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Entrevistas 6. 7. 2020

Maria Grazia Chiuri: “O surrealismo faz-te sonhar e a Alta-Costura também.”

by Liam Freeman

 

Numa entrevista exclusiva a diretora criativa fala sobre a importância da imaginação durante os períodos de crise, a importância dos filmes no futuro da Moda e as mulheres que foram muito mais do que musas. 

Em 1945, um ano antes de Christian Dior fundar a sua Maison no número 30 da Avenue Montaigne, um grupo de 15 designers apresentou as suas coleções em forma exposição, que ficou conhecida como Théâtre de la Mode. No rescaldo da II Guerra Mundial, os tecidos eram escassos e a demanda pela Alta-Costura havia-se dissipado, de modo que Cristóbal Balenciaga, Jeanne Lanvin, Pierre Balmain e Nina Ricci fizeram mais de 230 looks num manequim miniatura.

A iniciativa pretendia arrecadar fundos para os sobreviventes da guerra e ajudar a rejuvenescer a indústria da Moda francesa. Foi um sucesso estrondoso. O Théâtre de la Mode atraiu cerca de 100.000 visitantes quando foi apresentado no Musée des Arts Décoratifs, antes de viajar pela Europa e Estados Unidos. Desde então, surgiu como um emblema de esperança, resiliência e triunfo da criatividade em tempos difíceis. 

© Getty Images

Perante o desafio de apresentar uma coleção de Alta-Costura no meio de um pandemia global, Maria Grazia Chiuri descobriu que o Théâtre de la Mode, era a resposta. Antes da apresentação ao público, que aconteceu hoje, 06 de julho, a diretora criativa da Dior falou com a Vogue via Zoom.

Qual foi o motivo para se inspirar no Théâtre de la Mode?

O Théâtre de la Mode foi uma referência importante porque promoveu a cultura em todo o mundo num momento muito difícil. Era uma maneira de designers e artistas se unirem e dizerem que a tradição da Alta-Costura estava viva em Paris. Fiz 37 silhuetas em manequins miniatura que vão estar num baú que será enviado para os nossos clientes de Alta-Costura, que vão também recebero os tamanhos reais para que possam experimentar as peças.  

Durante todo este tempo, falámos muito sobre o digital. O digital é importante, mas, ao mesmo tempo, há trabalhos artesanais e detalhes que não são possíveis de serem vistos num vídeo ou foto. Com a Alta-Costura tu deves sentir o material e ver a roupa no corpo. O artesanato é uma tradição importante que pode ser perdida neste momento difícil. 

Pediu ao Matteo Garrone, o realizador de Pinocchio (2019) e Tale of Tales (2015), para fazer um filme do Dior Théâtre de la Mode para lhe trazer uma audiência global. O que é que existe no estilo cinematográfico de Garrone que faz sentido para este coleção? 

O Matteo é um grande sonhador. Ele é um diretor específico, faz filmes de uma maneira tradicional e trabalha com todos os detalhes, passo a passo: do elenco à location. O cinema sempre me motivou e sempre pensei em experimentá-lo para reproduzir a atmosfera única da Alta-Costura, mas é que claro que sou designer e não tenho habilidades para o fazer. Eu e o Matteo falamos a mesma língua - temos abordagens semelhantes nos nossos [respetivos] trabalhos.  

O filme leva-nos até aos ateliers de Alta-Costura da Dior, onde vemos as premières a trabalhar em versões pequenas dos looks, que depois organizam num grande baú - um outro mundo. O que é que queria o filme dissesse? 

Queria sintetizar o processo criativo e um mundo onírico. O filme tem cerca de 10 minutos, dando apenas para contar uma história pequena, mas captura a mitologia da Moda. Porquê que isto é tão importante? Porque a palavra couture significa fantasia. 

Este método de apresentar coleções é algo que quer explorar no futuro?

Este método nasceu da necessidade - tivemos que inventar novos métodos de trabalhar. Estive confinada em Roma, assim como o Matteo, e isso tornou as coisas mais fáceis, mas o atelier é, obviamente, em Paris. Produzir o filme e os looks em miniaturas foi fácil - de um certo modo, mais artesanal porque todos estavam a trabalhar de forma individual as suas partes. Sim claro, gostava de trabalhar com o Matteo no futuro. 

Quanto aos designs em si, as mulheres surrealistas foram uma grande referência. O que é que a fez destacar os trabalhos de Lee Miller, Dora Maar, Leonora Carrignton e Jacqueline Lamba?

As artistas surrealistas são menos conhecidas do que os homens e, muitas vezes, são consideradas musas e não artistas talentosas. Elas eram muito modernas, pouco convencionais para a época em que viviam e a maneira como se expressam através da roupa interessa-me muito.  

As fotografias de Lee Miller mexeram muito comigo. Uma jovem mulher que se muda para a Europa [vinda dos USA] e documenta a II Guerra Mundial. Ela era uma mulher extremamente talentosa e o seu trabalho mostra que a humanidade pode sobreviver mesmo perante os momentos mais horríveis. 

De que forma é que o trabalho das artistas mencionadas foi retratado nos designs? 

Carrington trabalhava com uma paleta de cores muito bonita, que estão em alguns dos tecidos. E algumas fotografias de Miller têm esse acabamento aquoso, refletido no veludo de um dos vestidos. Um outro vestido é bordado com as palavras ‘Blanche et muette, habillée des pensées me tu prêtes’, que se traduz em ‘Branco e mudo, vestidos com os pensamentos que me emprestas’. É irónico, porque é de uma peça do poeta belga Marcel Marië, um homem, e que a ideia era dizer que as mulheres não são apenas musas, mas artistas.  

Durante a pandemia, estivemos a pensar mais, a refletir mais, a sonhar mais. O surrealismo faz-te sonhar e a Alta-Costura também.

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