os documentos de agente federal. [...] Gostaria muito de o cumprimentar, se não estiver muito ocupado. Respeitosamente, Elvis Presley.” A missiva não foi apenas uma tentativa cordial de se aproximar de Nixon. É que, em vez de esperar por uma resposta, a dita carta foi escrita num avião a bordo de Washington, para onde Elvis se dirigia, e onde pretendia ficar até que os seus desejos fossem cumpridos. “Ninguém diz que não a Elvis”, terá pensado, como pensaram dezenas daqueles que com ele privaram. Como nota de rodapé, pedia ao Presidente para lhe ligar para o quarto 505 do Hotel Washington, onde estaria hospedado sob o pseudónimo de Jon Burrows. A carta foi entregue no portão noroeste da Casa Branca horas depois de Elvis aterrar — não por ele, mas por um dos seus melhores amigos, Jerry Schilling, que o acompanhou na aventura. Resultou. Depois de reunir com os seus conselheiros, Nixon — que já tinha tentado recrutar celebridades para ajudar a derrubar o mesmo inimigo que Elvis agora se propunha combater — acedeu a receber O Rei. Foram escrutinados cinco minutos na intensa agenda do Presidente e o encontro ficou agendado para as 11:45 de 21 de dezembro de 1970. As más línguas dizem que, “uma vez na vida, Elvis chegou a horas.” E talvez por isso, ou talvez porque aquilo que os unia era, afinal, muito mais intenso do que à partida se poderia pensar — ambos tinham uma trajetória semelhante, marcada por origens humildes, ambos tinham sentido, na pele, o lado bom e mau da fama, ambos eram figuras (bastante) controversas — a reunião deixou de ser cronometrada. Elvis mostrou fotos do seu álbum de família a Nixon, este elogiou-lhe os botões de punho. Até que o cantor pediu aquilo por que tanto ansiava — um distintivo dourado que o transformasse num “agente federal extraordinário.” E, de repente, o peso do mundo que normalmente se abate sobre a Casa Branca desapareceu, e ali, no local que juntou dois dos homens mais poderosos do universo, Nixon cedeu: “Can we get him a badge?”, perguntou a Egil Krogh, um dos seus assessores, que prontamente acedeu. Elvis, extasiado, abraçou o Presidente. O encontro manteve-se secreto durante pouco mais de um ano, quando acabou por sair nos jornais. Tudo isto é, por si só, deliciosamente curioso, mas há mais: Nixon acabou por ser forçado a renunciar à presidência, três anos e meio depois; quando foi internado com tromboflebite, Elvis ligou-lhe a desejar rápidas melhoras. Em 1977, após a súbita morte d’O Rei — como causa oficial foi apontada “insuficiência cardíaca”, mas sabe-se que tinha no organismo 14 medicamentos diferentes — Nixon veio em sua defesa e sublinhou que essas não eram substâncias ilegais. O distintivo, esse que fez Elvis voltar a ser criança, foi desenhado propositadamente pelo Departamento de Narcóticos e Drogas Perigosas, com o nome do cantor, e encontra-se pendurado na Wall of Gold da sua famosa residência, Graceland, em Memphis. Para a posteridade, como sempre acontece, ficou a imagem do cordial aperto de mãos dos dois, tirada pelo fotógrafo oficial de Nixon, Oliver “Ollie" F. Atkins. Mas poucos, muito poucos, conhecem a sua história.

Outra história, que todos conhecem, ou julgam conhecer, é a de Elvis Aaron Presley, nascido, como já mencionado, em Tupelo, a oito de janeiro de 1935, único sobrevivente de um parto complicado de gémeos — o irmão, Jessie Garon, nasceu morto. Os primeiros anos d’O Rei foram passados no meio de inúmeras dificuldades financeiras, a que se somou o caos provocado por um furacão que atingiu a cidade, em 1936, e o racismo latente àquele estado do Mississippi. Apesar disso, consta (sublinhe-se o “consta”) que Elvis teve uma educação “livre de preconceitos”, e que foi ensinado a ver todas as pessoas da mesma forma, independentemente da sua etnia, orientação sexual ou estrato social. Em 1945, com apenas dez anos, participou num concurso de talentos numa feira, com a canção Old Shep, e arrecadou o segundo lugar — pouco depois o pai ofereceu-lhe a primeira guitarra. A família acabaria por ser forçada a mudar-se para Memphis, no Tennessee, em 1948, e mesmo se a música já lhe estava no sangue, o cantor foi obrigado a desdobrar-se em empregos para poder concluir os estudos, o que aconteceu em 1953, ano que marca uma reviravolta na sua vida — foi então que gravou a sua primeira música, My Happiness, nos estúdios da Memphis Recording Service, filial da Sun Records, em Memphis.

O boom chegou com That’s All Right, que cantou de forma improvisada, sem seguir aquilo que lhe era pedido (o próprio afirmaria, mais tarde, que “não tinha uma grande voz”, e que as músicas só resultavam porque as cantava “da alma, sem grandes preocupações com o timbre”) o que entusiasmou o produtor Sam Philips. Nascia o rockabilly, uma variante do rock and roll onde tudo era permitido. Seguiu-se Blue Moon Of Kentucky, uma espécie de blues que ia contra tudo o que se fazia na altura. E mais: era interpretada por um branco. Chegou a número um do top country da Billboard. Em outubro de 1954, o cantor fez a primeira apresentação fora do Tennesse, em Atlanta e, no mesmo mês, tem o primeiro grande momento da sua carreira, quando realiza um espetáculo em Shreveport, Louisiana, que é transmitido ao vivo pela rádio local. As reações às suas performances são impossíveis de relatar: entre a histeria e a obsessão, Elvis passou de desconhecido a estrela nacional em menos de um ano. A partir daí, é um sem-fim de hits que ainda nenhum artista a solo foi capaz de bater: Mistery Train, Baby, Let’s Play House, I Forgot To Remember, todas lançadas num curto espaço de tempo, ajudaram a cimentar o mito de Rei do Rock, mas foram temas como Hound Dog ou Blue Suede Shoes que o transformaram em Elvis, The Pelvis — o facto de se mexer, em palco, de forma supostamente sexual, fez com que muitos canais televisivos optassem por filmá-lo apenas da cintura para cima, de forma a não provocar a moral e os bons costumes. Tarde demais. Milhares de adolescentes, um pouco por todo o mundo, já repetiam os movimentos de Elvis, como se ele lhes tivesse dado a lufada de ar fresco e liberdade por que tanto ansiavam. A lenda estava criada. Love Me Tender (1956) marca a sua estreia no cinema, um sonho de criança. Acabaria por entrar num total de 31 filmes, dos quais se destacam Jailhouse Rock (1957), King Creole (1958), Blue Hawaii (1961) ou Viva Las Vegas (1964). O resto, como se costuma dizer, é história. Toda a gente a conhece. Mas façamos um breve resumo da montanha russa que foi a intimidade do cantor. Em 1957 adquiriu a sua famosa mansão, Graceland, em 1958 alistou-se no exército — esteve 18 meses numa base militar na Alemanha — e em 1959 conheceu Priscilla Wagner Beaulieu, com quem viria a casar e de quem teria uma filha, Lisa Marie Presley, nascida em 1968. A morte da mãe, Gladys, em 1958, terá sido o acontecimento que mais o marcou, e que acabou por condicionar o seu futuro. Há vários relatos de que foi após o seu falecimento que Elvis começou a consumir todo o tipo de medicamentos para lhe aliviar o sofrimento. Conseguia-os através do seu médico, George C. Nichopoulos, mais conhecido como Dr. Nick, que nos anos 80 seria julgado pela sua morte. Terá sido a separação de Priscilla, em 1973, que fez descarrilar o comboio já acelerado em que seguia O Rei — depois disso sofreu duas overdoses. A 16 de agosto de 1977 foi encontrado no chão da banheira da sua casa, sem vida, pela namorada de então, Ginger Alden. O mundo parou. Elvis tinha apenas 42 anos. Entre 1960 e 1969 esteve afastado dos palcos por decisão própria. Não deu um único show. A fama foi abrupta e repentina. Os efeitos foram demasiado pesados. A década de 70 seria o seu renascimento. Acabou por significar o fim de uma era. “Ninguém, mas ninguém, será igual. Elvis era e será superior. Não se deve subestimar o que conseguiu”, afirmou, sobre ele, Mick Jagger, vocalista dos The Rolling Stones. Há quem diga que Elvis não inventou nada, e que apenas foi buscar à música negra a matriz da sua obra. Ele nunca o negou. Se muitos o apontam como “inventor” de um género, ele foi o primeiro a lembrar que, antes dele, já muitos o faziam — homenageou, nas suas canções, pioneiros como Chuck Berry e Little Richard. Mas O Rei é, e será sempre, O Rei. Ou, tal como Madonna respondeu quando questionada sobre o seu impacto: “Elvis Presley? He’s God.”

A little less conversation...

Esta foi uma conversa tirada a ferros. “Elvis recusa-se a responder” ou “Elvis não comenta” são argumentos que não podemos usar porque, bom, Elvis deixou este mundo há 43 anos. No entanto, o difícil aqui foi encontrar alguma coerência naquilo que O Rei disse, on the record, em vida. Exemplo: numa longa carta aos fãs, publicada numa revista feita propositadamente para o efeito, Elvis Answers Back! Elvis Confides In You, lançada em agosto de 1956, o cantor assumia ter um livro onde guardava recortes de “algumas" coisas que saíam sobre si nos jornais. Que tipo de coisas? As más. Segundo ele, qualquer pessoa podia fazer um scrapbook cheio de coisas boas. Seriam as menos positivas, ou aquelas de que não gostava particularmente, que lhe interessavam. Porque podia estudá-las e melhorar. Um mês antes, ao ser entrevistado por Hy Gardner, uma das principais figuras televisivas da época, o cantor tinha dito precisamente o contrário: “Do you keep a scrapbook at all?”, pergunta-lhe o jornalista a dada altura. Elvis atira, tranquilamente: “Only the good stuff.” Feita a nota de rodapé, saiba-se que todas as respostas dadas a estas perguntas foram proferidas, em algum momento. Só não foram proferidas em 2021. Mas isso, como tantas coisas na vida de Elvis, é um detalhe.

“Não é recatada, querida. Eu sou apenas sneaky.”

“Tomo vitamina E (risos). Estou a brincar... Não sei (risos) Eu apenas... Ah, não faço ideia, querida, eu simplesmente gosto disto. Gosto do que estou a fazer.”

Man, eu era inofensivo comparado com o que eles fazem agora, estás a brincar? Eu não fiz nada, eu apenas [me] abanei.” 

“Algo com significado. Estou à procura de material mais sério. Já não curto estar sempre a interpretar o gajo que entra numa briga, bate no outro gajo e, na cena seguinte, canta para ele.”

“Toda a minha vida, sempre quis ser ator. Apesar de, na escola, nunca ter entrado numa peça, ou de nunca ter recitado outra coisa a não ser o meu Gettysburg Address para a minha turma do sexto ano."

“Não, habituei-me a isso. Acho que sentiria falta disso se deixasse de acontecer, sabes? Se ninguém me visse ou se ninguém me reconhecesse ou algo do género, ou me pedisse um autógrafo eu... Para mim é parte do negócio, e eu aceito. Acho que sentiria falta disso.”

“Tinha 17 anos quando comecei a deixá-las crescer. E de certeza que não me sentia ‘maduro e importante’ [como alguma imprensa escrevia] quando as patilhas começaram a fazer-se notar. Deixei-as crescer apenas por uma razão... porque foi uma coisa de que sempre gostei. [...] Muitas pessoas perguntam-me porque é que não as corto, agora. E sabes o que é que lhes respondo? Digo-lhes que me habituei a usar patilhas e sou como aquele pessoal que não gosta de mudar de cavalo a meio da corrida.”

“Nunca tive tantos, só quatro ou cinco, no máximo.”

“É O Sole Mio (It’s Now Or Never).” 

“Acho que consigo entender um pouco melhor a vida, fiz muitos amigos, como já disse. Penso que foi uma grande ajuda, de várias maneiras.”

“Não posso evitar. Às vezes sinto-me inquieto. Não sei o que é. [...] É um sentimento engraçado. Uma sensação de solidão. Acho que toda a gente já a sentiu, uma vez ou outra.”

“Acredito em Deus, acredito Nele com todo o meu coração. Acredito que todas as coisas boas vêm de Deus. Isso inclui todas as coisas boas que vêm para mim e para os meus. Da forma que eu vejo as coisas, ser religioso significa que tu amas Deus e que és grato por tudo o que Ele te tem dado, e eu quero trabalhar por Ele. Sinto, do fundo do meu coração, que estou a fazer tudo isto. E rezo para que se estiver errado a sentir o que sinto, Deus me irá dizer. Porque é a Ele que eu devo tudo o que me aconteceu.” 

“Bom, a imagem é uma coisa, o ser humano é outra, como sabes. Por isso é bastante difícil viver de acordo com uma imagem. Vou colocá-lo nesses termos.”

“Estás a gozar?”

“Nem por isso. Não. Tenho muita energia. Não me parece. Não enquanto o consiga fazer.”

Sir, se a minha vida voltar a ser normal, terei de voltar a conduzir um camião outra vez (risos).” 

 

Artigo originalmente publicado na edição The Music Issue da Vogue Portugal, de junho 2021. 

Ana Murcho By Ana Murcho

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