"We are not separate from the animal world, we are part of it, and we have a lot to learn from the instincts that drive other creatures." - Jane Goodall
Há algo de profundamente inquietante na ideia de que, por debaixo de séculos de civilização, ainda lateja em nós um animal. Não um ser mítico ou poético, mas um animal simples, guiado por impulsos básicos: fome, medo, desejo, sobrevivência. Claro, nós preferimos outros nomes. À agressividade chamamos “assertividade”. Ao impulso sexual, “conexão”. À necessidade de pertença, “networking”. Mas basta uma ameaça ao ego ou uma fila demasiado longa no supermercado para vermos a máscara civilizada escorregar. E ali está ele — o instinto. Nu, direto e sem filtro. Vivemos convencidos de que evoluímos. Temos GPS, linguagem sofisticada, e até opinião sobre o café da Etiópia. Mas diante do desconhecido, ainda reagimos como quem vive numa gruta: ou atacamos, ou fugimos. Só que agora fugimos emocionalmente, bloqueando pessoas em vez de correr. O mais curioso é que passamos a vida a tentar controlar os nossos instintos. A chamá-los primitivos, irracionais. Quando, na verdade, eles são a parte de nós que mais sabe o que quer - só não sabe disfarçar.

Lara Cosima
Élio Nogueira
Há uma certa arrogância na forma como olhamos para os animais, como se fossem criaturas inferiores por viverem guiados pelo instinto. Mas talvez sejamos nós os ingénuos — convencidos de que pensar demais nos torna mais livres, quando muitas vezes só nos torna mais confusos. O animal, ao menos, não vive em negação. No fundo, somos todos animais com complexos. Bichos que vestem fatos, fazem terapia, discutem política… e no entanto, ao menor sinal de rejeição, voltam a uivar por dentro, como lobos feridos a chamar pela matilha.

Lex Peckham
Boe Marion
A moda, por exemplo, é talvez uma das expressões mais sofisticadas, e disfarçadas, do nosso instinto animal. Vestimo-nos para nos proteger, sim, mas também para sermos vistos, reconhecidos, desejados, temidos ou aceites. Cada tecido carrega um código, cada cor, uma intenção. Os padrões selvagens, os cortes que acentuam ou escondem, os sapatos que dificultam a fuga mas garantem presença. Chamamos-lhe estilo, mas no fundo continuamos a dançar rituais de acasalamento diante do espelho, esperando que alguém repare na nossa “plumagem”. Talvez o segredo não seja sufocar o instinto, mas escutá-lo com alguma dignidade. Perceber que nem tudo precisa de ser domesticado. Que há sabedoria naquilo que sentimos antes de pensar — e que o animal em nós, por vezes, só quer paz, comida quente e alguém com quem hibernar. O resto... é só performance.

Jordan Roth
David LaChapelle
Talvez o que mais nos falte hoje não seja conter o instinto animal, mas resgatar certos instintos mais humanos — os que exigem um grau mais alto de consciência, mas que também nascem de uma necessidade visceral: a capacidade de dialogar sem necessidade de vencer, de ouvir sem estar na defensiva, de tolerar sem anular, e de estender empatia mesmo quando não há identificação. Estes, sim, parecem instintos em vias de extinção. Numa era onde se confunde ruído com comunicação e opinião com identidade, talvez o gesto mais radicalmente humano seja o de reconhecer o outro como legítimo no seu existir. Mesmo quando não late igual a nós - ou… mesmo quando o seu instinto o leva por outros caminhos.

Alysha
An Le
DOGUE
No instinto do cão vive uma lealdade silenciosa. É mais que um animal, é parte integrante da família, um amor que se sente sem necessidade de palavras. Este especial Dogue, que vai encontrar no final desta edição, convida-o a celebrar a presença discreta, mas transformadora, destes companheiros fiéis. O amor pelos cães é um elo profundo que transcende o tempo e enriquece a vida humana. Descubra histórias, emoções e o que torna o cão um amigo apaixonante.

Publicado originalmente na edição Animal Instinct, de outubro 2025. For the English Version, click here.
Most popular



ModaLisboa Base: as propostas dos designers portugueses para a primavera/verão 2026
06 Oct 2025
Relacionados

